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Jornalistas e marcas: os riscos da aproximação

Demissão de Dony De Nuccio, âncora da TV Globo, reacende debate sobre os limites éticos da profissão


9 de agosto de 2019 - 6h00

Mercado passou a recrutar jornalistas para desempenhar diversas atividades para empresas (Crédito: natasaadzic/ Istock)

O termo “porta corta-fogo” sempre foi utilizado nas faculdades de jornalismo para representar o distanciamento que as redações devem ter de qualquer atividade comercial. Os apelidos de “igreja” e “estado” também acompanham os departamentos de jornalismo e vendas sob o mesmo viés. No entanto, com a demanda crescente das companhias por conteúdo dos mais diversos formatos, o mercado passou a recrutar jornalistas para desempenhar atividades como palestras, apresentações, dinâmicas, mediações de debate ou a produção de conteúdo para exibição interna e externa. O grande desafio dos profissionais, dos veículos e também das marcas está em encontrar, delimitar e respeitar os limites éticos, de transparência e de compliance em cada atividade que envolva essa tríade.

Na última quinta-feira (1), tornou-se público o caso de Dony De Nuccio, apresentador do Jornal Hoje, que pediu demissão da Rede Globo após a revelação de que o jornalista teria violado as regras de conduta da emissora. Dony mantinha um contrato com o Bradesco, por meio da empresa Prime Talks, da qual é sócio. Entre os serviços prestados, ele admitiu que, sem dolo, negociou valores com contratantes e realizou um trabalho pontual que pode ser interpretado como uma espécie de assessoria de imprensa. “Não tinha conhecimento de que os tipos de serviços prestados pela empresa à qual estava ligado contrariavam normas da Globo”, afirmou o jornalista, em e-mail encaminhado para Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da rede de televisão.

Por meio de nota, depois do caso, a emissora admitiu que a direção foi procurada por alguns de seus jornalistas, que relataram ter sido contratados por terceiros para participação em eventos institucionais gravados em vídeo, mas sempre com proibição expressa de que as imagens fossem veiculadas ao público externo ou a clientes. Diante das dúvidas de parte de seus profissionais sobre como agir diante de convites do gênero, a Globo informou que em breve deve divulgar um novo comunicado detalhando melhor os trabalhos que podem ou não serem realizados “levando em conta a era digital em que vivemos”.

O fato é que o assunto reabre a discussão sobre os limites da relação entre marcas e jornalistas. Para Antonio Carlos Hencsey, diretor das áreas de cultura ética e educação corporativa na ICTS Protiviti, consultoria especializada em ética e compliance, existem quatro grandes fontes que todo profissional deve observar antes de tomar qualquer decisão ou ação: a lei, que rege a sociedade de forma ampla; o código de conduta profissional; o código de ética da empresa e a própria consciência. Em sua visão, qualquer atividade que vai contra qualquer um desses pontos não deve ser realizada.

Na prática, o profissional enxerga um contexto complexo para jornalistas que querem exercem qualquer tipo de relação com as marcas. “Em tese, representamos, defendemos ou propagamos mensagens sobre as quais acreditamos e o trabalho de jornalista exige o ceticismo e isenção total para apuração dos fatos. Se me afeiçoo ou cuido de uma marca certamente ficará mais difícil acreditar que ela está errada. E não é só por uma questão financeira ou favorecimento. O amor pode cegar, a identificação pode cegar, a proteção pode cegar”, analisa. Para ele, ainda há outra questão: muitas organizações têm códigos de conduta pouco adequados, não escritos para a realidade do negócio ou desalinhados com a cultura da empresa. Ele acredita que, assim como em qualquer área, o jornalismo precisa repensar a forma como lida e constrói suas regras, monitora suas fragilidades e capacita seus profissionais, principalmente nesse momento de grandes transformações no setor

Ainda sobre a questão ética indissociável ao trabalho dos profissionais de comunicação, Antonio também alerta sobre um outro lado da moeda que pode acontecer em alguns casos: a do possível reforço do jornalista em projetar e defender a própria imagem como marca. “Não estamos falando somente do nome e reputação, elementos fundamentais para que busquemos agir de forma correta. Falamos aqui da marca e com isso a tentativa de provar-se sempre certo e contradizer tudo o que prova que ele está errado. Deixa de ser notícia e passa a ser autopromoção”, avalia. Em sua visão, na era dos influenciadores, é cada vez mais comum ver pessoas que desejam estar acima de suas empresas, desconsiderando valores e diretrizes corporativas. Para ele, o monitoramento constante das redes sociais, além de diretrizes claras e melhores capacitações corporativas podem diminuir os riscos existentes. CEO da consultoria de marketing e branding DOM Strategy Partners, Daniel Domeneghetti também reconhece a dualidade atual da figura do jornalista: dividido entre o profissional pautado na raiz da ideologia da imparcialidade e o buzz da posição de um entertainment da bancada. “Ou é um ou é outro. Exercer esses dois papeis ao mesmo tempo, com certeza, resultará em conflitos éticos”, opina.

Na concepção de Luiz Peres Neto, professor de comunicação, consumo e ética da Espm, em todo o mundo há um zelo muito grande para manter relações equidistantes entre jornalismo e a atividade empresarial. Para ele, sem idealismos e sim com uma boa dose de pragmatismo, a atividade pautada por interesses comerciais não tem como basear-se na independência e no rigor que o interesse público requer. Luiz também observa que, quando se coloca a reputação jornalística a serviço de uma marca, corre-se o risco de perder o que foi acumulado em função da ação de um terceiro, cujas finalidades não têm o menor compromisso com o jornalismo. “Isso quer dizer um veto a priori a toda e quaisquer publicidade feita por jornalistas? Evidentemente, não. Toda regra tem exceções. Mas, é preciso ter muita cautela. Desconheço casos de ganhadores de grandes prêmios jornalísticos mundiais que tenham feito ações de merchandising”, pontua.

De olho na demanda das marcas por suas habilidades de comunicadores e dispostos a se livrar de restrições com relação a práticas publicitárias, muitos profissionais também têm trocado o departamento de jornalismo pela área de entretenimento. Entre os casos mais recentes estão Fátima Bernardes, Pedro Bial, Patrícia Poeta, Ana Paula Padrão e Evaristo Costa. Cada um com o seu estilo, uns trazendo seriedade, outros descontração, esses novos personagens se colocam como opções antes não muito usuais para comunicar os mais diversos serviços e produtos. “São figuras que construíram suas carreiras baseadas na credibilidade, diante da figura do âncora, que tem muito prestígio no Brasil. São jornalistas e comunicadores que acabam se esbarrando num tom informal ali, numa emoção aqui e, desse jeito, ganham a atenção do público e, consequentemente, a atenção das marcas”, explica Daniel. Na concepção do professor Luiz, se por um lado o entretenimento tem entrado cada vez mais no jornalismo, os jornalistas também têm deixado de lado o perfil sisudo para adotar um tom mais informal, construindo imagens mais empáticas. “Isso, por outro lado, se vê também nessa migração. O ex-jornalista leva consigo a sua reputação e, uma vez liberto das amarras da informação e do rigor jornalístico, consegue adicionar um tom mais informativo ao espectro tradicionalmente publicitário”, finaliza.

Imagem de topo: Aryan Singh/ Unsplash

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