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Apesar de recuo global, 53% das empresas mantêm diversidade no Brasil

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Apesar de recuo global, 53% das empresas mantêm diversidade no Brasil

Nova edição da pesquisa Panorama da Diversidade nas Organizações mapeou estrutura, governança, perspectivas futuras e ações de DEI nas companhias


3 de julho de 2025 - 11h33

(Crédito: Shutterstock)

Mesmo diante de retrocessos nessas iniciativas em grandes mercados globais, como os Estados Unidos, a maioria das empresas brasileiras manteve suas políticas na área. É o que revela a nova edição da pesquisa Panorama da diversidade nas organizações, realizada pela to.gather, startup especializada em dados sobre diversidade.

Segundo o estudo, mais da metade (52,8%) das companhias que atuam no País afirmaram que não houve qualquer impacto em suas ações de DEI. Apenas 10,2% relataram redução de recursos ou ações, enquanto 15,7% mencionaram que o tema gerou apenas especulações, sem mudanças práticas. Já 6,6% das empresas apontaram que o contexto internacional reforçou seu compromisso com diversidade, equidade e inclusão (DEI), ampliando iniciativas ou investimentos.

“A repercussão global foi ampla, especialmente após grandes corporações multinacionais cederem a essas pressões e recuarem em suas estratégias de DEI. A narrativa do ‘fim da diversidade’ ganhou espaço na mídia, mas os dados mostram que esse cenário não se reproduziu no Brasil”, diz Erika Vaz, fundadora e diretora da to.gather.

De acordo com o levantamento, isso acontece por algumas razões: a realidade brasileira é substancialmente diferente, tanto do ponto de vista demográfico quanto legal. “Mulheres e pessoas negras são maioria da população, e a legislação brasileira ampara e estimula políticas de inclusão, como a Lei de Cotas para pessoas com deficiência e as políticas públicas voltadas à equidade racial e de gênero. Esses fatores estruturais ajudam a explicar por que a tentativa de retrocesso vivida nos EUA teve pouco reflexo prático nas empresas brasileiras”, avalia Vaz.

Mudanças no trabalho de DEI

No aprofundamento da análise sobre as mudanças efetivamente implementadas entre cerca de 17% das empresas que afirmaram ter sofrido algum impacto positivo ou negativo da movimentação norte-americana contra políticas de diversidade, as mudanças ocorreram majoritariamente de forma pontual, limitadas a frentes específicas do trabalho de DEI, sem afetar de maneira ampla a estratégia como um todo.

“A narrativa do ‘fim da diversidade’ ganhou espaço na mídia, mas os dados mostram que esse cenário não se reproduziu no Brasil”, avalia Erika Vaz, fundadora e diretora da to.gather (Crédito: Divulgação)

Mesmo entre as empresas que relataram reduções, o impacto foi restrito. A principal frente afetada foi o budget dedicado à diversidade, citado por apenas 26,9% dessas organizações. Em seguida, apareceram a redução na comunicação sobre DEI (25,0%) e a revisão ou suspensão de metas de diversidade (23,1%), números que reforçam a ideia de ajustes localizados, e não de um desmonte estrutural.

Entre as companhias que relataram impactos positivos, 21,2% destacaram o aumento dos programas educativos como principal benefício.

Estratégia e estrutura das empresas

Segundo a pesquisa, 70,2% das companhias no Brasil dizem ter uma estratégia formal de diversidade e inclusão. E o cenário segue em expansão: 13,4% iniciaram a construção de suas estratégias ao longo de 2024. Além disso, 80,8% das organizações afirmam contar com investimento dedicado às ações de DEI.

O estudo mostra ainda que, em 44,6% das companhias, o trabalho de diversidade, equidade e inclusão é conduzido pela área de RH. Por outro lado, 32,1% contam com uma área ou pessoa exclusiva dedicada ao tema, o que indica que uma parte representativa das organizações já alcançou um estágio mais avançado nesse aspecto.

Quanto ao perfil das organizações com uma estrutura dedicada à DEI, 79,6% são grandes empresas, com mais de mil colaboradores. “Isto pode indicar que a criação de áreas exclusivas para diversidade tende a estar associada à maior escala organizacional, onde há maior disponibilidade de recursos ou maturidade no tema”, avalia a fundadora da to.gather.

Investimento em DEI

O levantamento revela que 63,9% das companhias afirmam ter uma linha de investimentos específicos para ações de diversidade. Desse total, 25,6% investem, em média, até R$ 50 mil, enquanto 7,2% realizam aportes acima de R$ 1 milhão.

Entre as organizações que contam com uma área dedicada à agenda, 44,6% têm orçamento específico para DEI. Já nas empresas em que o tema está vinculado ao RH, apenas 35,9% declaram ter investimento dedicado.

Apesar dos avanços registrados, a maioria das companhias ainda mantém uma postura conservadora quanto ao futuro: 47,5% planejam manter inalterados os investimentos em diversidade para 2026. No entanto, 26,6% demonstram intenção de ampliar seus aportes em diversidade a partir do próximo ano, sinalizando uma possível retomada de crescimento da pauta nos ciclos orçamentários futuros. Apenas 7,9% estimam uma redução nos investimentos.

Metas

Segundo a pesquisa, o tripé formado por estratégia, dados e investimento está diretamente ligado à maturidade das ações de diversidade, equidade e inclusão. Entre as empresas que já contam com uma estratégia estruturada, 96,3% afirmam usar métricas de diversidade internamente.

