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Dupla performance

Premissa para marcas, retorno de investimento em e-sports ainda é desafio, no entanto, o próprio mercado vem desenvolvendo, adaptando e reformulando métricas


16 de outubro de 2020 - 18h45

Dizer que o mercado de games não é nicho ou que a essa indústria já fatura mais do que a música e o cinema juntos não é mais um ponto de exclusividade para os profissionais de marketing que incluem os jogos em sua estratégia. A nova fase dessa conversa, dado que a importância da indústria já está mais do que clara, é como medir o retorno de investimentos, o tão conhecido ROI. De acordo com a consultoria Newzoo, o segmento deve crescer 9% ao ano até 2023 e, este ano, chegar à receita de US$ 159 bilhões com 2,7 bilhões de jogadores em todo o mundo, sendo o Brasil um dos principais mercados. Algumas perguntas aparecem com frequência nas reuniões ou projetos em parceria: quais são as métricas do mundo dos games? O que se deve considerar para entender se o investimento está trazendo resultados? É tudo novo ou consigo utilizar lógicas de outras áreas como a de influenciadores, por exemplo?

Maitê Lorente, head de advertising da desenvolvedora francesa Gameloft, lista algumas métricas básicas para acompanhar o resultado de uma campanha vinculada a um game. “Para os formatos tradicionais de mídia digital veiculados in-game, ou seja, vídeo, banner, display e outros, as métricas entregues seguem o padrão IAB de publicidade digital, não tem muita variação: views completos, impressões, CTR, viewability, cliques. Porém, a gamificação dos anúncios publicitários nos permitiu criar indicadores únicos, que ainda são muito novos para o mercado”, explica. Entre eles, estão o Engajamento e o Engajamento Completo, que determina o número de vezes que o usuário aceitou jogar o game de uma marca e outros como o Tempo Total de Minutos Jogados e o Engagement Rate, que medem o grau de envolvimento do jogador com a narrativa.

Gamificação também é alternativa importante na comunicação das marcas

O mobile é a plataforma preferida por 52% dos brasileiros para jogar. O resultado da Pesquisa Game Brasil mostra que os games deixaram o universo dos consoles e PCs e estão alcançando um número cada vez maior de fãs no smartphone. Esse movimento só amplia o interesse e também as possibilidades pra as marcas. Christian Cunha, diretor de vendas da Etermax no Brasil, explica que a publicidade dentro do jogo equilibra construção de marca e performance em um mesmo investimento. “Em uma época em que o marketing fica cada vez mais direcionado, repensar e reiterar as campanhas após cada estágio é o que nos permite projetar e entregar mensagens focadas em lazer. Não apenas dados simples, mas percepções significativas. Desde a definição do público-alvo e a seleção de aplicativos de jogos até a criação de oportunidades para ouvir os usuários”, explica.

Leandro Veríssimo, country manager da Azerion no Brasil, reforça que as métricas precisam estar de acordo com o interesse e os objetivos de marketing das marcas. Segundo ele, parece uma lógica inquestionável, porém, muitas empresas decidirem investir nesse mercado planejando ações sem observar esse objetivo, que, no final das contas, define qual métrica utilizar. “Os consumidores gamers tendem a ser mais engajados com o seu conteúdo preferido e, por esse motivo, são seletivos e exigentes. Essa audiência engajada desperta o interesse das marcas da própria indústria de games, para divulgar e promover outros jogos, eventos e produtos especializados e de outros mercados, de carros a refrigerantes, que querem acompanhar o seu consumidor nessa nova jornada de consumo de conteúdo”, afirma.

Construindo ecossistemas

Criada em dezembro do ano passado, a Player 1 se conecta com a estratégia multicanal da Globo

Criada pela Globo em 2019, a plataforma Player 1 se propõe a criar um ecossistema que gere valor à comunidade. Nos seis primeiros meses, como conta Leandro Valentim, head de games e e-sports da Globo, a plataforma ultrapassou 500 mil usuários com a proposta de oferecer cobertura de games com mais de 20 opções. Entre elas, modalidades como LoL, CS:GO, Free Fire, Rainbow6 e Fortnite, além de novidades como Valorant, TFT, COD Warzone e Rocket League. “Estudamos vários aspectos do que o gamer busca além do ato específico de jogar. O objetivo era entender essa jornada para estabelecer um perfil. Isso inclui o consumo de conteúdo gerado por outros gamers, dos amigos e até streamers profissionais; a torcida por pro-players e times favoritos. Acompanhamos também os campeonatos de e-sports; a socialização; o interesse da comunidade por novidades e lançamentos. Levamos tudo isso em consideração a cada novo projeto”, destaca Valentim. Segundo ele, assim como os esportes tradicionais, os e-sports também sofreram com o cancelamento dos eventos presenciais, sem as arenas lotadas de fãs e sem os times viajando para competir. Porém, a volta das transmissões dos torneios foi mais rápida, já que existia a possibilidade de realizar competições profissionais de forma remota. “Os e-sports tiveram um papel importante para preencher uma lacuna da programação ao vivo. Com as pessoas em casa, o crescimento dos games foi imediato.” Já pra 2021, diz, o “retorno das competições e eventos deve seguir no ritmo acelerado. Soma-se a esse movimento o profissionalismo crescente das ligas e organizações, o crescimento exponencial dos mobile e-sports e o apetite renovado de grandes marcas, que já entenderam a força de engajamento desta comunidade.”

