“Economia burra traz resultados medíocres”
Em sua primeira entrevista como chairman do Grupo Newcomm, Roberto Justus faz críticas ao excesso de concorrências do mercado e fala da experiência de não ser mais sócio do negócio que fundou
Em sua primeira entrevista como chairman do Grupo Newcomm, Roberto Justus faz críticas ao excesso de concorrências do mercado e fala da experiência de não ser mais sócio do negócio que fundou
Bárbara Sacchitiello
16 de fevereiro de 2016 - 12h04
Pela primeira vez em mais de 35 anos, o empresário Roberto Justus não acorda todas as manhãs com a missão de dirigir-se ao escritório de uma empresa que é sua. O novo acordo, assinado com o grupo WPP no final de 2015, deu ao publicitário uma nova condição: ele assume o cargo de chairman do grupo Newcomm, mas deixa de ter participação acionária na rede que fundou em 1998 e da qual foi presidente até o final do ano passado.
Em sua opinião, a venda integral das ações permitirá maior dedicação aos assuntos mais relevantes das seis agências do grupo, ao mesmo tempo que o alivia da extenuante rotina diária do universo dos negócios. Nesta primeira entrevista como chairman, ele elogia a capacidade de seus sucessores (Marcos Quintela, agora CEO do Grupo Newcomm, e David Laloum, que assume a presidência da Y&R), critica o excesso de concorrências do mercado e prevê que a atual crise só será atenuada quando o País encontrar um novo rumo político.
Com 12 anos de uma carreira consolidada na televisão, ele acredita que a nova condição empresarial dará mais liberdade aos seus projetos artísticos e revela por que, por duas vezes, desistiu da aposentadoria quando já havia marcado a data para encerrar a carreira como publicitário.
Meio & Mensagem — Seu último contrato com o WPP previa que você venderia suas ações e deixaria o Grupo Newcomm no final de 2015, mas você acabou ficando. Quais os termos do novo acordo?
Roberto Justus — Na verdade, em um dos meus primeiros acordos com o WPP, em 2004, já existia a opção de vender todas as minhas ações e sair do negócio ainda em 2010. Calculei que estaria com 55 anos e, na minha visão, seria um bom momento para sair do universo da propaganda. Até porque, como tinha iniciado minha carreira televisiva, planejava que seria bom permanecer no mundo da propaganda até, no máximo, 2010. Mas hoje reconheço que foi uma estratégia mal planejada.
M&M — Por quê?
Justus — Porque, hoje em dia, 55 ou 60 anos são idades ainda muito interessantes em termos empresariais. Ao mesmo tempo que o profissional já adquiriu uma experiência muito grande, ele já não tem mais a mesma paciência para as coisas do dia a dia e acredito que nem seja mais tão útil na gestão diária. Existe uma pesquisa que diz que um bom CEO pode durar, no máximo, uma década no cargo, desde que ele se recicle, se reinvente e se torne, gradualmente, desnecessário ao seu próprio negócio, para que consiga abrir portas para os outros. Descobri que seria muito cedo fazer isso em 2010 e fiz um novo acordo: vendi metade das ações que possuía ao final daquele ano e planejei vender o restante em 2015. Aí, eu me aposentaria da propaganda, perto dos 60 anos, para me dedicar à televisão e outras atividades.
M&M — Mas aí, novamente, você decidiu ficar?
Justus — O WPP me fez novamente uma proposta para ficar por mais cinco anos — até 2020 — quando estarei com 65 anos. Não aceitei ficar como sócio porque os resultados satisfatórios que tivemos nos cinco anos me mostraram que era um bom momento para vender a minha parte. E negociei 95% das ações que ainda tinha e os 5% restantes serão negociados em breve. Diante disso, eles me fizeram a proposta de permanecer no grupo como chairman, sem ser acionista. É uma sensação estranha para alguém que, desde os 25 anos, foi acionista e dono de seus negócios.
M&M – Quais são suas perspectivas para 2016?
Justus — Não vejo perspectivas de retomada neste ano. Em 2017, talvez, as coisas comecem a melhorar. O Brasil vive uma conjunção muito infeliz de crise política e econômica. A Argentina, por exemplo, é muito menos poderosa que o Brasil e as poucas atitudes de um presidente (Maurício Macri) que acabou de assumir já mudaram totalmente a percepção do mundo em relação aquele país. Se o Brasil não tomar cuidado, a Argentina vai assumir o papel de protagonista da América do Sul e tirar os investimentos daqui. Queria poder alugar o Macri por uns dois anos. Precisamos de um presidente assim, que traga de volta a confiança dos investidores. Enquanto isso não acontecer, nosso mercado irá patinar.
M&M — Por conta dessa situação de crise, muitos anunciantes buscam reduzir seus custos, renegociando ou fazendo concorrências para trabalhar com novas agências. Como você vê essa movimentação?
Justus — Sempre fui partidário de que o que é bom tem de ser bem remunerado. Não dá para comprar serviços de marketing da mesma forma que se compram mesas, cadeiras e computadores. A empresa tem de ter a visão de que ela está comprando ideias que irão alavancar os negócios e, por isso, possuem um valor intangível. Quanto vale o Ruivo para a Vivo? E a Verão para a Itaipava? Ou o trabalho todo da Almap para as Havaianas? Enquanto nas compras de materiais é mais fácil mexer nas margens de custos, quando falamos de ideia isso fica mais difícil. Não posso cortar os salários dos meus criativos. E se tiver de demiti-los, crio um círculo vicioso: o cliente paga menos, o trabalho que vou entregar será pior e ele não irá vender. Não acho isso inteligente. Claro, o cliente tem todoo direito de negociar e queremos ajudá-lo nisso, mas sempre sendo lucrativos e criando um círculo virtuoso. Economia burra leva a resultados medíocres. Muitas agências trabalham quase de graça para manter os clientes e fazer volume. É terrível essa situação e o mercado fica nivelado por baixo. Temos de respeitar as taxas que o Cenp designou e usá-las a nosso favor.
A íntegra desta entrevista está publicada na edição 1697 de Meio & Mensagem, de 15 de Fevereiro, disponível exclusivamente para assinantes nas versões impressa e para tablets iOS e Android.
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