Esse dado reforça o papel da mensuração como pilar para orientar e sustentar a agenda de DEI, explica Erika Vaz. Segundo ela, a coleta e análise de dados ajudam a estabelecer prioridades, definir metas precisas, justificar investimentos e promover accountability.

“Estratégia e mensuração andam lado a lado, e quando acompanhadas de investimento, formam o tripé que sustenta ações mais maduras e efetivas. A presença de dados consistentes permite que a diversidade deixe de ser tratada como valor abstrato e passe a ser gerida como uma agenda de negócio, com indicadores claros de progresso, impacto e resultados”, destaca.

O levantamento mostra ainda que 69,2% das empresas aplicam metas de diversidade internamente. Dessas, 41,3% definem metas para a área de RH ou de diversidade, 32,8% para a alta liderança e 26,2% para a média liderança. Já 30,2% afirmam não ter metas definidas e 0,7% não responderam.

O censo de diversidade aparece como principal estratégia de mensuração da maioria das companhias (51,5%). Do total, 35,1% realizam o censo anualmente, enquanto 16,4% fazem a cada dois anos.

Mensuração e liderança

A pesquisa revela que 56,1% das empresas esperam um aumento da demanda por demonstração de resultados em diversidade e inclusão a partir de 2026, especialmente por parte da alta liderança e de stakeholders estratégicos.

Para 40,3% das companhias, a liderança executiva já entende o impacto e a importância da agenda de diversidade e inclusão, sinal de um possível avanço no entendimento do tema por parte do alto escalão.

No entanto, em 17,7% das organizações, embora os líderes reconheçam a relevância da pauta, ainda exigem comprovação concreta de resultados. Segundo a to.gather, isto demonstra um olhar mais orientado por dados, retorno e accountability.

Apenas 5,9% das empresas percebem impacto nas ações de DEI, mas não atribuem grande importância à agenda, o que pode indicar desalinhamento estratégico ou baixa priorização. Uma minoria de 3% afirma não enxergar importância nem impacto, evidenciando que o negacionismo no tema ainda persiste em algum grau.

Desafios para o avanço da agenda

Quase metade das empresas brasileiras (48,5%) aponta o engajamento da alta liderança como o principal desafio para avançar na agenda de DEI. Logo em seguida, aparecem a sensibilização da média liderança (47,5%), a mudança cultural (41,3%), a demonstração de valor agregado das ações no tema (38,7%) e a contratação de profissionais de grupos minorizados (38%).

Apesar das barreiras, as perspectivas são positivas: 42,6% acreditam que o engajamento da liderança executiva deve aumentar até 2026, enquanto 35,7% estimam que não haverá mudanças, o que sugere o amadurecimento gradual da pauta.

Em 2024, 93,1% das empresas afirmam ter concentraram esforços em ações de aculturamento, com iniciativas como letramento e conscientização, comunicação interna, treinamentos, palestras e a criação de grupos de afinidade. Essas estratégias são consideradas essenciais para a construção de uma cultura organizacional mais inclusiva e preparada para o futuro.

Ainda segundo a pesquisa, 72,1% das organizações realizaram ao menos uma ação afirmativa em 2024, como oferta de vagas, estágios ou programas de trainees voltados para públicos diversos. No entanto, esse número é impulsionado, principalmente, pelas vagas afirmativas destinadas a pessoas com deficiência, em cumprimento à Lei de Cotas.

“Quando excluímos esse fator e analisamos as ações afirmativas que vão além da exigência legal, o número cai para 57,7%, indicando que pouco mais da metade das empresas realmente adotaram práticas afirmativas voluntárias para outros grupos diversos”, afirma Vaz.

Já as ações de desenvolvimento afirmativo, como programas de capacitação técnica e mentoria voltados a grupos sub-representados, foram implementadas por apenas 35,1% das companhias, revelando que a promoção da equidade no desenvolvimento e crescimento profissional ainda é um desafio ou não ocupa lugar prioritário nas estratégias empresariais.

Além disso, 56,1% das empresas afirmaram esperar um aumento da demanda por demonstração de resultados em DEI a partir de 2026, especialmente por parte da alta liderança e stakeholders estratégicos.

Impacto do retrocesso no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil avançou na promoção da diversidade, com maior representatividade de mulheres, pessoas negras, LGBTQI+, pessoas com deficiência e com mais de 50 anos. No meio corporativo, esse movimento impulsionou a criação de políticas de diversidade, equidade e inclusão. No entanto, o cenário atual indica sinais de retrocesso.

A polarização política global e a ascensão de discursos conservadores têm ameaçado esses avanços. Nos Estados Unidos, a gestão de Donald Trump desmobilizou políticas de DEI no setor público e privado, por meio de decretos que impactaram diretamente empresas norte-americanas. Muitas passaram a abandonar suas estratégias de inclusão alegando “realinhamento estratégico”, “mudança nas necessidades do negócio” ou foco exclusivo em “ganhos financeiros”.

Esse movimento repercutiu no Brasil e gerou incertezas. “Estamos vivendo um tempo difícil em que empresas estão sendo proibidas de manter programas de diversidade, equidade e inclusão por ordem da matriz ou da regional com sede nos Estados Unidos”, afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário-executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.

“O governo Trump criminalizou a diversidade, e até mesmo companhias com matriz em outros países estão recuando com receio de perder contratos com organizações do estado americano.”

O estudo foi realizado entre março e maio de 2025 com 305 empresas de diferentes portes e segmentos, que, juntas, empregam mais de 2 milhões de pessoas. As respondentes estão distribuídas por todas as regiões do Brasil, com destaque para São Paulo, que concentra 68,9% dos participantes.

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