HQs e publicidade: um diálogo possível

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HQs e publicidade: um diálogo possível

O quadrinista Rafael Grampá, fundador do recém-lançado estúdio Handquarters, fala sobre o desafio de aproximar a linguagem dos quadrinhos dos formatos publicitários


25 de julho de 2018 - 9h00

Relegar as HQs às grandes produções de Hollywood ou ao mercado editorial independente é ignorar o potencial comercial deste formato em outras esferas, como na publicidade. É o que pensa o quadrinista e diretor Rafael Grampá, que já realizou projetos para a Marvel e DC Comics. Pensando em utilizar os quadrinhos como referência narrativa para projetos publicitários e audiovisuais em formatos como roteiros, live actions, campanhas, games e produtos físicos, ele lança oficialmente este mês o estúdio Handquarters. O estúdio reúne profissionais criativos e artistas nacionais e internacionais, operando de forma não oficial desde o final do ano passado.

 

Foto: Loiro Cunha/Divulgação

O quadrinista começou sua carreira como diretor de arte da RBS TV, no Rio Grande do sul, e ao longo de sua carreira passou a desenvolver animações publicitárias para o estúdio Vetor Zero. Já a história com os quadrinhos lhe rendeu projetos autorais e colaborações com as maiores editoras de quadrinhos.  Quando viu que marcas pouco exploravam esta linguagem visual e narrativa, Grampá resolveu unir o melhor dos dois mundos. Entre os projetos que assinou para anunciantes estão a graphic novel digital “Stealing Time”, para a grife Chanel, em parceria com a Condé Nast, e o curta-metragem “Absolut Dark Noir”, para a Vodca Absolut. Um dos projetos que já realizou com a Handquarters foi a série de HQs interativas “Mestre Churrasqueiro”,  para Tramontina. Na entrevista abaixo, Grampá nos conta um pouco sobre a incorporação de elementos dos quadrinhos à publicidade, os avanços da indústria de quadrinhos brasileira e o desafio que envolve o trabalho com marcas como Budweiser, Lollapalooza e Nike, atuais clientes do estúdio.

A Handquarters nasce com uma proposta bastante multidisciplinar. Como definiram a linha de trabalho do estúdio?

Criamos, desenvolvemos e produzimos histórias, universos e propriedade intelectual em parceria com marcas, agências e estúdios em infinitas possibilidades narrativas e formatos como filmes, produtos, publicações, novas experiências, franquias e o que mais puder ser imaginado. Depois de atuar como diretor de cena, diretor de animação, roteirista, designer e quadrinista, eu entendi que a grande diferença está em saber contar uma boa história. Dessa minha experiência multidisciplinar, surgiu o desejo de criar um estúdio que fosse um vasto menu de histórias e soluções narrativas. Juntei minha experiência dentro do universo do entretenimento à enorme rede de talentos a qual tenho acesso e trouxe isso tudo para a Handquarters. Acho que temos algo realmente único, especialmente em um momento em que a publicidade e o audiovisual tendem, cada vez mais, a se preocupar com a qualidade das histórias.

Já existe algum projeto em fase de produção ou pré-produção? Em quais formatos?

Existem vários projetos em andamento para publicidade e projetos de entretenimento. Um exemplo é uma negociação que estamos tendo com uma gigante do streaming nos Estados Unidos, uma série baseada nas obras de Paul Pope (Batman: Ano 100, Battling Boy, THB), um dos maiores gênios das histórias em quadrinhos modernas e um dos nossos parceiros. Também estamos desenvolvendo uma série e um filme em live-action com a RT Features, do produtor brasileiro Rodrigo Teixeira, indicado ao Oscar com o filme Call Me By Your Name.

Durante muito tempo, trabalhos relacionados a quadrinhos estiveram ligados especificamente ao público geek. Na sua opinião, o mercado brasileiro audiovisual e publicitário já aprendeu a trabalhar o formato além do nicho?

As histórias em quadrinhos já se consolidaram como o grande laboratório da narrativa moderna. Tornaram-se a principal matéria-prima de filmes, séries e franquias de sucesso, em todos os gêneros, e não só histórias de super-heróis ou infantis. Séries como Lucifer, The End of the F***ing World, Walking Dead e filmes como Kingsman, Men in Black, Sin City, V de Vingança, Old Boy, e Azul é a Cor Mais Quente, vieram dos quadrinhos. Estamos oferecendo essa apropriação. O que acontece com frequência são marcas produzindo campanhas que chamam genericamente de “conteúdo”, um termo que se tornou desgastado. O público cansou de simulacros de entretenimento feitos com pouca ou nenhuma intimidade com entretenimento de verdade. Somos diferentes porque viemos do entretenimento e conectamos grandes artistas e profissionais dessa indústria, os aproximando da publicidade e das marcas.

O público cansou de simulacros de entretenimento feitos com pouca ou nenhuma intimidade com entretenimento de verdade – Rafael Grampá

O que mais te chama a atenção no mercado de quadrinhos brasileiro?

O mercado de HQs autorais brasileiro despertou, depois de um longo sono, em 2008, mesmo ano em que o Fábio Moon, o Gabriel Bá e eu nos tornamos os primeiros brasileiros a ganhar o Eisner Awards, que é considerado o Oscar dos quadrinhos internacionais. E o mercado de entretenimento brasileiro reflete o que acontece nos mercados de fora, especialmente os Estados Unidos. Os americanos criaram o conceito de franquia. Hoje, existe um vasto menu de publicações autorais caminhando para se tornar algo único e com uma identidade, o que pode ser o início da Era das Franquias originadas em HQs nacionais, se houver desde já a preocupação com a qualidade das histórias.

Você vê algum desafio específico para profissionais que desejam trabalhar com histórias relacionadas a quadrinhos, no que tange à qualificação e financiamento, por exemplo?

Quadrinhos são umas das mídias mais difíceis de se produzir em termos de qualidade, porque qualidade exige dedicação, além de talento. Mas, ao final, o que fica marcado é se a história é boa e se foi bem contada. Se por um lado o artista sozinho tenta não depender de ninguém para criar e desenhar, por outro, publicar é algo extremamente difícil, especialmente no Brasil, onde quase não há investimento em editoras especializadas e a escolha dos títulos que vão ser publicados muitas vezes é aleatória. Temos grandes talentos no Brasil, mas quase todos se estabelecem como profissionais publicando fora do país, onde a indústria é muito forte e conectada com todo o resto da indústria do entretenimento. Quadrinhos aqui são como o futebol: criamos talentos que vão brilhar lá fora.

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