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“Queremos ver todos os corpos sendo representados”

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“Queremos ver todos os corpos sendo representados”

Rebeca Gamer, um dos maiores nomes do Facebook Gaming, fala sobre preconceito e representatividade no universo dos games


11 de outubro de 2021 - 10h56

Nascida e criada na Zona Leste de São Paulo, Rebeca Gamer tem somente 23 anos, mas já conquistou muito sucesso fazendo lives de role play de GTA V, ou seja, quando um jogador simula a história de uma personagem com outros jogadores online, ao lado de outras streamers e da cantora Anitta, que entrou recentemente no mundo gamer. Rebeca, agenciada pela Mynd, é um dos maiores nomes do Facebook Gaming, onde seus mais de 200 mil seguidores acompanham suas transmissões. Ao longo dos anos, Rebeca, que se identifica como pessoa não-binária, se tornou uma das principais influências LGBTQIA+ no mundo gamer, assim como sua amiga Samira Close.

Rebeca Gamer (crédito: divulgação)

Meio & Mensagem — Quando você começou a jogar e quando percebeu que queria viver disso?
Rebeca Gamer — A minha relação com games sempre aconteceu desde muito nova. Sempre gostei muito de jogar e não imaginava que seria o meu trabalho, que seria uma profissão, porque eu trabalhava em um salão antes, como cabeleireira. Jogando com amigos, meio que a internet me descobriu, sabe? As pessoas me viam jogar com as minhas amigas e queriam que eu aparecesse também, por conta da diversão que conseguíamos criar ali junto naquele grupo. Vim de uma família muito pobre. Não tinha nem como começar; computador, internet… morando no extremo leste de São Paulo. Era tudo mais difícil. Uma pessoa que acompanhava o trabalho das minhas amigas que já faziam live me mandou um computador e falou: “Você precisa começar a fazer live. Eu vou te ajudar, vou te ajudar com uma peça”. E falei: “Uma peça não vai dar”. Eu jogava no notebook, com um ventilador. Terrível a situação. Ele me ajudou e eu comecei. A partir daí foi uma oportunidade que surgiu e não tive como correr. Segui e estou aí até hoje.

M&M — Você já sofreu algum tipo de preconceito ou discriminação dentro da comunidade gamer? Se sim, como costuma reagir a isso?
Rebeca — O preconceito dentro dessa cena é meio que comum. Por pior que seja, sofremos, passamos por ele direto, porque a mulher, o LGBT, o gay, ele nunca foi visto muito dentro dessa cena e, quando somos colocados dentro desse meio de jogo, desse universo masculino, que criaram para ser masculino, passamos por isso diariamente. Eu tento sempre sair dessas situações com humor, com uma brincadeira, de uma forma mais leve. Mas, quando tem que chegar chutando tudo também, chegamos, porque não dá só para ouvir.

M&M — Acredita que houve alguma mudança na mentalidade das pessoas em relação à comunidade LGBTQIA+ no cenário de games e eSports no Brasil desde quando você começou sua carreira?
Rebeca — Ontem passamos por uma coisa que foi bem horrível. Então, sempre achamos que está caminhando, aí vem uma cena dessa de homofobia, e aí paramos para pensar se realmente está mudando. Sinto que realmente tem mudado, é que as pessoas sabem como punir essas atitudes tóxicas. Hoje, sabendo como punir um jogador, seja ele profissional ou não, que tenha esse tipo de atitude, conseguimos fazer com que os outros pensem mais para que eles não tenham mais essas atitudes. Temos caminhado para que os games sejam menos tóxicos com a mulher e com o LGBT no geral.

M&M — Com essas políticas de punição, as entidades envolvidas, como desenvolvedoras de jogos, podem contribuir para mitigar o preconceito dentro e fora dos games? A propósito, você acha que esses players têm ajudado nesse sentido ou eventualmente o preconceito parte deles também?
Rebeca — No geral, os games e os criadores de games têm introduzido essas formas de conseguir reportar dentro do jogo. Às vezes, acabamos achando que ir e reportar parece algo banal, mas como players, temos que reportar, temos que abrir a denúncia contra aquele jogador. E o que acho que tem funcionado bastante, são as pessoas, os próprios players usarem as redes sociais para se manifestar e para chegar diretamente naquela determinada empresa, para que eles vejam: “Oh, aconteceu isso aqui. Eu gosto de jogar de uma forma segura, com os meus amigos e isso não foi legal”. Acredito que as pessoas já entendem onde têm que ir para poder resolver o problema.

M&M — Também falta mais ajuda das próprias marcas que estão entrando cada vez mais nesse ecossistema?
Rebeca — Com certeza. Porque, hoje, se ouve falar muito em gaming house, o cenário tem crescido, tem as organizações que estão com tudo, só que ainda é muito difícil conseguirmos nos ver, seja pessoas LGBT sendo drags, gays, mulheres trans, travestis. É muito difícil ainda vermos esses corpos ocupando esses espaços. Sempre vemos ali aquilo que ainda é um pouco mais “aceitável” pela sociedade, o menino bi, a menina bi, que também fazem parte da nossa sigla, mas queremos ver todos os corpos sendo representados nisso, onde ainda é muito difícil conseguirmos nos ver.

M&M — Qual é a importância de ter figuras representativas como você dentro do universo gamer? Como avalia o seu papel de inspirar outras pessoas nesse ambiente?
Rebeca — É o que me motiva. Conseguir ocupar esse espaço e fazer com que outras pessoas consigam se ver dentro desse universo onde elas não foram vistas. Quando eu comecei, já tinha pessoas que faziam live, como a Samira (Close), e conseguíamos nos ver ali. Mas, hoje, estar nesse papel e poder representar outras pessoas é incrível, porque o retorno que recebo é sempre gigante, e é por isso que sempre bato nessa tecla de que precisamos estar lá, precisamos nos mostrar e as pessoas precisam nos ver para que outros corpos como o meu possam se ver em mim lá, onde não nos víamos antes.

M&M — Acredita que em algum momento a comunidade LGBTQIA+ não sofrerá mais preconceito na comunidade gamer e fora dela?
Rebeca — É o que esperamos. Porque senão, tudo isso que lutamos e que falamos sempre não vai ser motivador. Então, lutamos e falamos sempre para que realmente possamos olhar lá para frente e ver as coisas mudando, ver a internet, os games, o mundo, no geral, sendo melhor e respeitando todas as pessoas, porque acho que você não precisa nos amar, basta nos respeitar, que é um direito de todos nós.

M&M — Por fim, se pudesse dar uma dica para uma pessoa da comunidade LGBTQIA+ que quer trabalhar com games, mas que tem medo de sofrer algum tipo de discriminação, qual daria?
Rebeca — Acredito que, hoje em dia, está muito mais tranquilo trabalhar com isso e existem muitas plataformas que estão aí para te dar segurança para você fazer seu trabalho, seja no YouTube, Facebook, ou onde for. As plataformas já estão mais preparadas para que você consiga criar ali a sua comunidade, com segurança. A dica que eu daria é que se você tem vontade, se é o seu sonho, siga, porque, para mim, foi uma oportunidade gigante, que consegui mudar a história da minha vida e que não me arrependo nem um pouco de ter começado. Que a minha história sirva de exemplo para que motive outras pessoas a seguir esse caminho.

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