O futuro é off-road, conclui o PicNic

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O futuro é off-road, conclui o PicNic

Segundo e último dia do Festival teve palestras consistentes e a mensagem de que a Era de Aquário chegou ao mundo dos negócios


21 de setembro de 2012 - 6h14

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*Por José Porto

O segundo e último dia do PicNic foi reservado para os “big names” e para as melhores palestras. Havia mais gente circulando pelo evento e a discussão foi mais alto nível, ou seja, menos discursos motivacionais e mais propostas objetivas de como (e para onde) devemos caminhar daqui adiante. 

O evento foi encerrado com uma discussão “socrática” entre os três principais palestrantes do dia (mais Marleen Stikker, organizadora do evento) e mediada por Humberto Schawb, médico e filósofo que define sua profissão como “Transformador Socrático”. 

Mas vamos começar pelo começo. 

Os três principais assuntos que permearam quase todas as palestras foram: compartilhamento irrestrito de conhecimento entre pessoas, empresas e instituições; fim das relações de mão única, já que não existe mais nenhum tipo de relação que não seja baseada na conversa e no benefício mútuo (pense nas marcas que passam a ouvir, criar serviços e utilidade real para seus consumidores); e o conceito de “open”, o adjetivo mais usado nessa nova realidade difusa. Open significa aberto, livre, de acesso irrestrito, sem exclusividades, com eliminação de preconceitos e paradigmas. 

A primeira palestra do dia foi de Doc Searles, autor do aclamado livro Clue Train Manifesto (escrito em 2000, mas ainda atual) e que acaba de lançar Intention Economy, when customers take charge (algo como Economia da intenção, quando os consumidores tomam o poder).

Atualmente, Searles é um membro convidado do Berkman Center for Internet and Society da Universidade de Harvard, e, junto com os alunos do curso de administração, está desenvolvendo um novo programa de relacionamento entre empresas e consumidores. Ele propõe um tipo de CRM ao contrário, o VRM (vendor relationship management) onde são os consumidores que decidem que tipo de informação querem compartilhar com as empresas e quando essas informações ficarão disponíveis. Resumindo, as pessoas definem, junto com as empresas, seus próprios “Termos e Condições”. 

E a beleza disso é que ele não está propondo uma quebra do sistema, não é uma teoria que não sairá nunca do papel. Ele está fazendo isso na Harvard Business School, para que as empresas continuem ganhando dinheiro, tendo mais lucro, mas sem esfolar o cidadão comum. 

É o mundo das relações de mão dupla. É mudança de mindset operada diretamente no sistema nervoso central da economia capitalista. 

A democratização do conhecimento

Elizabeth Stark é uma americana, empreendedora, inteligente, bonita e figura fundamental no movimento que barrou a aprovação do projeto de lei na corte americana que criaria uma espécie de censura na internet (SOPA e PIPA).

O tema da sua palestra foi “A Democratização do Conhecimento e a Inovação”. Ela defende a ideia de que especialistas não nascem especialistas – se tornam conhecedores e técnicos de um determinado assunto – e que não existe conhecimento individual que seja mais rico e transformador que o conhecimento coletivo. 

Para ela, o nosso sistema educacional e organizacional não favorece a criatividade e a inovação. Defende “a abertura” do conhecimento, a troca de experiências para além do modelo tradicional: quem sabe mais ensina, quem sabe menos aprende, e assim teremos resultados melhores. O aprendizado peer-to-peer é o novo paradigma para formação de conhecimento. 

Seguindo a discussão e trazendo mais elementos para pensar essa nova realidade, o turco-holandês Farid Tabarki – fundador da Studio Zeitgeist, empresa que se propõe a pesquisar o Zeitgeist da Europa “focando em temas como descentralização radical, transparência radical, ensino e empreendedorismo social” – apresentou sua palestra O Fardo da Liberdade Extrema. 

Radicalizando para fazer seu ponto, Farid aponta que vivemos um momento de liberdade total. Não precisamos das universidades e escolas para aprender, basta entrar em alguns dos milhares de cursos disponíveis de graça na internet; não precisamos de energia para sobreviver, podemos comprar placas solares e nos desconectarmos do “grid” das empresas geradoras de energia; e não precisamos do sistema bancário para nos financiar; Kickstarter e afins estão aí para isso. 

