Beatriz Galloni: a força das mulheres maduras na liderança
A diretora de Marketing e ESG do Banco Safra tem uma trajetória de décadas de sucesso, que vai do mundo offline ao universo digital, da desigualdade de gênero à busca por equidade
Beatriz Galloni: a força das mulheres maduras na liderança
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Michelle Borborema
11 de janeiro de 2023 - 12h40
Com uma trajetória sólida de mais de 40 anos em grandes corporações, Beatriz Galloni representa a força das lideranças femininas maduras no mercado de trabalho. Em casa, porém, ela ainda se sente como a eterna caçula de um casal com três filhas. A executiva diz que cresceu como filha única, não gostava de dividir suas coisas, e a irmã mais velha, com 13 anos de diferença, sempre a paparicava muito e era como uma segunda mãe.
A discreta teimosia da executiva paulista de não compartilhar as coisas na infância acabou se tornando uma grande lição de vida que ela depois levaria para sua trajetória profissional. Ela diz que perdeu amigas, era fechada e não se doava muito. “Quando era pequena, havia um balanço na área de serviço da minha casa e eu não deixava nenhuma criança sentar nele. Mas, aos poucos, comecei a ouvir minha mãe e passei a ser mais aberta, me doar e dividir.”
Bia, hoje com 59 anos, conta que cresceu com privilégios, o que contribuiu para que tivesse experiências duradouras. Sempre estudou no mesmo colégio, no Ibirapuera, em São Paulo, ao lado do apresentador Zeca Camargo, e diz ter sido uma aluna mediana. Aos 16, começou a cursar Administração na PUC. Depois, por influência de uma amiga, passou a se aventurar pelo marketing. Com 19, entrou como estagiária na Danone, onde transitou por várias áreas, e diz ter sido o lugar em que realmente aprendeu a dividir.
Começava, então, a história de uma futura executiva que, com o esforço de uma mulher num ambiente inicialmente dominado por homens e a constante atualização de quem passou por inúmeras transformações, do mundo offline ao universo digital, conseguiu conquistar, ampliar e manter seu espaço no mercado.
“Quando comecei minha carreira, os homens dominavam as empresas. Tínhamos que nos impor, então desde lá aprendi a me virar para me posicionar e conquistar meu espaço. Também não tinha essa coisa de departamentos. Fazíamos de tudo, e sem computador, porque não existia”, diz.
Bia conta que sua experiência como diretora geral da operação de food service na Unilever, no início dos anos 2000, quando passou a gerenciar marketing, vendas, finanças e recursos humanos, a fez perceber que não gosta de ser a “número 1”. De lá, então, foi para Tetra Pak, onde atuou por dois anos e meio como gerente de marketing.
“Não era minha praia. Não quero ser presidente. Gosto de trabalhar numa organização com pares, liderar, ser chefe. Quanto mais no topo você fica, mais solitário é, porque você passa a não ter a quem perguntar as coisas. É complexo, mas foram anos legais.”
Em seguida, em 2005, foi chamada para ser uma liderança local de marketing da Mastercard, marca diferente dos segmentos em que atuava até então. Ela topou. “Não entendia nada de cartão de crédito, mas era um desafio interessante. Também era uma grande oportunidade de entrar no mercado financeiro. Foi maravilhoso.”
Na posição, Bia atuou para desmistificar a aceitação do cartão Mastercard, que era percebido como menos aceito que o concorrente, além de construir campanhas localmente, porque até então a comunicação da marca era feita fora e apenas traduzida e adaptada ao mercado local. A executiva logo passou a comandar os mercados de Chile, Argentina e Peru. Mas, no meio do caminho, em 2010, ela teve um câncer no pé. “Precisei fazer quimioterapia e radioterapia, e tive muito apoio deles.”
