A (evitável) tragédia dos comuns

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Opinião

A (evitável) tragédia dos comuns

Confiando uns nos outros, somos capazes de superar o medo da escassez, cooperar e construir relações em que todos ganham ao mesmo tempo que protegem, juntos, fontes e recursos necessários ao bem comum


28 de janeiro de 2020 - 6h03

(Crédito: SpicyTruffel/iStock)

Elinor Ostrom, primeira mulher a vencer o Nobel de Economia, especializou-se em buscar exemplos e estudar comunidades que, ao invés de competir entre si pelos mesmos recursos naturais até a extinção, aprenderam a cooperar.

Elinor nasceu em 1933, durante a depressão americana, numa época na qual a presença de mulheres em universidades e em posições de liderança eram muito mais raras do que atualmente. Um tempo em que mulheres tinham que se provar muito mais que homens para que tivessem acesso às mesmas oportunidades — o que até hoje ainda é uma realidade. Por essa razão, apesar de ter nota máxima em geometria, Ostrom foi impedida de estudar trigonometria por ter tirado B em álgebra — à época, só era permitida a matrícula em trigonometria de mulheres que alcançavam a nota máxima tanto em geometria quanto em álgebra, uma regra não aplicável aos homens. Como não pôde estudar trigonometria, Elinor foi impedida de estudar cálculo na faculdade de economia — uma disciplina que só veio a aprender depois de formada. Para se formar em economia sem estudar cálculo, teve que se esforçar muito mais do que seus colegas homens, uma história que ela insistia em contar várias vezes para que, como dizia, as meninas não perdessem a coragem e desistissem.

No trabalho pelo qual foi reconhecida com o Nobel em 2009, Elinor contestou a ideia proposta por Garrett Hardin, ecologista pioneiro no estudo dos impactos decorrentes da ação humana sobre o planeta, no ensaio A Tragédia dos Comuns, publicado na revista Science em 1968 que, em linhas bem gerais, apontava para a existência natural de um comportamento centrado no interesse individual (não no interesse coletivo) toda vez que as relações do ser humano com os recursos (de qualquer natureza) envolvessem o medo da escassez — o que acontece praticamente o tempo todo.

Várias analogias são usadas para explicar o que é proposto por Garret Hardin. A que acho mais simples foi usada pela própria Elinor em uma entrevista ao Sem Fronteiras, na Globonews, em 2013: “Imagine que somos um grupo de pescadores, vivendo nas margens de um lago, como na Amazônia, onde há comunidades às margens de lagos. Se eu fosse pescar, os peixes que eu tirasse do lago não estariam mais disponíveis para você. Se você os pescasse, eles não estariam mais disponíveis para mim. Quando a preocupação é se vai existir peixes suficientes para nós dois, o incentivo passa a ser: ‘Vou sair mais cedo que você, com um barco maior e pescar todos os peixes que eu puder’”. Com cada um pescando o máximo de peixes que puder, o esgotamento é inevitável e todos, em algum momento, perdem. Garret Hardin não acreditava que esse processo poderia ser resolvido, exatamente o ponto de discordância de Elinor Ostrom.

Estudando pequenas comunidades durante anos, Elinor descobriu exemplos suficientes para afirmar que o esgotamento pode ser evitado pelo diálogo que se estabelece em relações baseadas em comunicação e confiança. Confiando uns nos outros, somos capazes de superar o medo da escassez, cooperar e construir relações em que todos ganham ao mesmo tempo que protegem, juntos, fontes e recursos necessários ao bem comum.

A teoria de Hardin afirma que estamos fadados a não resolver o medo da escassez, a individualidade, a ambição e a competição pelos recursos mesmo quando isso leva à extinção daquilo que nos sustenta e pode terminar levando à nossa extinção como espécie. Nos tempos atuais, é o que vemos acontecer todos os dias na exploração do minério, da borracha, da madeira, do cacau, da água, das florestas.

O olhar de Elinor parte da mesma perspectiva, mas percorre um caminho diferente. Ao buscar e observar comunidades que escolhem a cooperação no lugar da competição, revela que existem caminhos que não conduzem ao esgotamento, mas que não existe um padrão único capaz de responder à complexidade que eles representam. Nas palavras da economista: “As pessoas precisam desenvolver formas de lidar com a variedade de problemas que enfrentam”. A partir de seus estudos, enfatiza que, “por vezes, nossa visão do mercado é simplificada demais”.

Elinor morreu em junho de 2012, antes das pesquisas de opinião apontarem para uma crise sem precedentes no sistema de confiança global. Hoje, quase sete anos depois da primeira mulher a ganhar o Nobel de Economia nos deixar, suas descobertas parecem tão atuais quanto urgentes.

Comunicação e confiança são a base dos processos colaborativos e da busca pelo bem comum, a busca pela construção de realidades onde ninguém precisa perder para que alguém ganhe. Simples assim. Utopia? Para quem ainda não percebeu que se acostumou a agir sem pensar no impacto, exteriorizando danos, sem considerar o outro e explicando o resultado social e ambiental negativo pela geração de riqueza, talvez, mas não para todo mundo.

Este ano, o Fórum Econômico Mundial em Davos — que encontra academia, política e mercado — pela primeira vez, em 50 anos, traz como temática central a questão climática, sua relação com a economia e os negócios e a necessidade urgente de criação de sistemas e modelos de negócios, o que está totalmente relacionado à nossa capacidade de explorar os recursos do planeta de forma sustentável. No centro do Fórum de Davos, mesmo que nem todos ainda entendam o que isso significa, comunicação e confiança. Elinor adoraria estar lá, eu também. Mas, como um grande mestre me disse uma vez: “Todo o aprendizado está disponível e as ferramentas para colocá- lo em prática nunca foram tão poderosas”, só o que precisamos fazer é, de fato, querer mudar o padrão e começar, o mais rápido possível, a agir.

**Crédito da imagem no topo: Pixbay/Pexels

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