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Alaine Charchat: o que é ser CIO em 2025?

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Alaine Charchat: o que é ser CIO em 2025?

A liderança de tecnologia da Reckitt para América Latina enfrentou barreiras corporativas e hoje comanda a transformação digital da companhia


6 de maio de 2025 - 15h18

Alaine Charchat, CIO da Reckitt para América Latina (Crédito: Divulgação)

Alaine Charchat é a atual CIO da Reckitt na América Latina. Carioca, começou na área de tecnologia ainda aos 16 anos, enquanto fazia estágio no ensino médio técnico em Processamento de Dados, e nunca mais saiu. Depois do estágio, começou numa empresa de telecom ainda no Rio de Janeiro, mas, em 2005, foi para São Paulo pelo Grupo Claro. De 2005 à 2010, passou pela Claro, Tim e Vivo, onde começou como analista até virar coordenadora. 

Ao concluir seu MBA na Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2010, entrou na Unilever como coordenadora de tecnologia, onde permaneceu até 2015. “Gosto de dizer que foi minha primeira escola profissional. Em cinco anos e meio, recebi três promoções”, conta. Ali, ela pôde se aventurar e conhecer muitos países, como Índia, Inglaterra, Estados Unidos e vários da América Latina. “Aprendi muito sobre o que é ser uma profissional de tecnologia. Apesar das muitas noites e dias de trabalho intenso, muito do que sou hoje veio dessa primeira experiência em bens de consumo”, reflete.

Ao final deste período, Alaine entrou na Diageo em seu primeiro cargo como head de tecnologia, quando integrou um comitê executivo. Em seguida, foi para a Johnson & Johnson, onde assumiu sua primeira cadeira de diretora. Lá, permaneceu por três anos e meio, e finalizou sua trajetória como CIO da divisão de bens de consumo, que hoje é a Kenvue. Desde 2022, está no posto de CIO para a América Latina da Reckitt.

Nesta entrevista, Alaine Charchat fala sobre os desafios de manter-se atualizada das tecnologias emergentes e de liderar a área de tech de uma grande multinacional. Além disso, a executiva discute sobre os retrocessos das políticas de diversidade e inclusão nas big techs e como convencer as empresas a investirem em times de TI diversos.

Meio & Mensagem Com o avanço da tecnologia cada vez mais rápido, como os profissionais de TI podem lidar com essas mudanças e ainda se manter atualizados?

Alaine Charchat – Primeiro, acho que a gente nunca vai conseguir fazer um catch-up completo, estar 100% atualizado com tudo. Eu costumo fazer escolhas e, todo ano, tento fazer algum refresh. Por exemplo, em 2025, fui aprovada para um curso do MIT, de quase um ano, focado em tecnologias emergentes, como AI, machine learning, blockchain, big data e por aí vai.

Além disso, participo de muitos fóruns de CIOs e CTOs, onde temos a chance de ouvir outros profissionais, entender o que eles estão fazendo e escutar os fornecedores sobre as principais tendências. Também costumo participar de eventos como ouvinte, ou como speaker, e leio, claro, mas estar em contato com as pessoas no dia a dia é o que mais me traz bagagem para me manter atualizada.

M&M Quais são os desafios de liderar a área de tech de uma multinacional nos tempos atuais?

Alaine – Acho que um dos grandes desafios é esse: como conseguimos nos manter atualizados das tendências de tecnologia e, ao mesmo tempo, fazer com que o time também acompanhe. Porque não adianta eu buscar meu desenvolvimento se o time não vier junto. Eu realmente me esforço para garantir isso, porque só assim conseguimos oferecer o melhor para as áreas de negócio. E isso começa com o desenvolvimento tanto dos hard quanto dos soft skills. Os hard skills são os técnicos, claro, e os soft são tão essenciais quanto, como preparar o time para fazer as perguntas certas, ser mais resiliente, saber desafiar o negócio. Não podemos ser aquela TI do passado, que só recebia pedido. Precisamos ser estratégicos. Meu papel é preparar o time para que a área de TI ajude o negócio a tomar as melhores decisões, que seja uma parceira, que traga recomendações, e não apenas uma área de back office, como era antes.

