Por uma internet menos tiibetana

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Ponto de vista

Por uma internet menos tiibetana


18 de abril de 2011 - 3h00

Lhasa, Tibet, 1998. Preparo-me para uma travessia de oito dias pelo Himalaia rumo ao Nepal. Em um mercado local procuro provisões para a jornada. Nas prateleiras, chá de manteiga de Yak, biscoitos de algo que me parece trigo, água e só. Pergunto ao atendente o que existe além daquilo. A resposta vem seca: o que está nas prateleiras, ou seja, mais do mesmo. Passo os oito dias a base de sopinhas que havia comprado em Pequim, dias antes.

São Paulo, 2011. Preparo-me para analisar mais um relatório sobre como os meios digitais estão explorando os formatos diferenciados que oferecem aos seus anunciantes. A imagem do funcionário do mercado é recorrente. Mais do que seu rosto, suas vestimentas ou costumes o que ressoa é a frase: o que está nas prateleiras.

Super, full, square, arroba, Sky, selo ou quaisquer outros nomes que nosso criativo mercado encontre são e serão sempre isso: mídia de prateleira. Plug and play and go. O ponto é que não buscamos mais o go e sim o goal. Todo tempo, o tempo todo.

Argumentos contrários? Sim, há o DHTML, as chamadas “intervenções”, o branded channel, entre outros. Nossos papas pregam a experiência acima da exposição. Concordo, mas há quanto tempo falam isso?

Faça o teste. Visite uma agência em um dia comum. Se trabalhar em uma, vá ao cliente, como deve fazer o tempo todo. O que ouve?
– Preciso de uma solução em redes sociais.
– Vamos fazer um viral.

Repito a pergunta acrescentando uma letra: o que houve? Solução em Redes Sociais? Viral? Mais do mesmo, sempre. Desta vez, jogaram uma plantinha qualquer no chá de Yak, mas continua chá.

Enquanto mensurarmos nosso meio (e nos orgulhamos a cada dia de sermos a mídia mais mensurável que existe) em CPM, CPC, CTR, CPA e todos os outros cês que surjam, não venham me falar em formatos inovadores.

Como mensurar o valor de um tweet que atinge nossos pais, que pouco ou nada sabem ou querem saber sobre computadores e quanto mais internet, tirando o fato de encherem o peito para dizer “meu filho trabalha com isso?”. Quanto custa uma mensagem em sua caixa de entrada dizendo “Seu filho quer ser seu amigo no Facebook?”, como ocorreu comigo dias atrás?

Vale mais que a experiência, vale a lembrança. Não a da marca, mas a de nossas vidas reais dentro deste insano e apaixonante universo virtual. O tweet traz à memória que, para meu velho, 140 caracteres falados eram suficientes para demonstrar afeto do jeito duro dos anos 70. “Bom dia”, “Como está indo na escola?”, “Boa noite”. O primeiro tuiteiro que conheci, mesmo que nem eu nem ele soubéssemos disso.

Ser convidado por seu moleque de dez anos para entrar no círculo de amizades dele faz com que a frase “vamos brincar” que deixei de ouvir quando ele passou a auto intitular-se pré-adolescente volte com força total ao meu dia a dia.

Permito-me a repetição, mas isso está além de experiência. E não há a mínima possibilidade de alguém aferir o ROI disso porque o investimento é em uma moeda que ainda não imprimem: o afeto.

Portanto, por mais que eu soe aqui como um romântico apaixonado, é importante sim entregar, aferir, mensurar, medir, esquadrinhar, taguear, pesquisar, estratificar, tabular, moer quantos dados forem necessários para a satisfação dos clientes. Mas provocá-los para que entendam que o conceito de satisfação é resultado da equação experiência + sopa de letras cês que oferecemos a cada dia = lembrança e afeto, é um de nossos tantos desafios.

O Himalaia foi marcante, mas a recordação do vendedor é recorrente pela experiência frustrante que tive com ele. Esperava mais de sua prateleira. O que, especificamente? Algo que matasse minha fome, que pudesse dividir com os amigos de travessia, compensasse o esforço do percurso e com boa relação custo benefício (CPM, share, CTR, ROI), mas que, acima disso, fizesse com que 13 anos depois eu estivesse escrevendo um texto sobre as montanhas (produto) e não sobre o mercado ao pé delas (veículos, agências). Isso ele não conseguiu me entregar. E nós, conseguimos?

Leio e divulgo que a internet cresceu. Resta saber o quanto dela ainda cresce dentro do afeto de nossos clientes como o Himalaia ainda vive dentro de mim, apesar das parcas prateleiras de seu (nosso?) mercado.

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