Como Melanie Chapaval criou uma produtora global com DNA brasileiro
Com um pé nos EUA e outro no Brasil, executiva reflete sobre jornada à frente da Ginga Pictures, que se tornou uma ponte para projetos audiovisuais internacionais
Como Melanie Chapaval criou uma produtora global com DNA brasileiro
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Lidia Capitani
30 de junho de 2025 - 11h22
Mel Chapaval, CEO da Ginga Pictures (Crédito: Divulgação)
Melanie Chapaval Lebensztajn é cofundadora, sócia e CEO da produtora Ginga Pictures, responsável pelo documentário “Larissa: O Outro Lado de Anitta”, sobre a artista brasileira. Em 2024, esteve na lista Forbes 30 Under 30, e recebeu o prêmio do MTV Video Music Awards pelo clipe de “Funk Rave”, também da cantora Anitta, em 2023.
Mel, como é chamada, mudou-se para os Estados Unidos aos 17 anos e completou toda a sua formação em cinema por lá. Começou o estágio ainda na faculdade, numa produtora, onde entrou como assistente e saiu como coordenadora.
À época, ela já estava envolvida em outras produções brasileiras, como o filme “Abe”, de 2019, filmado em Nova York. “Foi meu primeiro longa nos Estados Unidos, e ali entendi o que queria: morar fora, mas trabalhar com brasileiros. Sentia muita falta da nossa cultura”, lembra.
Depois, Melanie trabalhou na produção do filme “Marighella”, de 2019, onde começou a entender o que os brasileiros procuravam quando iam filmar no exterior. Após 7 anos de trabalho nos Estados Unidos, e com apoio da produtora que a acolheu, conseguiu o green card. Em 2021, criou a coragem de abrir sua própria produtora, a Ginga Pictures, focada integralmente no mercado brasileiro.
No início, trabalhava sozinha e remotamente, sem escritório. Hoje, a Ginga conta com uma equipe de 9 pessoas fixas e escritórios em São Paulo e Miami, movimentando mais de 530 colaboradores conectados a seus projetos apenas em 2024. Em 2022, Felipe Brito juntou-se como sócio e, desde então, eles crescem a cada ano, expandindo a equipe e as áreas de atuação, de conteúdo original a curtas-metragens de publicidade e videoclipes. Já atuaram com marcas como Puma, Fiat, Rexona, Casas Bahia, Vivara, Coca-Cola, Volvo e outros.
Nesta entrevista, Melanie Chapaval conta como a produtora cresceu em pouco tempo e quais as diferenças entre produzir no Brasil e nos Estados Unidos. Além disso, ela fala sobre como foi produzir o documentário da cantora Anitta e a repercussão do prêmio VMA que receberam com o clipe de “Funk Rave”, também da artista brasileira.
Meio & Mensagem – A Ginga Pictures teve um rápido crescimento nesses últimos anos. Quais foram os maiores marcos e desafios dessa trajetória?
Mel Chapaval – A gente brinca que sempre teve muita sorte, porque as coisas sempre conspiraram a nosso favor. Desde o começo, a demanda foi muito maior do que a nossa capacidade de atender. Quando percebemos que estávamos ficando muito reativos, sem conseguir nos planejar ou pensar no futuro, mudamos nossa abordagem e começamos a nos estruturar melhor para dar conta de tudo que estava surgindo. Começamos com production service, atendendo brasileiros fora do Brasil. Com o tempo, veio a nossa divisão de entretenimento, porque surgiu uma demanda das celebridades que a gente atendia, como o caso da Anitta, que queria fazer o documentário dela. Assim que começamos esse projeto, percebemos o espaço que existia no mercado e o quanto a gente agregava valor em conteúdo de narrativas de não ficção.
A partir daí, criamos um time de desenvolvimento interno para continuar com os projetos de conteúdo original e manter o relacionamento com as plataformas. Então, nosso núcleo de desenvolvimento foi surgindo, ao mesmo tempo em que os players começaram a nos procurar, pedindo para apresentarmos novas ideias. Contratamos uma pessoa para ser head de conteúdo original e focar exclusivamente nessa área, porque, ao mesmo tempo, as demandas de publicidade continuavam chegando. Estávamos fazendo production service e atendendo muitas agências nos Estados Unidos e no Brasil. Nosso escritório físico fica em São Paulo, com toda a equipe de pós-produção. Já nos Estados Unidos, a gente filma em muitos lugares diferentes, então não temos um escritório fixo. Nossa base é em Miami, mas conseguimos montar um ecossistema de escritórios pontuais, conforme a necessidade e o local de cada projeto.