Outro desafio é em relação à IA. Não dá para dizer que IA é algo totalmente novo, porque machine learning e deep learning já existem há um tempo. O que é novo mesmo é a GAI (inteligência artificial generativa). E aí muitas áreas de negócio com quem converso acham que é só comprar GNI, instalar, e pronto, começamos a fazer mágica. Então, o desafio é, também, educar a organização para escolher onde apostar, quais casos de uso priorizar, e trazer essa consciência sobre como usar a tecnologia da maneira certa. Isso não é fácil, porque todo dia alguém bate na minha porta pedindo IA. E o meu desafio é mostrar que dá para inovar, sim, mas com responsabilidade e foco no que realmente vai trazer benefício para a companhia.

M&M Como podemos mostrar o valor da diversidade para as companhias, principalmente nas áreas de tecnologia?

Alaine – Acho que existem muitos estudos e números que mostram que as empresas têm resultados muito mais eficientes quando investem em diversidade. Eu, particularmente, acho uma pena esse retrocesso, porque essa é uma jornada que a gente vem construindo há anos. Se não tivéssemos colocado políticas e acreditado num ambiente mais diverso, não teríamos visto evolução nos números. Então, independentemente do que tenha acontecido nas big techs dos Estados Unidos, ainda não vejo esse impacto tão forte na América Latina. E acho que isso acontece porque nós, como lideranças, continuamos mostrando os resultados e os números que comprovam a importância desse ambiente mais inclusivo, inclusive para o desenvolvimento do negócio.

Outro dia me perguntaram como eu enxergaria uma empresa 100% liderada, construída e desenvolvida por homens. E, sinceramente, acho que seria uma companhia muito quadrada, cheia de vieses, e que não conseguiria entregar resultados tão potentes sem o olhar feminino. Vejo que a mulher, com essa capacidade de lidar com diferentes cenários, e por ser mais plural, é justamente o que traz equilíbrio e reduz os enviesamentos dentro de uma organização.

M&M – Fale sobre a sua jornada na Reckitt. Como tem sido estar na posição de CIO da companhia e o que vocês planejam para o futuro?

Alaine – Quando vim para essa cadeira, vim com o desafio de iniciar uma jornada de transformação digital. Quando cheguei, no início de 2022, começamos com uma hackathon que envolveu áreas de negócio e tecnologia para construir nosso roadmap. Foram cerca de 120 pessoas envolvidas no processo. Nessa primeira fase, desenhamos nosso mapa de oportunidades, para onde poderíamos ir e como desenvolver os projetos ao longo dos anos.

Depois, começamos com o que aqui chamamos de “bot venture”, que é entender, dentro das áreas de negócio, como usar tecnologia para liberar tempo das pessoas, reduzindo o esforço operacional. Mapeamos mais de 200 mil horas de oportunidades, seja com IA ou com soluções low-code (abordagem de desenvolvimento de software com o objetivo de criar aplicações com pouca necessidade de programação). Já entregamos quase 20 mil horas e temos uma jornada grande agora no Q2. Esse trabalho é muito baseado em resultados concretos e priorizações. No final do ano passado, rodamos a semana de inovação no Brasil e no México, e, aqui, saímos com um pipeline de oito iniciativas focadas em IA. Também treinamos boa parte da organização com ferramentas low-code e no-code. No-code elimina totalmente a necessidade de código, porque não precisa ser só o meu time desenvolvendo automações. O próprio usuário pode fazer isso.

Tudo isso tem nos ajudado a construir um roadmap muito robusto, mas sempre pautado em value realization, porque a presidente da América Latina cobra isso. Não adianta ter diversas oportunidades se a gente não consegue fazer tudo. Por isso, trouxemos um processo de priorização baseado na matriz da Gartner. Então, nesses quase três anos, vejo minha jornada muito nesse caminho: transformar a forma como usamos tecnologia dentro da Reckitt.

M&M Como você descreveria seu estilo de liderança?

Alaine – Sou uma líder voltada para resultados. Sempre fiz questão de questionar: “Mas, por quê? Por que vamos fazer isso?”. Se não consigo medir, para mim, não deveria ser prioridade. Mas, apesar de ser da tecnologia, sou uma líder muito humana. Tenho muito orgulho quando consigo promover alguém ou ajudar uma pessoa a se desenvolver. Para mim, é uma grande conquista olhar para trás e ver profissionais que passaram pela minha jornada e que hoje são líderes em outras companhias.

