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As marcas, o verde e o amarelo

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Ponto de vista

As marcas, o verde e o amarelo

Apesar do reconhecido sucesso em premiações internacionais, e do fato de a economia brasileira estar maiores economias do mundo, o Brasil parece incapaz de criar marcas globais


10 de outubro de 2014 - 5h36

Não da para dizer que é falta de criatividade. Desde que o primeiro Leão de Ouro da publicidade brasileira veio em 1974, com o filme Homem com Mais de 40 Anos, criado por Washington Olivetto e Francesc Petit, pela agência DPZ, para o Conselho Nacional de Propaganda, o Brasil vem colecionando Leões com a competência de caçadores experimentados, sempre contando com elenco digno de uma seleção de craques que não cansa de ganhar.

Agências como DM9DDB e F/Nazca Saatchi & Saatchi já foram eleitas melhores agências do mundo no Festival de Publicidade de Cannes. A cada ano, o Brasil está consistentemente entre os países que mais inscrevem peças no festival. Ganhar prêmios e ser reconhecido internacionalmente pela seu potencial criativo, portanto, não parece ser um problema. Sobra criatividade, capacidade e talento.

Somos, até prova em contrario, um País onde a criatividade corre solta na mente de um povo realizador. Em uma cultura fascinada por rankings, o Brasil está, provavelmente no topo da lista dos mais criativos, talvez validando sua autoimagem positiva neste aspecto.

O problema é que listas são instrumentos que dependem do critério. Se o critério for criatividade na propaganda, estamos bem. Muito bem. Sabemos criar, construir a manter marcas. E, neste sentido, seria, pelo menos em tese, natural que, depois de tantos sucessos criativos, marcas brasileiras teriam, ao menos em tese, posição de destaque no ranking das marcas mais valiosas do mundo.

Não parece ser verdade. A Branddirectory não lista marcas brasileiras entre as 50 mais valiosas. De acordo com a Interbrand, a bandeira verde e amarela não aparece no ranking das 100 marcas mais valiosas do mundo. Nem de acordo com a BrandZ.

As fontes são varias. As metodologias diversas. Mas os resultados são os mesmos. Sempre consistentes e implacáveis. Apesar do reconhecido sucesso em premiações internacionais e do fato de a economia brasileira estar entre as maiores economias do mundo, o Brasil parece incapaz de criar marcas globais.

Uma possível maneira de explicar é culpar o ambiente. E, de fato, o ambiente tem muito a ver com esta situação. A The Economist coloca o Brasil na 43ª posição (outro ranking!) quando o critério é ambiente de negócios. Fica atrás, entre outros, do Chile, Malásia, Qatar, Estônia, México, Bahrain, Chipre, Latvia e Lituânia.

Esta seria até uma boa explicação. Tem o mérito de, ao mesmo tempo, ser simples de transferir responsabilidades a terceiros, como se os habitantes do País tivessem nada a ver com o problema.

Abraçar esta explicação, entretanto, tem alguns inconvenientes e pelo menos uma inconsistência. A inconsistência é clara. Já que somos seguramente capazes de criar, deveríamos ser capazes de executar e manter marcas.

Entre os inconvenientes mais relevantes está o fato de que aceitar esta explicação como reflexo integral da realidade não resolve nada. Apenas perpetua o problema. Afinal, a função de administração de marcas é gerar valor em qualquer ambiente. Integrar-se a cadeia de produção e distribuição global em qualquer indústria, inclusive a criativa é parte do desafio, e não justificativa de problema.

A Índia e China, Coreia, Espanha, por exemplo, estão representados no ranking das marcas avaliadas entre as 100 mais valiosas do mundo. Souberam vencer os desafios e aproveitar as oportunidades. 

Visão estratégica, ambiciosa e multidisciplinar do processo de criação, desenvolvimento e manutenção de marcas em escala global parece ser matéria prima escassa nas empresas brasileiras. Comportamento estranho em um mundo em que a marca é cada vez mais o ativo mais importante e valorizado nas empresas mais bem sucedidas do mundo.

Portanto, parte do problema parece estar na maneira como as marcas são vistas, tratadas e administradas no país. Empresas e gestores de marca domésticos parecem confinar suas ambições ao mercado brasileiro, reproduzindo, portanto, uma filosofia de reserva de mercado que não mais se aplica em um mundo globalizado. Construir e proteger globalmente marcas, nesta filosofia, deixa de ser prioridade. Vem muito depois de proteger o mercado domestico sem, entretanto, desenvolvê-lo. Em um mundo em que as fronteiras geográficas têm cada vez menos relevância, a eficiência desta estratégia é cada vez menor.

Além disso, empresas brasileiras parecem não enxergar a criação, proteção e desenvolvimento de marca como prioridade estratégica na geração de valor da empresa. Em outras palavras, as marcas não são vistas como ativos, mas sim como requerimento burocrático à comercialização de produto ou serviço.

A combinação de um discurso conveniente que culpa o ambiente de negócios e justifica a inação, com ausência de ambições globais, complementado por visão burocrática e simplista da importância da criação, proteção e desenvolvimento de marcas globais explica, em grande parte, a ausência de marcas brasileiras no topo do pódio.

Mais que isto, cria profecia autorrealizável, de onde nada, é sempre tudo o que dá para sair. 

wraps

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