M&M – Quais as diferenças da produção audiovisual internacional em relação às produções brasileiras?
Mel – Nossa, é muita diferença. Sempre falo que no Brasil a equipe é barata e o equipamento é caro. Já nos Estados Unidos, infelizmente, é o contrário: o equipamento é barato e a equipe é cara. E eu digo “infelizmente” porque nos países de terceiro mundo isso acaba criando uma inversão de valores que impacta diretamente no tamanho das equipes. No Brasil, as equipes são gigantes. É muito difícil fazer um set de publicidade com menos de 100 pessoas. Nos Estados Unidos, é muito mais enxuto. Por exemplo, se você precisa de uma grua no Brasil, muitas vezes tem que construi-la. Lá fora, você aluga pronta e precisa apenas de uma pessoa para operar. É muito mais rápido e eficiente. E isso faz com que, no Brasil, as pessoas sejam mais dependentes de assistentes, de ajuda. Já nos Estados Unidos, os profissionais são muito mais versáteis, fazem várias funções ao mesmo tempo. Outra coisa é que, nos Estados Unidos, tudo é muito mais business. É uma indústria mesmo. Já no Brasil, sinto que as pessoas trabalham com muito mais tesão, com paixão de verdade. Lá fora, às vezes, parece que estão trabalhando como se estivessem num banco.
M&M – Em 2022, a Ginga Pictures se tornou a primeira produtora de sócios brasileiros a ganhar um VMA, com o videoclipe “Funk Rave”, da Anitta. Qual foi o impacto dessa conquista para a produtora e para a projeção de produções brasileiras no exterior?
Mel – A gente tem muita sorte de trabalhar com clientes que compartilham do mesmo propósito que o nosso. No caso da Anitta, esse movimento de exportar o Brasil para o mundo está muito alinhado com a nossa missão. Foi a primeira vez que uma produtora com sócios e diretores brasileiros ganhou o VMA, e também a primeira vez que um gênero brasileiro, o funk, teve esse reconhecimento, numa categoria que é 100% dominada pelo reggaeton. Para nós, foi um grande marco. Começamos a ser procurados por gente do mundo inteiro, tanto para trabalhar conosco, quanto por interesse no funk em si. Acho que, além de fortalecer nossa posição como produtora, isso também despertou a atenção global para o funk brasileiro. A visibilidade foi muito grande, o que possibilitou o acesso a novos mercados. E, como produtora, foi muito especial, porque a gente pode dizer que é a única produtora voltada para o mercado brasileiro que tem um VMA. Isso atraiu artistas internacionais, que passaram a nos procurar, especialmente porque no Brasil a gente já tinha prêmios importantes, como o Prêmio Multishow.
M&M – O documentário “Larissa, O Outro Lado de Anitta” foi um grande sucesso. Como foi o processo de produção para conseguir mostrar esse lado mais vulnerável e autêntico da artista?
Mel – Foi um processo muito complexo, porque nem a gente sabia exatamente o que ia vir. O Felipe, meu sócio, é muito próximo dela, então era o único que realmente entendia quem era a Larissa que podia aparecer. Foi um exercício de confiança. Ela precisava saber que, se em algum momento não se sentisse confortável, a vontade dela seria respeitada. E isso não é algo que dá pra forçar, não é consciente, tinha que acontecer de forma natural. E foi muito bonito. A gente sempre fala que documentário não é algo que acontece para ser filmado, mas algo que acontece para a pessoa e a câmera acompanha. Tivemos um time muito bom para captar essa Larissa, porque existe um antes e um depois muito claro. Quem acompanha e conhece viu o quanto essa mudança foi significativa na vida dela. Voltamos do Nepal e ela começou a se conectar com um lugar mais espiritual.
M&M – Quais são os próximos passos para a Ginga Pictures?
Mel – No lado de não ficção, os players não só pedem projetos nossos, como também trazem projetos desenvolvidos internamente para a gente realizar. Então, nos próximos seis meses, vai sair muita notícia nos jornais sobre coisas que estamos fazendo. Agora, por exemplo, estamos com um projeto muito importante para a Netflix: o documentário do Neymar com o Santos. Já do lado da publicidade, estamos expandindo bastante nossa presença no mercado norte-americano. Estamos fortalecendo o relacionamento com as agências de lá para atender melhor esse mercado. Então, garantir uma presença relevante na indústria publicitária dos Estados Unidos faz parte do nosso foco principal para o pipeline de 2025.
