Opinião: Há que dar-lhes a volta

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Opinião: Há que dar-lhes a volta

O pensamento de Saramago veio em vivas cores à cabeça no exato momento que tudo mudava no mercado. O mês do desgosto nos chegou como na crendice dos romanos: com um dragão cuspindo fogo pelo céu


15 de setembro de 2015 - 8h27

“Eu ia muito à ópera no São Carlos, no Teatro de Ópera de Lisboa. E ia sempre lá pro galinheiro, lá pra parte de cima. De onde via uma coroa, quer dizer, o camarote real começava embaixo e ia até lá em cima e fechava com uma coroa dourada enorme. Coroa essa que vista do lado da plateia e do lado dos camarotes era uma coroa magnífica. Do lado onde nós estávamos, não era. Porque a coroa só estava feita entre as quartas partes; e era oca; e tinha teias de aranha; e tinha pó. Isso foi uma lição que eu nunca esqueci. Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta. Dar-lhes a volta toda.” O pensamento de José Saramago veio em vivas cores à cabeça no exato momento que tudo mudava no mercado. O mês do desgosto nos chegou como na crendice dos romanos: com um dragão cuspindo fogo pelo céu. Com o diabo solto na Terra.

Celso Loducca saiu de cena com estilo e ressaltou que a politicagem diminui a produtividade. São palavras pontiagudas, mas necessárias de tão raras. Fernando Nobre caminhou sem alardes para uma produtora como quem diz: eu manobro a direção da minha vida quando bem entendo. Com o talento que tem, vai voar alto. Edu Lima disse que “o papai quer se divertir”. Parece ingênuo, mas a simplicidade é dos alvos mais árduos. Carlos Domingos parte com o dever cumprido e encerrando um ciclo, como afirmou em sua carta de despedida. Declaro uma inveja dessa certeza. Manir busca um novo grande desafio em terras que harmonizam com a sua modernidade. É mais um talento que vai. Nesse espaço curto de tempo, senti-me naquela zona de arrebentação em que as ondas nos jogam para o fundo, onde o fôlego foge. Levantei a cabeça, puxei o ar. Foi quando vislumbrei a última da série que chegava fechando o horizonte.

Agosto findou com o diabo atônito por ver que logo após o meio-dia, Marcello retornava satisfeito com as conquistas. Escolheu a família, a vida lá fora, o surfe. Um gigante em sua postura firme que poderia ter cedido a tantas armadilhas de vaidade. José Luiz Madeira disse que gostaria de parar sabendo que poderia jogar por muito mais tempo. E acertou em sua metáfora particular. Sorrio toda vez que lembro a sua definição: essa ideia é voo de galinha. Sai do chão e cai logo ali (e ele imitava um som: tum!). Vasculhando, encontro uma outra frase, dita quando estava para sair da AlmapBBDO: sonho não se discute. A mesma volta-se para ele e reflete um dos seus numerosos atos de grandeza.

Trago no bolso a bússola de Saramago. Líderes são como a coroa real do Teatro São Carlos. Há que se notar se existe um vácuo entre o dito e o feito. Entre e o release e a conduta. Entre o discurso bonito e a verdade. O que o Zé e o Marcello faziam na vitrine refletia nos bastidores, nas concorrências, nas discussões de remuneração. Mesmo sem saber, ganhávamos todos nós. Eles formaram um camarote real sem fundo falso que fica como um legado para os sucessores.

Sair de apaixonado pelo trabalho para uma posição de dono é como mudar de torcedor para dirigente. Em alguns momentos, você descobre mais do que gostaria. Fica até uma ponta de decepção com o jogo. Por outro lado, você começa a dar o real valor a quem sempre brigou por criatividade sem deixar de lado a ética. Grato estou a esses.
Volto a olhar para o mar. Quando pequeno, tinha como diversão a espera pelo fim da ressaca. As ondas acalmavam e bastava um leve garimpo para descobrir as moedas escondidas na areia. As coisas vão se reorganizar. Há um novo mercado se formando. Da plateia, as coroas reais hão de continuar a brilhar. O segredo, pois bem, reside na lição profética de Saramago: há que dar-lhes a volta. Dar-lhes a volta toda.

(*) André Kassu é sócio da Crispin Porter + Bogusky Brasil e escreve mensalmente para Meio & Mensagem. Este artigo está publicado na edição 1677, de 14 de setembro de 2015.
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