Cauda longa
Recente pesquisa publicada pela Comscore, “O mercado de games no digital”, aponta que o estereótipo do público gamer não corresponde à realidade. Hoje, 51% são formados por homens e 49% são mulheres. Além disso, não são os mais jovens que passam mais tempo online, mas sim aqueles entre 35 a 45 anos de idade. Isso significa que esse mercado é cada vez mais diverso, pulverizado e com muitas possibilidades. Fabricio Vulcano, head de digital do Grupo Jovem Pan, ressalta que, neste contexto, é importante e estratégico trabalhar o desdobramento do conteúdo. Em outras palavras, a cauda longa. “No caso da comunidade gamer, que é bastante ampla e tem também diferentes perfis, o esforço é para promover conversas que alcancem tanto o público gamer mais experimentado quanto aqueles que são gamers e não sabem. Essa mistura ocorre de maneira orgânica, por exemplo, com a introdução de influenciadores como convidados em nossos programas. No jornalismo, o universo gamer é abordado sob três perspectivas, principalmente: tecnologia, comportamento e economia”, explica.

Pedro Oliveira, cofundador da OutField Consulting, explica que, pelo fato de os e-sports e o universo gamer serem nativamente digitais, é natural para equipes, operadores de evento e plataformas de mídia a observação do funil de conversão. “Gerando leads ativamente para que vendas sejam concretizadas e trabalhando com suas bases de dados. Nesses casos, com um simples link trackeado ou utilização de cupons, já é possível mensurar o retorno sobre o investimento. Além disso, já vemos alguns players investindo em inteligência para reporte de informações, trazendo plataformas como GumGum e Repucom para demonstrar aos parceiros o retorno de mídia que geram para eles”, afirma.

Do ponto de vista do investidor, aponta Oliveira, é possível mensurar o retorno mediante a valorização da empresa, sempre auferida por meio dos indicadores de performance financeira, por meio de evento de saída direto para venda ou rodada de captação e também por comparação com pares da indústria e movimentos que acontecem globalmente. “Como os e-sports são um setor relativamente novo, não há um histórico grande e tampouco metodologias de valuation resilientes, por isso vemos o mercado trabalhando com o múltiplo de valuation e receita. Assim, os investidores se apoiam bastante nisso para projetar o retorno momentâneo de seu investimento”, diz. A OutField Consulting foi responsável por lançar o campeão de UFC, Anderson Silva, como streamer, o que ilustra uma combinação de métricas de performance como aumento de seguidores e de construção de marca associando o atleta a um ambiente inovador.

A rede varejista de eletroeletrônicos Fast Shop investe em games e e-sports como pilar estratégico. Segundo Pedro Velardo, gerente de trade marketing e CRM da Fast Shop, isso ocorre sob dois aspectos: na construção de marca e no apoio ao desenvolvimento da categoria no País. “Com nossas ações, eventos e espaço exclusivo para teste de produtos nas lojas físicas, queremos ganhar relevância junto ao público gamer para que ele veja a Fast Shop como especialista neste assunto no momento da jornada e decisão de compra. Nossa principal métrica é o aumento da relevância da categoria dentro da própria Fast Shop. Nos últimos seis meses, a área de games teve um crescimento de três dígitos nos resultados da companhia, o que reforça ainda mais o potencial desse mercado. Nossa estratégia de investimento no desenvolvimento da categoria é trazer o gamer mais próximo da marca, dentro da loja e com ações e eventos direcionados.”

Mais do que anúncios, interação entre marcas e jogadores é importante

A Fanta ampliou seu investimento dentro do jogo Fortnite. Após a primeira ação bem-sucedida, em 2019, a marca da Coca-Cola criou a segunda fase do projeto “Lanchou!”, com a condução da Ogilvy Brasil, que consiste no lançamento do mapa interativo da marca dentro do game da Epic Games. A ação possui como estratégia de continuidade divulgação em lives e conteúdos com influenciadores. Outro case que ilustra objetivos distintos tendo o game como plataforma de marca foi uma parceria entre a fintech PicPay e o criador de conteúdo Felipe Neto. Marca e influenciador se uniram para o desenvolvimento de uma ação de naming rights dentro do jogo Minecraft. Felipe reconstruiu o local de compras do jogo com elementos visuais que remetem aos serviços da PicPay como logo, QR Code e smartphone. O Minecraft tem 126 milhões de usuários ativos por mês e já vendeu mais de 200 milhões de cópias desde o seu lançamento. Segundo Felipe, “inserir uma marca como o PicPay dentro desse mundo, através de naming rights e um pequeno universo inteiramente patrocinado, é algo que pode começar a ser replicado por outras marcas junto a outros gamers. Poucos tipos de conteúdo na internet inteira geram tamanha retenção de atenção do espectador quanto games.”