Usando Lady Gaga como exemplo dessa liberdade extrema (a origem do seu sucesso passou longe das grandes gravadoras, da MTV e dos estúdios de Holywood), Farid conclui que somos todos empreendedores independentes de nós mesmos. E o compartilhamento é o que faz essa roda girar. 

o biólogo Cathal Garvey define a si mesmo como um Do-it-Yourself bio-engenheiro. Ele levou a discussão para o campo da medicina e da genética. E surgiram as mesmas questões numa outra categoria: patentes, códigos genéticos de alimentos, sementes e animais dominados por algumas corporações. As empresas de biotecnologia são fechadas, quase sociedades secretas, e dominam o que comemos, as doenças que temos, os remédios que tomamos e até nosso código genético. Cathal defende uma biotecnologia open source e é adepto do Science Commons, a versão para a ciência do Creative Commons. 

O clímax 

Tim O’Reilly foi o grande nome do lineup de palestrantes e encerrou o PicNic deste ano. Ele é considerado um guru do Vale do Silício, cunhou o termo web 2.0 e previu o crash do sistema financeiro em 2008. É uma plataforma em forma de homem para promover o desenvolvimento de start-ups e empreendedores que têm uma boa ideia na cabeça. 

Ele é fundador e CEO da O’Reilly Media, uma empresa que faz coisas interessantes para gente interessante, segundo suas próprias palavras. É o publisher da revista Make, a bíblia dos empreendedores e start-upers.

A mensagem de O’Reilly é bastante crua: tirar mais valor ou dividendos de empresa do que se cria de valor para essa mesma empresa é insustentável. A lógica do curto prazo que favorece resultados trimestrais e não leva em conta o resultado de longo prazo é a receita para o apocalipse. 

A palestra foi a mesma dada em diversos eventos do tipo PicNic. Tim também é um palestrante professional. O título da apresentação é “O paradoxo do varal de roupa e a economia do compartilhamento”. Dê um Google e assista a um dos diversos vídeos que aparecem, vale a pena. A frase-título chama a atenção e a metáfora é simples. Na verdade, é uma anedota, que serve de metáfora para seu pensamento. 

Quando colocamos uma roupa para secar numa máquina, recebemos uma conta da empresa de energia elétrica. Se usamos o varal para secar roupa, não recebemos conta nenhuma, e esse valor economizado pelo uso da energia solar não é levado em consideração.

O que é de graça, compartilhado, disponível, não tem valor econômico. Nosso sistema valoriza a escassez, o que pode ser explorado e comercializado. A geração de valor não está naquilo que circula livremente. 

Para ele, o grande o problema atual é que transformamos o dinheiro, algo criado para ser um meio, um agente facilitador, em fim, em objetivo final. 

O fim

O encerramento do evento, com uma discussão socrática, foi a cereja do bolo. Os três principais palestrantes foram chamados ao palco, sem nenhum script, para participar de uma discussão com as seguintes regras (clássicas, no sentido literal): cada participante deveria formular uma pergunta curta e clara. Aos demais, somente era permitido responder após levantar a mão e receber autorização do mediador, e antes de emitir qualquer opinião, era preciso repetir resumidamente o argumento da última pessoa que havia falado anteriormente. 

O papo começou pela pergunta: por que compartilhamos? Depois, passou pelos aspectos sociais e culturais do ato de compartilhar algo com alguém, o valor da informações geradas (ou acessadas) e pela reputação como moeda corrente nas redes sociais. 

Um repente filosófico intelectual. Uma maneira mais verdadeira de dividir conhecimento. 

Open Data, Open Government, Open Brands, Open Design, Open Source, Open everything! 

Por que tudo está ainda tão fechado? As porteiras se abriram e onde antes passava um boi agora tem que passar uma boiada inteira. 

Se você acha que isso é papo cabeça de gringo maluco que quer vender livro profético, cuidado. Você deve estar sofrendo de miopia grave. 

É a Era de Aquário chegando ao mundo dos negócios. A profissionalização do pensamento hippie. O bem individual só vale se estiver contribuindo – direta ou indiretamente – para o bem coletivo. 

As possibilidades são muitas, as perguntas são infindáveis e ninguém sabe a resposta. Ainda bem. Se alguém tivesse “a” resposta, haveria algo de errado. 

O futuro é assim, off-road. 

Participe. Colabore. Compartilhe. 

Juntos chegaremos lá.

 *José Porto é diretor nacional de planejamento da F/Nazca S&S e escreveu este texto em colaboração ao Meio & Mensagem

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