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A incrível história de Franz Reischelt

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Ponto de vista

A incrível história de Franz Reischelt


29 de agosto de 2013 - 9h00

Essa história se passa no início do século passado. Era o tempo dos “gentlemen scientists”, como eram conhecidos os homens de então que se dedicavam aos experimentos científicos como um hobby, patrocinados pelo próprio dinheiro e totalmente independentes, sem vínculo com qualquer instituição científica.

Franz Reichelt era um desses senhores, um renomado alfaiate nascido em Viena, inventor e paraquedista nas horas vagas. Como a febre científica da época era voar, o senhor Franz vinha empreendendo seus melhores esforços em descobrir uma maneira de realizar o sonho coletivo de Ícaro.

Depois de uma série de estudos e testes, Franz Reichelt chegou à conclusão de que era possível construir uma roupa capaz de gerar resistência ao ar suficiente para fazer seu corpo planar quando se lançasse de grande altura. E assim o fez: aproveitando seu talento como alfaiate, construiu um traje com pele de rinoceronte e na manhã do dia 4 de fevereiro de 1912 se lançou do alto da Torre Eiffel.

Você pode imaginar o resultado do vôo, mas não pode negar que o raciocínio do “The Flying Tailor” fazia sentido (tanto fazia sentido que, se você procurar por “wingsuit” no youtube, vai notar que o raciocínio dele está inteiro lá).

A diferença entre fazer sentido e funcionar, eu chamo de risco-PPT: tudo o que faz sentido num slide, se ficar só na apresentação e não for submetido ao teste de realidade, pode levar a resultados muito perigosos.

E, apesar desse nosso negócio chamado construção de marca não ter os mesmos riscos do hobby de Franz Reichelt, tudo o que está debaixo dessa atividade só deveria existir quando confrontado com a realidade, com o dia-a-dia, com a verdade que teima em existir no discurso pronto da força de vendas, na gôndola, na boca do caixa, no comportamento do consumidor. Eu gosto de pensar que construção de marca tem que ser como uma boa calça jeans: quanto mais você veste, mais confortável fica e quanto mais marcada e desbotada pelo uso, mais bonita.

O PPT tem sido bem usado ao ajudar as marcas a formalizar suas estratégias, a documentar aspectos intangíveis de seu negócio, a disseminar e alinhar, para fora do departamento de marketing, definições importantes como perfil atitudinal do consumidor, tom de voz e personalidade da marca.

Porém, nenhum desses bons usos sobrevive se a realidade não concordar com eles. Quantas apresentações inspiradoras todos nós já vimos baseadas em insights do consumidor, escritos entre aspas, com linguagem popular e tudo, mas que passam longe tanto de ser insights quanto do consumidor. São na verdade a agência, o cliente ou o instituto de pesquisa colocando palavras na boca do coitado do consumidor.

Conta quantos perfis de atitude você já viu que tratam de fato de uma pessoa de verdade. Quem aqui não se lembra da mulher multi-tarefa, que estava feliz e realizada na busca por ser a mais prendada dona-de-casa, a executiva mais bem sucedida, a esposa mais amorosa, a mãe mais presente, a amiga próxima e companheira e a praticante de esportes linda e magra? Alguém aí conhece uma dessas pra me apresentar?

Visão, missão e valores. Por favor, vá até o quadro na parede da sua empresa em que estão essas três definições e me diz se elas refletem de verdade o comportamento das pessoas que trabalham com você e se fazem diferença no dia-a-dia do negócio.

Até dá pra entender porque isso tem acontecido com mais frequência do que deveria, uma vez que a vida de todo mundo que trabalha com a tal da construção de marca só faz ficar mais difícil. O consumidor está mais maduro, portanto, menos crédulo, a indústria da comunicação gerando cada vez menos valor e ganhando cada vez menos dinheiro, e os gestores das marcas, pressionados como nunca pelos curtos prazos, ebitdas e bottom-lines.

Mas não consigo acreditar que o jeito de lidar com essa dificuldade crescente é buscar conforto numa realidade paralela e deixar o seu trabalho pular da Torre Eiffel. Até porque se o senhor Franz Reichelt não serve como referência para o teste de realidade, a gente não deveria esquecer que a parte nobre da sua trajetória é que ele estava empenhado em fazer algo realmente novo. E nós, ao escolher entre o PPT e a realidade, estamos empenhados em fazer o quê? 

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