Ponto de vista

Inovação platônica

i 17 de outubro de 2011 - 9h30

A comoção pela morte de Steve Jobs foi grande. Durante quase dois dias ocupou grande parte dos murais do Facebook e a prefeitura de Jundiaí ameaçou elaborar um projeto de lei para renomear um trecho de estrada em homenagem ao fundador da Apple. Não é pouco para essa sociedade liquida de emoções efêmeras.

Duas semanas depois, corro o risco de não despertar qualquer interesse retomando o assunto. Ficou velho e a vida interessante é aquela feita de fatos novos.
Inovar virou uma obsessão, até para as empresas (que, afinal, nunca são maiores do que as pessoas que nela trabalham).

A inovação está para as empresas assim como o entretenimento está para os indivíduos. É um processo diversionista. Pessoas que buscam obsessivamente o entretenimento costumam estar fugindo de si mesmas. Empresas obsessivamente inovadoras fogem de seus problemas internos. As neuroses se retro-alimentam e caminhamos alegremente para o apocalipse, de mãos dadas, empresas e consumidores.

Não tenho nada contra a inovação, muito pelo contrário. Mas acredito que não é a única e nem a melhor alternativa para a maioria das empresas, assim como penso que passar a vida "na balada" não seja a melhor alternativa para o indivíduo. Diversão e inovação são necessárias e interessantes. Na medida certa, enriquecem. Nos extremos, empobrecem, tanto as empresas quanto as pessoas. E esse não é um pensamento inovador.

Platão (filósofo grego) teria dito que "a necessidade é a mãe da inovação".
Faz sentido. Uma necessidade não atendida motiva a criação de uma solução para atendê-la. A questão é que estamos invertendo a ordem natural das coisas e transformando a inovação numa necessidade. Como consumidores, estamos pagando para alimentar nossas neuroses. Como empresas, estamos criando um efeito semelhante àquele que solapou o sistema financeiro.

E é por isso que boa parte das empresas inovadoras tem uma carreira meteórica. Não deixa de ser uma estratégia: criar, inflar e vender. Mas as empresas que pretendem permanecer não podem se deixar hipnotizar pelos fogos de artifício. Existe sempre uma empresa altamente inovadora liderando um mercado. Uma diferente a cada dois anos.

Preste atenção nas "inovadoras" que permanecem. Microsoft, Apple, Google. Boa parte de suas "inovações" cotidianas são apenas cosméticas, para atender (e alimentar) a demanda neurótica dos consumidores. Mas não se entregam, elas mesmas, a essa neurose. Apresentam inovações disruptivas em intervalos consideráveis de tempo e sustentam seus negócios com produtos "tradicionais".

Pessoas felizes também costumam ter o mesmo perfil. Constroem uma base consistente para suas vidas e variam as formas de entretenimento.
Steve Jobs era, provavelmente, um sujeito inovador. Mas seu grande talento era o marketing da inovação. Identificou o potencial da interface gráfica criada pela equipe da Xerox e lançou o Macintosh. Transformou os tocadores de mp3 em iPods. Aproveitou a demanda por download de conteúdos e criou a Apple Store. Enxergou além do Kindle e, numa elegante tradução da convergência, lançou o iPad. Enquanto mentes mais tacanhas se ajoelhavam diante dos “custos”, ele homenageava o “belo”.

Como bem disse Shakespeare em “The rape of Lucrece” : “Beauty itself doth of itself persuade the eyes of men without an orator” (a beleza persuade os olhos do homem sem necessidade de um orador). Certa vez, acusado por um jornalista de, como publicitário, “inventar” necessidades, respondi: – O ser humano já tem necessidades suficientes para que eu não precise ter o trabalho de inventar uma nova. Basta reconhecê-las. Segue valendo.

Flavio Ferrari é presidente da Unit34