Da política ao Spotify: a executiva que não teve medo de recomeçar
Ex-assessora política nos EUA, Dustee Jenkins hoje comanda a voz global da plataforma no debate sobre cultura, tecnologia e regulação
Da política ao Spotify: a executiva que não teve medo de recomeçar
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Lidia Capitani
23 de maio de 2025 - 8h29
Dustee Jenkins, chief public affairs officer no Spotify (Crédito: Divulgação)
Dustee Jenkins cresceu numa pequena cidade no Texas, Estados Unidos, e nunca imaginou que um dia assumiria uma posição como a que ocupa hoje: chief public affairs officer global no Spotify. Ou, ainda, diretora de assuntos públicos. Mas antes de entrar no ramo das plataformas ou da cultura, ela trilhou uma carreira numa área totalmente diferente. Depois de estudar jornalismo na faculdade, mudou-se para Washington para trabalhar no gabinete de uma senadora norte-americana e, depois, no governo do presidente George W. Bush. “Essa base me ensinou como políticas públicas, comunicação e pessoas se conectam”, reflete.
A partir de então, Dustee migrou para o setor privado e assumiu um papel de liderança de comunicação na Target, rede norte-americana de varejo. “Essa experiência ampliou minha visão sobre como as marcas se conectam com as pessoas”, afirma. Foi nesse período que ela conduziu uma gestão de crise desafiadora quando estava grávida de quase 9 meses. Na Black Friday de 2013, a empresa sofreu um dos maiores vazamentos de dados da história.
Em 2017, entrou no Spotify, onde desde então lidera as áreas de comunicação e relações governamentais. “A interseção entre cultura, tecnologia e política está ficando cada vez mais complexa. Mas é também onde vivem as oportunidades mais empolgantes. Sinto-me imensamente sortuda por trabalhar em uma empresa como o Spotify, que está bem no centro dessa conversa em mercados ao redor do mundo, e por fazer parte de um time que está ajudando a moldar o que vem a seguir”, relata.
Jenkins está no Brasil para participar do Rio2C 2025 entre os dias 27 de maio ao 1 de junho, e estará entre as palestrantes do painel “O papel das relações públicas na construção do futuro do streaming de música”, ao lado de Gabriela Mayer, apresentadora do podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo.
Nesta entrevista, Dustee Jenkins fala sobre os aprendizados e desafios que sua trajetória pregressa na política e na Target trouxeram. Além disso, ela discute como lida com as questões culturais, econômicas e políticas nas relações institucionais entre o Spotify, artistas e governos.
Meio & Mensagem – Como sua carreira política moldou sua visão estratégica para ocupar uma cadeira de alta liderança?
Dustee Jenkins – A política me ensinou a manter a calma no caos e a sempre ter um plano B (e C). Também me mostrou como navegar em ambientes complexos e de alta pressão, habilidades essenciais em uma empresa global como o Spotify. Quando você trabalha com formuladores de políticas, criadores e consumidores ao redor do mundo, é preciso saber ampliar a visão para entender o panorama geral, mas também reconhecer quando é hora de focar nos detalhes e tomar decisões rápidas. Essa capacidade de alternar entre a visão estratégica e a resolução prática de problemas tem sido fundamental no meu papel.
M&M – Você conduz a Loud & Clear, iniciativa do Spotify que defende mais transparência na indústria da música e no pagamento de artistas. Como surgiu o projeto?
Dustee – O Loud & Clear nasceu de uma pergunta simples, mas constante, que ouvíamos dos artistas: “Para onde vai o dinheiro?”. Sabíamos que precisávamos explicar melhor a economia do streaming. Então, lançamos o Loud & Clear para oferecer mais transparência sobre como o Spotify contribui para a indústria da música e como o sistema funciona. É um projeto que evoluiu ao longo do tempo, dando aos artistas mais informações do que jamais tiveram antes, frequentemente gerando aprendizados reais e mudando a percepção sobre o setor de streaming. É também uma oportunidade incrível de compartilhar o crescimento em nossos maiores mercados, como o Brasil. Por exemplo, o crescimento de 20% nos repasses globais de royalties do Spotify para músicas em português no ano passado destaca o alcance poderoso e em expansão das diversas expressões musicais do Brasil no cenário global.
M&M – Como você lida com a parte política do trabalho ao negociar regras e leis da plataforma em diferentes países?
Dustee – Com muita escuta ativa e abordando cada questão com mente aberta. Cada mercado é diferente em seus aspectos cultural, político e economicamente. Nosso papel é chegar com uma compreensão dessas diferenças e disposição para colaborar. Ao mesmo tempo, temos princípios fundamentais, como nossa crença no crescimento dos criadores e na competição justa, que guiam nosso engajamento. É um exercício de equilíbrio que exige construir relacionamentos de longo prazo, e não apenas aparecer quando algo está em chamas. Também acredito que ter uma equipe com expertise local é inegociável. Não se opera globalmente com uma solução única para todos.
M&M – Você esteve na Target durante uma grande crise de vazamento de dados. Como foi navegar esse momento e o que você aprendeu sobre gestão de crise com essa experiência?
Dustee – Foi um dos momentos mais desafiadores da minha carreira, e um dos mais formativos. Quando algo assim acontece, o instinto é consertar tudo imediatamente. Mas a realidade é que você precisa agir rápido e ser transparente, ao mesmo tempo em que cuida da sua equipe e reconquista a confiança. Aprendi a importância do alinhamento interno e garantir que o jurídico, a área de tecnologia, o PR e a liderança falem a mesma língua. E descobri que, às vezes, o melhor que você pode fazer em uma crise é ser humano: assumir a responsabilidade, explicar o que aconteceu e mostrar como vai corrigir o problema.
M&M – Como você descreveria seu estilo de liderança?
Dustee – Procuro focar em transparência e feedback claro. Acredito que as pessoas dão o seu melhor quando sabem o que se espera delas e por que isso importa. Também procuro trazer clareza nos momentos que parecem confusos. Seja lançando um novo produto ou gerenciando um assunto sensível, meu papel é ajudar o time a enxergar adiante e se sentir confiante na direção. E acredito em criar espaço para que outros também liderem. Tive a sorte de ter pessoas que apostaram em mim ao longo da carreira, e procuro fazer o mesmo pelo meu time.
M&M – Qual foi o maior desafio da sua carreira e como você lidou com ele?
Dustee – Os maiores desafios geralmente surgiram em momentos de reinvenção, quando o mundo mudava e era preciso repensar tudo. Migrar da política para o setor corporativo, enfrentar o vazamento de dados na Target, gerir durante a pandemia ou assumir questões globais sobre IA e regulamentação no Spotify — todos esses momentos me forçaram a me adaptar e crescer. Mas acredito que o fio condutor para superar esses desafios foi me cercar de pessoas inteligentes e equilibradas, que não têm medo de me desafiar. E manter-me focada na missão, mesmo quando o caminho à frente não está totalmente claro.
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