Adalberto Viviani
8 de novembro de 2011 - 7h23
Kirin é uma figura presente na mitologia do Japão e da China. É uma mescla que reúne características de cavalo, peixe, boi e, em algumas versões, de leão ou de dragão. Kirin vive no paraíso e, quando sai, é para proteger ou punir bons e maus. Chega a viver mil anos e, como é corrente na mitologia, guarda semelhanças com as virtudes e defeitos dos homens.
Resvalando em outras peças mitológicas, desta vez a grega, é possível dizer que começa agora um trabalho hercúleo e uma verdadeira Odisseia de mercado. Depois de idas e vindas, a Kirin concluiu a compra da Schincariol e agora detém o total da participação acionária da empresa. O desfecho era o esperado.
As cartas estão postas num momento em que o mercado de cervejas entra em ebulição. Neste cenário, temos uma série de desafios e desdobramentos. Convido a olhar os acontecimentos em dez movimentos; ou, para manter as associações mitológicas, em dez trabalhos:
1) Fazer o verão. Este pode ser o principal desafio dos executivos da Kirin. Neste período, às portas do verão, todo foco da indústria cervejeira está voltado para buscar um melhor posicionamento nos pontos de vendas e as campanhas publicitárias prontas com grandes investimentos de mídia. Neste momento a principal atitude da Kirin, talvez, será fazer mais do mesmo ou fazer bem feito o que deve ser feito. E demonstrar que sabe fazer. Apenas isso. Assim dará mostras aos compradores que há uma gestão competente e com alguma estratégia.
2) Superar a ameaça da paralisia interna. Esta ameaça é constante em processos de mudanças acentuados. Há sempre uma expectativa sobre o que uma nova gestão faz na empresa. Como a mudança ocorre efetivamente num período de disputa acirrado, o que normalmente se busca é fazer com que a empresa supere as ameaças de paralisia e todos se movam. E façam isso com garra. Normalmente equipes tendem a ser cautelosas demais e por isso perdem oportunidades. Cabe à nova gestão dar segurança para a equipe e apontar um horizonte claro. Não olhem nos olhos da Medusa.
3) Manter-se forte no Nordeste, principal mercado da Schin. Esta é a chave estratégica. No momento em que a empresa entra no verão e os principais concorrentes focam o Nordeste, área com maior crescimento de renda per capta, é preciso definir uma estratégia para o Nordeste. Se isso não estiver definido amanhã, está atrasado, pois Ambev e Heineken já mostraram a que vieram na região. A Petrópolis não tem fábricas por lá, mas a imagem positiva da Itaipava já contagia consumidores.
4) Reconquistar o Sudeste. Esta é outra questão fundamental. A Schin perdeu participação nos principais mercados do Sudeste e tem dificuldades de se reposicionar. As campanhas da Devassa não surtiram o efeito desejado. Ficar de fora desse mercado e liderar onde o fator preço é mais importante do que a marca é sempre um risco.
5) Gerir o mix em função de uma estratégia global. O período do verão deve servir para defender um campo, mas também para apontar que tipo de vínculo a empresa vai querer com o mercado. Neste ponto é preciso definir qual o papel de cada marca e qual a estrutura desta mesma marca em relação ao seu portfólio. As marcas da Schincariol ainda não estão corretamente posicionadas.
6) Ser desejada. Um dos principais desafios de marca é fazer com que elas sejam desejadas. Existem na Schincariol marcas reconhecidas como Premium. Mas estas marcas estão aquém do universo de desejo dos consumidores. Nova Schin, por sua vez, não é uma marca desejada pelos consumidores. Tem lembrança, mas ainda falta a ela um diferencial e uma causa que a torne desejada. Descobrir o espaço para o posicionamento de cada marca é fundamental.
7) Definir uma estratégia comercial e gerenciar as marcas e as categorias. A Schincariol vive o dilema de centenas de empresas do Brasil: tem vocação para vender o principal produto da corporação e muita dificuldade em vender o conjunto de marcas. As dúvidas sempre são as de montar ou não equipes próprias segmentadas e como montar a estrutura interna de gerências para viabilizar produtos para públicos distintos. Não existe uma fórmula final correta. O que existe é a necessidade de reduzir as objeções para os produtos diferentes e fazer com que eles encontrem amparo estratégico e profissionais responsáveis por eles.
8) Encontrar o caminho do paraíso: share ou margem? É preciso definir um caminho rapidamente. Para isso é necessário escolher se a empresa quer brigar pelo share de mercado ou trabalhar pela geração de caixa e de lucro. Os caminhos não são excludentes a médio prazo. Ao contrário, são necessariamente complementares. Já no curto prazo é preciso tomar uma decisão. Correr alucinadamente para enfrentar a concorrência usando preço ou trabalhar para aumentar a performance financeira gerindo o preço médio focando no lucro. Ela precisa ser clara, direta e, idealmente, unânime. Uma ação de comando que determine que a empresa tem um rumo certo traçado.
9) Olhar para a concorrência e entender a dinâmica do mercado. É claro que dizer isso parece “chover no molhado”. No entanto temos um cesto repleto de cases de empresas que entraram no Brasil sem entender que a disputa ferrenha de mercado aqui é diferente do que acontece em outros lugares do mundo. O Brasil é o berço ideológico da maior indústria cervejeira mundial. Chamo de ideológico porque aqui se formaram as estratégias e a capacidade de gestão de marca da maior empresa do setor no mundo. A disputa aqui é ferrenha, o consumidor conhece as marcas, avalia os produtos, tem a cerveja incorporada em sua cultura de consumo, tem canais de venda com perfil diferente de diversos países e tem as diferenças culturais de cada região. A Kirin tem que colher estas experiências sem deixar de olhar para as mudanças que deve promover.
10) Descartar os deuses. Comemorando cada pequena vitória, como fazem os seres humanos. Somente assim a Kirin vai aprender que o seu destino tem dois extremos: o do planejamento com longevidade e o da ação em campo com um grupo motivado e voltado para os resultados estratégicos, capaz de administrar as marcas e a confiança dos milhares de pontos de venda. Criar um grupo unido e confiante, contradizendo os antecessores que entraram no Brasil e não encontraram um ponto de diálogo coerente com o mercado. Ganhar a confiança do trade não é uma tarefa de deuses, pois seres divinos são preguiçosos. Esta é uma meta que só pode ser alcançada por homens que acordam às 5h e vão aos bares mais distantes. Eles vão convencer os compradores de que a empresa sabe o que faz, que as marcas vão vender, que ele pode e deve comprar mais do que o de sempre. Deus está nos detalhes, mas infelizmente o demônio também.
Fazendo tudo isso o sucesso é garantido? Claro que não. Pois no mundo dos homens não há fórmulas infalíveis, ainda mais quando se trata de Brasil.
Aqui vale uma nota de pé: Kirin também é uma referência para girafa. O que merece ao menos duas lembranças: olhar do alto é uma oportunidade de enxergar melhor o horizonte. Porém um pescoço muito grande tem mais área de corte. É bom agir com rapidez.
Adalberto Viviani é presidente da Concept.
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