Depois de 11 anos na empresa, Bia decidiu sair porque queria manter o desafio em alta. “O tempo passou e chegou um momento em que as ideias não eram mais novas. Fui muito inovadora lá, mas estava perdendo o desafio. Saí com o olhar voltado para conselhos de administração, startups. Queria entender o mundo novamente. Montei uma consultoria com amigos e fiz o curso de conselho do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), com o mentor Hélio Magalhães.”
Bia diz que, depois de muitas experiências corporativas, em empresas como Quaker e a antiga Refinações de Milho Brasil, atual Unilever, teve interesse em atuar em algum conselho, mas não havia muitas oportunidades. Ela já fazia parte do Grupo Mulheres do Brasil e, no período em que trabalhava como consultora, começou a fazer amizade com Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, com quem conversou sobre carreira e teve algumas trocas importantes.
“Ela me disse que não me contrataria como conselheira do Magalu porque eu tinha passado a vida inteira em multinacionais e precisava ter experiência numa empresa de dono. Também falou que eu não deveria fazer consultoria, porque é coisa de marketeira que não deu certo.”
A executiva lembra que saiu do papo com o “rabo entre as penas”, mas logo teve uma oportunidade inusitada de trabalhar no Banco Safra, onde está até hoje. Uma amiga de Bia, que havia sido sua mentora no passado, queria apresentar sua agência para o banco e pediu ajuda da executiva para fazer a ponte. O contato dela foi importante para a amiga, mas desencadeou, também, no convite.
“Faltava uma área de marketing no banco na época. Eles disseram que estavam em busca de alguém para cuidar do setor e me convidaram. Eu aceitei, depois de conversar com todos e me encantar muito. Vim parar num banco, que nunca foi um desejo de consumo para mim. E foi uma experiência muito gostosa, porque comecei do zero.”
Agora, seis anos depois, Beatriz comanda uma equipe de 70 pessoas, com olhar especial para as redes sociais e para ESG, área que assumiu em 2020 como um grande desafio.
Com a chegada das fintechs e a força do open finance, a indústria financeira mudou muito. Os bancos tradicionais, para não perder espaço, têm se movimentado para garantir a força competitiva. Bia vê essa transformação com bons olhos.
“Quando há muitas mudanças, somos obrigados a nos reinventar. Então pix, open banking e open finance fizeram com que os bancos tradicionais buscassem atualização. O Banco Safra, por exemplo, mudou da água para o vinho nos últimos 5 anos. O grande desafio é chegar no mesmo nível de uma fintech e, ao mesmo tempo, ganhar dinheiro. Afinal, quem quer uma conta corrente apenas para pagar as contas e ganhar um salário pode abrir uma conta em qualquer banco digital. Mas aqueles com um grande montante de dinheiro não querem colocá-lo em qualquer lugar, porque desejam segurança, solidez e um olhar de longo prazo.”
Aliás, quando pensa no futuro do banco, a executiva é otimista e aposta justamente na solidez, na visão de longo prazo e no relacionamento da empresa com os clientes, e cita também alguns segmentos de públicos que estão mirando.
“Estamos olhando muito para pessoas físicas, para os mais jovens, e também para quem é de alta renda e tem mais idade. Queremos ser um banco completo para as pessoas e para os empresários. A força do Safra está no fato de que temos todas as ferramentas digitais necessárias, mas temos também seres humanos por trás.”
Quando pensa que está num mercado ainda predominantemente masculino e reflete sobre os desafios de estar nessa posição em um banco tradicional, Beatriz garante: já melhorou muito. “Toda mulher tem espaço para crescer. Curiosamente, nunca me senti não aceita entre os homens. E dei sorte, porque sei que a maioria das mulheres não passaram pelo mesmo. Nunca fui assediada ou tive um problema grave. Sou alegre, mas não dou muito espaço ou folga. Também sou brava. Se tentarem algo, me imponho, e isso me ajudou”, conta.
