Meio & Mensagem
20 de janeiro de 2014 - 12h03
Cannes, alguns anos atrás. Eram três da matina e depois de uma das festas, estávamos indo a pé para o hotel. Junto comigo dois diretores de criaçÄo. Um brasileiro e um irlandês. Subíamos aquela avenida em frente ao Palais, nosso hotel ficava longe, no fim dela.
Íamos conversando distraídos e, ao atravessarmos uma faixa de pedestre numa esquina absolutamente deserta, com o sinal vermelho, chegamos na calçada e, ao olhar para trás, percebemos que o gringo tinha ficado parado, esperando o sinal abrir. Quando chegou até nós, perguntamos por que ele tinha parado se estava tudo absolutamente deserto. Resposta: "Pode ter alguma criança nos observando, de alguma janela. Temos que dar o exemplo".Nós, os dois brasileiros, nos entreolhamos e baixamos a cabeça.
Sempre lembro desse episódio ao assistir às séries Breaking Bad e Homeland. Uma coisa que os roteiristas brasileiros nÄo perceberam, apesar de inúmeros seminários com os melhores profissionais de fora, é que muito mais importante que as regras técnicas de criar os plots e conflitos, são as questões ética e moral.
Em Homeland, um herói militar americano fica transtornado ao ver civis e crianças mortas por drones americanos.Torna-se agente muçulmano por razÅes éticas e sentimentais.
Herança de Hollywood que há muito tempo se libertou dos chavões e estereótipos maniqueístas. O bem e o mal nÄo estÄo separados. Todos temos as duas partes dentro de nós.
Homens e mulheres de bem podem desejar fazer justiça com as próprias mÄos, e fazem. Desde que os roteiristas deem razões justas. E, por isso, aos nossos olhos, se transformam em nossos heróis. Passam a agir mais com o coração do que com a razÄo.
Perfeitamente compreensível num país civilizado, em que temos o choque de duas culturas. A wasp, religiosa e moralista, contra a latina. Breaking Bad se passa em Albuquerque, cidade fronteiriça americana no Novo México. Num determinado momento, um personagem declara: “os sulamericanos nÄo prestam por natureza”.
O que torna a tarefa dos roteiristas e diretores brasileiros mais difícil ainda, num continente tomado pela corrupçÄo, e aqui na terra da Lei de Gerson. O que nos resta é ficar assistindo histórias com sexo, violência gratuita, pessoas desonestas traindo outras. Personagens agindo a esmo, de forma maniqueísta, sem viver internamente um conflito moral e ético. Uns prestam e têm caráter, outros não. Nasceram assim.
Mas eu nÄo acredito que temos, e nunca tivemos, nenhuma série ou novela com um ser humano contraditório. Honesto, impoluto, que por força de alguma circunstância seja obrigado a cometer um ato que vá contra seus princípios. Ainda estamos na era do bandido e do mocinho. Dos argumentos banais, simplórios e repetitivos. Floreado com sacanagem pra garantir uns parcos pontinhos a mais de audiência. Outro dia presenciei, às 20 horas, um personagem de novela dizendo pra uma mulher enquanto comia um biscoito: "Hum, que rosquinha gostosa você tem. Deixa molhar no chá? Molhadinha entÄo…".
Tirem as crianças da sala.
Julio Xavier é sócio e diretor da BossaNovaFilms.
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