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O laboratório de comunicação de Bezos

Bezos-Post pode ser considerado um casamento histórico e abre uma oportunidade única para a indústria da comunicação


2 de outubro de 2013 - 2h49

Por Abel Reis*

O que esperar do encontro de um sábio ancião que escreve cartas à mão, com um jovem da geração digital que sequer conheceu um aparelho de fax? É mais ou menos essa a imagem e a dúvida que suscita a compra do centenário The Washington Post pelo visionário Jeff Bezos, CEO da Amazon. 

Bezos não adiantou seus planos — apenas tentou acalmar os ânimos mais quentes, avisando que a linha editorial e os principais editores do diário serão preservados. Muitas mudanças, porém, acredito, virão. Como os antigos proprietários e o novo comentaram: sem ou com Bezos o jornal teria de se reinventar. E o Post, assim como outros jornais, agora encara a mesma batalha que enfrentaram as indústrias do cinema (com o Netflix), de livros (com Amazon e seu Kindle) e a fonográfica (com o iTunes).

Um dos mais tradicionais jornais dos Estados Unidos, o Post foi fundado há dois séculos. Quatro gerações da família Graham estiveram no comando da publicação que abrigou uma dupla de heróis do jornalismo: Bob Woodward e Carl Berstein. Os repórteres foram responsáveis por, entre outros feitos, jogar luz no escândalo de Watergate nos anos 1970, contribuindo decisivamente para a renúncia do presidente Richard Nixon e para uma faxina no que se imaginava ser uma das mais imaculadas democracias do planeta.

A partir daí o Post consagrou-se como um dos maiores ícones de reportagem investigativa de todos os tempos. 

O que o Post tem de história e credibilidade, Bezos tem de inovador e determinado. A Amazon não é apenas um comércio online pioneiro de livros – é uma plataforma que personaliza a experiência de compra de livros, música, roupas, relógios, fraldas, pneus, entre outros inúmeros itens. A empresa abriga uma espetacular solução de cloud computing para atender seus clientes com eficiência e em grande escala. Ao mesmo tempo em que enxerga individualmente o consumidor, Bezos sabe lidar com milhões deles. Além disso, criou o Kindle, primeiro leitor eletrônico de livros, lançou o tablet Kindle Fire (concorrente do iPad), é um investidor curioso e arrojado, que aposta em pesquisas científicas de ponta, e faz doações generosas para a educação, arte e cultura.

Com todas essas credenciais, Bezos-Post pode ser considerado um casamento histórico e abre uma oportunidade única para a indústria da comunicação. A parceria pode materializar um laboratório de testes e aprimoramento de novas fórmulas de financiamento, produção, distribuição e consumo de conteúdo. Cada experimento terá o potencial de dividir a história do jornalismo entre antes e depois de Bezos-Post. O que pode sair desses balões de ensaio e pipetas? Inovação, quebra de paradigmas e talvez um jeito melhor de fazer, vender e ler jornais. 

Vamos às hipóteses. O modelo de receitas apoiado, principalmente, em assinaturas, anúncios e mecanismos como o Pay Wall, que remunera a versão eletrônica dos jornais, precisa ser diversificado. Uma aposta de Bezos pode ser o crowdfunding, modelo no qual pessoas fazem contribuições financeiras individuais, viabilizando assim, coletivamente, a realização de projetos de seu interesse, em um tipo de “vaquinha” online. Bastante comum na área de inovação tecnológica (ex.: indiegogo), o “funding” coletivo tem potencial para tornar-se um modelo interessante de financiamento da produção editorial, aliando independência editorial ao interesse dos leitores. 

Imagine um escândalo político no estilo do Mensalão. Quem melhor do que o cidadão comum para bancar um trabalho investigativo crucial e que pode ser longo e pouco atraente para anunciantes? O crowdfunding, vale frisar, não é apenas um meio descolado de bandas levantarem dinheiro. O financiamento coletivo é capaz de atingir quantias antes inimagináveis, na casa dos vários milhões de dólares, alavancando projetos ambiciosos e relevantes para todos.

Mas Bezos pode ir mais longe ainda. Assim como inovou na Amazon, convidando o consumidor a resenhar os livros e outros artigos comprados, fosse para falar bem ou mal do produto, o casamento Bezos-Post tem cacife para arregimentar leitores-repórteres. Hoje, timidamente, alguns veículos de comunicação aproveitam conteúdos como um vídeo amador de um acidente ou uma foto que denuncia uma calçada esburacada. Mas como seria se o jornal, com uma tecnologia amigável e segura, possibilitasse que uma rede de colaboradores participasse ativamente do processo de pauta, apuração e reportagem, produzindo e enviando fotos, vídeos e textos sobre o que está acontecendo de importante ao seu redor, ou elaborando artigos com o “olhar de fora” da redação? Provavelmente teríamos um conteúdo mais diversificado, autêntico e “fresco”, que concilia a velocidade e liberdade das ruas com o crivo ético e técnico de excelentes editores.

Outro caminho bastante provável é que Bezos leve para o jornal seu know-how em personalizar a experiência do consumidor. Na Amazon, a pessoa interage, opina e escolhe, fornecendo inputs para a compra ser afinada com seus interesses e necessidades. No jornal, a personalização poderá se traduzir na possibilidade de criar uma versão exclusiva do jornal, montada com os assuntos que prefere, na ordem que vê sentido, driblando a estrutura rígida dos cadernos e editorias. 

O comércio eletrônico, que Bezos domina como ninguém, também chegará à cena. Uma hipótese óbvia é que, por exemplo, uma resenha sobre um filme tenha a opção de ele ser assistido no próprio serviço de vídeo ondemand da Amazon. Certamente Bezos planeja entrelaçar varejo e conteúdo sem ferir a sensibilidade da imprensa ou do leitor. Ao contrário, a operação servirá para vitaminar as contas do jornal e fortalecer a sua independência e qualidade. As apostas, enfim, são muitas – tantas quanto os votos de que o “casamento” surpreenda positivamente a todos nós.  

* Presidente da AgênciaClick Isobar

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