Brasil em evidência

O crescimento dos jogos em mobile tem ampliado o interesse de marcas

O Brasil está no radar dos investimentos em games e na atenção das empresas estrangeiras em relação ao potencial deste mercado. A desenvolvedora brasileira Wildlife vem atraindo investidores, sobretudo depois que se tornou o primeiro unicórnio da indústria de games do Brasil, passando a valer mais de US$ 1 bilhão em 2019. Em agosto, após novo aporte, a empresa passou a ser avaliada em US$ 3 bilhões. Especializada em jogos para mobile, se tornou um símbolo do crescimento e potencial da indústria de games no País. Como efeito, o crescimento dessa indústria vem impulsionando os negócios de empresas especializadas em games e em publicidade. A multinacional holandesa Azerion, que tem 13,5 mil games e soluções na área de mídia, iniciou sua operação no Brasil com uma parceria com o portal IG com jogos para computador e smartphone. Leandro Veríssimo, country manager da Azerion, explica que o País ocupa a terceira posição no ranking de maior número de jogadores da empresa, somando mais de 1,3 bilhão de pessoas em inventário de publicidade. “O brasileiro adora videogames e é o principal meio de diversão para 64% das pessoas. Com esse tremendo horizonte, apresentamos o ecossistema de negócios para o mercado de publishers, anunciantes e agências”, diz Veríssimo. A Etermax, no Brasil desde outubro do ano passado, também reconhece o potencial do País. A empresa, que tem clientes como Coca-Cola, Sega e Rovio, tem no País um de seus mercados estratégicos globalmente como explica Christian Cunha, diretor de vendas. “O Brasil tem mais de 75 milhões de gamers e no segmento de in-game ads existem várias oportunidades para as marcas aparecerem com anúncios eficazes e divertidos, especialmente em jogos mobile. Na América Latina, cada vez mais usuários estão dispostos a receber publicidade em troca de conteúdo digital gratuito”, afirma. Sobre s formatos possíveis apontados por Cunha, estão Rewarded Videos, em que os jogadores recebem um benefício in-game se assistirem a um vídeo publicitário; Native Ads, que são mensagens que se adaptam à interface do jogo; Sponsorship, que incentiva os jogadores a completarem uma pergunta patrocinada para obter um item especial; e os Playable Ads, que são anúncios interativos em que o usuário se envolve com a publicidade e possibilidades de gamificação.

Games, música, cinema e resultados
A conexão entre cinema, música e games ficou ainda mais forte durante a pandemia. Cases como a exibição dos filmes do diretor Christopher Nolan e o show do rapper Travis Scott dentro de Fortnite até o avatar criado pelo DJ Alok no universo de Free Fire indicam como as métricas se misturam. Cristiano Persona, diretor comercial da FLIX Media, entende que a sinergia entre o cinema e games é direta, pois ambos conseguem capturar a atenção da audiência em um momento 100% brand safety. “Nos últimos anos, o cinema se aproximou muito do universo digital, em termos de métricas e de entrega com viewability, além de trabalhar com garantia de audiência com as marcas e cobrando apenas pelas pessoas impactadas nas campanhas. O mundo dos games tem características muito parecidas. Existe, sim, uma demanda muito grande das marcas em utilizar games de uma maneira melhor. Trata-se de uma mídia muito recente, mas com imenso potencial e que cresce muito”, afirma.

Presença de marcas nos games não é nova, mas vem se sofisticando

A FLIX Media trabalha com duas frentes relacionada aos games: a primeira, em parceria com a MUV, empresa especializada em soluções mobile, oferece a possibilidade das marcas falarem com audiências por meio de games de celulares. A segunda frente, em parceria com a DBG, consiste em arenas de games em shoppings centers. “Ainda neste ano, teremos a inauguração das duas primeiras unidades, em São Paulo. Nas arenas, as marcas podem patrocinar os espaços, totalmente interativos, tendo a oportunidade de conversar e interagir com o público gamer no momento mais oportuno, quando estão jogando e se divertindo. As arenas ainda não estão abertas em função da pandemia, mas em mobile games já temos muitas marcas anunciando, entre elas LG, PagBank e WhatsApp”, exemplifica Persona.

Matheus Flandoli é diretor de criação e planejamento da Cross Networking e especialista em games que conduziu, pela agência, parcerias para o time INTZ e entre o DJ Alok e a Garena, publisher do jogo FreeFire e considera que o cenário de 2020 se mostrou muito favorável para o mercado de games. “As métricas não mudam porque estão sempre ligadas aos problemas de negócio e comunicação das empresas, e não do mercado ou segmento. Este ano, por exemplo, trouxe o desafio do distanciamento social e, com ele, os esforços para impactar o público com ações online. Apesar de contar com enormes eventos presenciais, os games já vivem essa realidade há um bom tempo e o canal para o diálogo virtual com os jogadores já estava aberto. Acredito que, comparando com segmentos mais tradicionais, esse público estava mais preparado para interagir através das lives e isso impacta de forma positiva no engajamento das ações”, diz.

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