Beto Fernandez: extinção, Greenpeace e publicidade
Criador da campanha da ONU que alerta para uso de combustíveis fósseis comenta protestos e sustentabilidade na publicidade
Beto Fernandez: extinção, Greenpeace e publicidade
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Thaís Monteiro
24 de junho de 2022 - 7h29
O criativo Beto Fernandez, fundador da Activista, foi a mente por trás da campanha “Don’t Choose Extinction” (“Não escolha a extinção”, em tradução livre), lançada em outubro de 2021 para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU). O filme exibe um dinossauro, espécie extinta, invadindo a ONU para reforçar que ser extinto é algo negativo e causar a extinção de sua espécie é ainda pior. O principal argumento do dinossauro, apelidado de Frankie, e do Programa é que os governos investem bilhões de fundo público em subsídios de combustíveis fósseis, cerca de US$ 423 bilhões anualmente. A campanha também é resultado de um desafio da ONU de fazer com que comunicações sobre questões mais sérias ganhem o alcance que necessitam. Ela foi dublada por artistas de 16 países, incluindo o Brasil.
A campanha foi exibida e discutida em um painel no Cannes Lions, que este ano teve uma série de paineis e protestos envolvendo a causa e que discutiam o papel da organização do festival e da publicidade em endossar empresas que produzem e fazem uso de combustíveis fósseis ou reverter a crise climática global.
Ao Meio & Mensagem, Beto Fernandez divide sua impressão sobre os protestos na Riviera Francesa e os desafios da publicidade em colaborar com a luta contra a crise climática.
Meio & Mensagem – A ONU já disse que a campanha tem, entre outros objetivos, mudar a narrativa sobre sustentabilidade e mudanças climáticas já que essas campanhas tendem a não ganhar tanta audiência ou engajar de maneira desejada. Por que isso ocorre?
Beto Fernandez – O primeiro grande desafio ao trabalhar em sustentabilidade é que a maioria das campanhas ataca um inimigo menos relevante porque é mais fácil de discutir e entender o que está acontecendo. Então você faz campanha contra o uso de plástico, por reciclagem, carro elétrico, projetos para as pessoas andarem menos de avião e coisas assim. Nesses dois anos de pandemia, o mundo todo parou de usar carro, avião e o impacto que isso teve na questão climática foi de 1%, o que prova que o problema não é esse. Mais de 70% do impacto climático vem dos combustíveis fósseis e do carvão. Então precisamos fazer campanhas para falar desses assuntos. O problema é que falar de combustíveis fósseis e subsídio a combustível fóssil não é nada sexy, muito complicado e difícil de entender. Mas só vamos causar uma mudança real quando a gente falar desse tópico, que é o mais importante.
E aí temos a dificuldade de mensurar campanhas de publicidade, porque quando você faz uma campanha por reciclagem, por mais importante e interessante que ela seja, por mais que ela convença as pessoas a mudarem seus hábitos, o impacto real que isso tem na pegada de carbono e no planeta inteiro é muito irrelevante, infelizmente. E toda vez que você faz isso gera uma cortina de fumaça e evita que se fale do vilão real. E isso é feito de propósito. Essas grandes corporações têm um monte de advogados e lobistas trabalhando para que quando seja inevitável falar de alguma questão climática, eles tentam vilanizar o plástico. E ao falar do plástico, você não fala do problema real, que é o combustível fóssil.
M&M – Qual foi a estratégia criativa por trás dessa campanha?
Fernandez – A questão principal do nosso projeto específico é que nós imediatamente identificamos que há três tipos de público quando você fala da questão climática e da sustentabilidade. Você tem os ativistas climáticos, que são as pessoas que entendem e participam, que são 5 a 10% da população e você não precisa falar com elas porque elas já participam, já são ativistas e já se motivam. Você tem um segundo grupo que são os negacionistas, os Fox News, os caras que acham que a terra é plana e coisa assim. Eles são os caras perdidos, não adianta falar com eles mas, felizmente, eles também são minoria, cerca de 5%. E você tem uma imensa maioria, mais de 80% das pessoas, que é a maioria silenciosa, que está passiva. Eles poderiam estar comprometidos, mas eles estão um pouco cansados dessa conversa, já está virando paisagem, eles não estão prestando atenção. O objetivo da nossa campanha era falar com essas pessoas.
E para falar com essas pessoas, nós pensamos que tínhamos que falar algo que essas pessoas queiram se envolver. Se elas não querem falar da questão climática, do que elas querem falar? E cultura e entretenimento é algo que todo mundo quer falar. Trailers e lançamentos. Isso orientou nosso caminho criativo. Nós pensamos: imagina se alguém de fora, que não fosse alguém de dentro da questão que não enxerga o óbvio olhasse o que está acontecendo e nos diz, como um alienígena que fala que estamos pagando pelas coisas que vai nos matar. Foi aí que tentamos simplificar a questão e falar de uma maneira criativa, mas simples.
A campanha influenciou os líderes do COP 26 a incluir a questão dos combustíveis fósseis e a redução do uso de carvão no acordo final do evento. Em todos os outros encontros, essa questão nunca foi tocada e a principal razão é porque a principal delegação são os lobistas de combustíveis fósseis tentar desviar o assunto ou entregar um inimigo menor, como o plástico, e faz compromisso com o plástico.
M&M – Qual é a relevância de estar no festival? E como tem sido a resposta à campanha?
Fernandez – É muito importante estar em Cannes falando disso porque aqui você tem uma audiência qualificada, não só de criativos mas pessoas que lideram marcas e a nossa indústria tem que ter a noção da nossa responsabilidade e parcela de culpa na situação que está e responsabilidade de reverter a situação. Um dos grandes problemas é que a indústria de combustíveis fósseis é muito poderosa, com muitos lobistas e dinheiro usado para eleger políticos, então é um inimigo difícil de derrubar e nós somos uma indústria muito poderosa então se nós realmente nos movimentarmos nessa direção para provocar uma mudança real.
M&M – No primeiro dia de Cannes Lions, o head de criatividade do Greenpeace subiu ao palco para retornar um Leão e protestar contra a indústria publicitária que endossa empresas poluentes ao trabalhar em suas campanhas. O que simboliza esse ato? Ainda faz sentido celebrar s publicidade diante desses desafios globais?
Fernandez – Essa ação do Greenpeace foi fantástica e eu acho que ela coloca muito em questão o que estamos falando aqui. O festival este ano tem uma pauta muito mais focada em sustentabilidade, o que é muito interessante, mas nós temos que pensar o que estamos fazendo efetivamente para esse combate. Por que o festival não começa a proibir a competição de agências e anunciantes que estão ligados à indústria do combustível fóssil? Então você começa a tentar usar um outro poder paralelo para combater o poder dessa indústria para tentar afetar o poder que eles têm. Um festival como Cannes tem essa capacidade e acho que isso deveria ser uma das discussões que a gente deveria estar tendo essa semana e, infelizmente, não está tendo. Assim como marcas que estão selecionando agências para participar de um pitching também poderia ser um critério. A agência com a qual você está participando tem alguma ligação com empresas de combustíveis fósseis? Se sim, ela não deveria ser qualificada para competir no pitch. De novo, é necessário criar um novo tipo de poder para combater esse grande poder que é o de combustíveis fósseis.
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