M&M – Qual foi o maior desafio da sua carreira e como você lidou?
Mel – O maior desafio que eu enfrentei na vida foi a questão do visto americano. Só consegui ficar lá por causa do meu trabalho, e foi o que tornou possível abrir a Ginga. A maior dificuldade era saber que eu tinha uma data de validade para realizar o que queria. Se eu não desse um jeito de resolver isso, teria que ir embora e começar do zero. Levei sete anos pra conseguir meu green card. Bati em muitas portas, falei com várias produtoras. Quatro disseram que sim, mas não deram certo. A quinta, que tinha todos os requisitos exigidos pelo governo, foi com quem eu consegui fazer o processo.
Agora, se for pensar em desafio estritamente profissional, eu diria que foi o documentário da Anitta. Foi um projeto que a gente decidiu fazer assumindo um risco enorme, sem ter nenhum player atrelado no começo. A Netflix só entrou depois de dois anos, quando já tínhamos filmado tudo com 100% de investimento nosso. Foi um risco muito grande, com um valor bem significativo, mas a gente realmente acreditava na Larissa, na Anitta e na nossa capacidade de contar essa história. Foram dois anos de incerteza.Precisei de muita paciência, porque o timing da publicidade é muito diferente do de conteúdo original. Um documentário como esse, que levou três anos, exige uma paciência quase budista.
M&M – Como você descreveria seu estilo de liderança?
Mel – A gente sempre busca pessoas que sejam self-accountable, que saibam se autogerir. Se você dá metas, objetivos, se todo mundo está alinhado no mesmo caminho, o papel do empreendedor é deixar claro onde queremos chegar como equipe. A partir daí, cada um pensa na melhor estratégia que funciona para si. Se eu tiver que ficar checando o que cada pessoa está fazendo, prefiro eu mesma fazer. Então, gosto que cada um assuma a própria responsabilidade. E, para isso, o mais importante é encontrar pessoas com vontade, com energia. Você pode ter a pessoa mais talentosa do mundo, mas se ela não tiver vontade, não adianta, ela não faz acontecer. Agora, quando você tem alguém com foco e disposição, esse é o melhor perfil possível. O resto, ela vai aprendendo no caminho.
Deixo as pessoas bem livres. Aqui não tem horário fixo, não é das 9 às 17h. Você pode acordar meio-dia e não trabalhar de manhã, desde que esteja entregando o que foi combinado. Por isso, nosso time é o mais enxuto possível: são todos de alta performance. Nem eu, nem o Felipe temos perfil de microgerenciar. As pessoas precisam estar comprometidas com elas mesmas e com a visão da empresa.
M&M – Qual conselho você daria para a sua versão do passado?
Mel – Acho que fiz muitos sacrifícios. Tenho 29 anos e comecei muito cedo. Quando você é imigrante, o tempo corre diferente, parece que você já começa em desvantagem. Então, o que eu diria não é nem um conselho, mas uma validação: o sacrifício vale a pena depois. A correria de hoje é o que você planta para poder colher amanhã. Acho que os timings de cada pessoa são diferentes, e tudo bem também. Mas começar cedo te dá uma vantagem. Acredito que a Mel de 35 vai agradecer muito à Mel de 20.
E tem uma outra coisa. Acho que toda mulher sofre com a síndrome da impostora e, quando é jovem, isso pesa ainda mais. É muito difícil desconstruir isso, mas acho que, já que faz parte, a gente precisa se ajudar mais. Mulher com mulher. Sinto que nos ambientes profissionais, as mulheres ainda não se ajudam tanto. Na minha carreira, recebi muito mais ajuda de homens do que de mulheres, e isso é algo que eu gostaria de ver mudar. Só com apoio de outras mulheres é que a gente consegue tirar essa síndrome da impostora de dentro da gente. É importante que a gente se reconheça, se exalte. Muitas vezes sou a única mulher num ambiente inteiro. Mas, quando tem outra, é essencial que sejamos aliadas, que não nos coloquemos para baixo. Esse é o feminismo em que acredito.
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