Também diria que sou muito resiliente. Primeiro, por ser mulher. Passamos por desafios que nem sempre os homens enfrentam. Ao longo da minha carreira, vivi situações que exigiram força e adaptação, e aprendi a lidar com esses cenários. Acho que essa característica me tornou uma líder mais forte, e, com isso, também consigo formar profissionais mais fortes.

M&M Em meio ao desmonte das políticas de diversidade, como as empresas podem aumentar a presença feminina e de grupos subrepresentados nas áreas de tech?

Alaine – Há várias formas, sabe? E a tecnologia pode ajudar muito, começando já no processo seletivo. No passado, mesmo olhando para as capacidades dos profissionais, ser homem ou mulher ainda pesava e, muitas vezes, o homem acabava sendo escolhido, por acharem que entregaria mais. Hoje, com a força da tecnologia, dá pra usar um blind CV, por exemplo, e conduzir todo o recrutamento sem saber o gênero da pessoa, olhando apenas para as capacidades. Só isso já ajuda a trazer candidatos diversos.

Além disso, nós, como líderes, temos um papel fundamental em fomentar o desenvolvimento feminino. Criar programas de capacitação, ajudar as mulheres a enxergarem que elas têm potencial e apoiar na criação de redes. Porque isso ainda é muito necessário. Eu, por exemplo, sou mentora voluntária no grupo MCIO [Mulheres CIO], uma rede de apoio onde acompanho mulheres em transição de carreira. As empresas precisam continuar com esses programas. Porque esse número [de mulheres na liderança] pode crescer, sim. E, com certeza, uma organização vai ter melhores resultados se a gente preparar essas mulheres para enfrentarem as barreiras invisíveis que ainda existem.

M&M Qual o maior desafio de carreira que você já enfrentou e como lidou com ele?

Alaine – Acho que o maior desafio da minha carreira foi quando me tornei senior manager. Foi uma trajetória muito acelerada. Em cinco anos, tive três promoções. E, quando olhei para trás, vi pessoas com 15, 20 anos de casa que ainda não tinham chegado lá. Fui muito desacreditada e desafiada. Precisei trabalhar e estudar muito para provar que estava ali por merecimento, porque eu realmente tinha capacidade. E não, como ouvi algumas vezes, por ser mulher. Foi muito doloroso.

Ao mesmo tempo que queria comemorar, estava sofrendo muito. Lembro que, à época, eu fazia um programa de coaching e falei pra minha coach: “Como vai ser meu primeiro dia? Estou com tanto medo, estou sofrendo com tudo isso. As pessoas não olham para tudo o que fiz, só ficam se perguntando ‘por que ela?’, ao invés de refletirem ‘o que deixei de fazer?’. Ela me disse: “Você vai entrar naquela sala de cabeça erguida, porque isso é mérito seu. Só você sabe de todos os cursos, das noites viradas, de tudo o que abriu mão na sua vida pessoal para chegar até aqui.” E é verdade. Abdiquei de muita coisa. Tive filho com 40 anos porque foquei totalmente na minha carreira. E não me arrependo, foi uma escolha minha.

Esse processo foi muito difícil, mas me fortaleceu demais. Hoje, sou respeitada e reconhecida. Claro que, às vezes, bate aquele frio na barriga, aquele pensamento de “será que sou boa o suficiente? Será que consigo?”. Mas me fortaleço no dia a dia, estudando e me desenvolvendo para estar sempre pronta para ocupar essa cadeira. Nem sempre saberemos todas as respostas, mas sei me posicionar com firmeza mesmo quando não sei, e isso me mantém onde estou.

M&M Qual conselho daria para uma jovem que quer crescer na carreira em tecnologia?

Alaine – Acho que é exatamente isso: meninas, não esperem estar 100% prontas, porque a verdade é que nunca estaremos. Especialmente nós, mulheres, temos essa cultura de pensar “ah, não vou me candidatar para essa vaga porque não tenho todos os skills” ou “não vou tentar essa promoção porque quem estava lá era incrível”. Mas a gente precisa acreditar no nosso potencial. Vai com medo mesmo, sabe? Porque, no fim, nosso maior concorrente é o medo. E precisamos aprender a lidar com ele e confiar que podemos ir muito mais longe.

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