Apesar dos avanços em diversidade e inclusão no banco, sobretudo no que diz respeito a cargos de liderança, Bia acredita que o interesse das mulheres e de outras minorias sociais ainda é baixo. “No marketing e no RH, há muitas mulheres. Mas em áreas de investimento, é difícil encontrar quem queira ingressar. Há ótimas economistas por aí, mas localizá-las é um desafio. E as pessoas ficam tão afoitas para preencher a vaga que não esperam até encontrar alguém diverso. Quando o nível aumenta, algumas mulheres não querem treinar para liderança, outras não desejam sair de onde estão. Então sempre me pergunto o quanto é porque não quiseram ou porque não tiveram oportunidade. E, claro, alguns homens acabam escolhendo pessoas iguais a eles para as vagas.”
Diante desse cenário, Bia tem feito um trabalho de trazer mais pessoas diversas para o banco, mas de também entender seus problemas e ajudá-las, por meio de grupos de diversidade e inclusão. A ideia é que mulheres, por exemplo, de fato queiram ingressar em determinados cargos e em áreas específicas. “Nós temos que ralar mais, nos provar mais. Por isso, nunca achamos que estamos prontas para alguma coisa, e a ideia é contribuir para mudar isso. E eu tenho esse defeito também.”
A pauta de ESG é mesmo um grande desafio para Bia, sobretudo dentro do banco. Para a executiva, as pessoas ainda precisam entender que ESG é sinônimo de gerar negócio, e deve haver conscientização e engajamento das lideranças sobre o que isso significa.
“Não é filantropia, não é abraçar árvore. É o que traz resultados. Nesse sentido, nosso primeiro desafio é mapear e entender o que é importante para um banco. Um exemplo é o ciclo do dinheiro. É preciso olhar para as duas pontas e garantir que estamos com visões sustentáveis de ambos os lados. Quando falamos de investimentos, nosso movimento é o de mexer no mix, fortalecer mais o biodiesel e as placas de energia solar, por exemplo. Se antes um investidor olhava 100% para empresas normais, a ideia é que agora ele ao menos consiga mesclar com o que é mais sustentável”, diz.
Para a executiva, o mesmo raciocínio se aplica à diversidade, que está no guarda-chuva do ESG. “Precisamos mostrar que diversidade gera resultado. Não é só equidade. Isso deve haver por que é humano, mas uma empresa diversa vai operar com mais diversidade, e isso traz mais resultados. E diversidade não está apenas na raça e na orientação sexual, mas em histórico, em pessoas de outros lugares. Todo mundo vai ter as mesmas ideias se não há pessoas que viveram em mundos diferentes. Ou seja, seremos menos inovadores”, diz.
Bia também acredita ser muito importante contribuir para a educação financeira no país, pois gera um ciclo positivo. “No começo, é mais sobre impacto social. Não vai ter retorno imediato, mas vai ter daqui a 10 anos, com pessoas que trabalham e investem”, reflete.
Ao pensar em quem é Beatriz Galloni, sem o crachá de liderança feminina há décadas à frente do marketing das empresas, a executiva tem uma resposta simples: “Sou abençoada por tudo o que tenho de bom nessa vida. Nasci em uma família maravilhosa, tenho dois filhos incríveis, um marido que sempre me apoiou muito e saúde. Passei pelo câncer, tenho um emprego legal. Tento ser positiva. Quando acontece uma desgraça, fico triste, mas passam duas horas e vou para frente.”
Beatriz passou por grandes transformações, da extrema desigualdade de gênero no mercado de décadas atrás à virada digital do último século. Da maternidade e do sucesso profissional à inesperada luta contra o câncer. Mesmo assim, ela é clara na mensagem que deseja passar: devemos acreditar em nós mesmos, porque podemos ser o que quisermos se formos atrás. “Nasci passos à frente de muitos brasileiros, mas mesmo quem não teve a mesma chance deve ter esperanças e ir em frente. As coisas vão dar certo. Se você acredita numa missão, vá atrás e faça dar certo.”
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