Ponto de vista

O dia que me arrependi de testar anúncios

Meu desejo era que os anunciantes acertassem na propaganda

i 7 de outubro de 2014 - 2h25

Nos primeiros anos na carreira de jornalista, minha relação com a propaganda nas revistas em que trabalhava não era das mais amigáveis.

O editor pedia: “Escreve a sua matéria em 5 mil caracteres.”

Jovem repórter, eu comemorava: “Oba, dá pra contar tudo”.

Aí vinha o balde de água fria: “Entrou anúncio, corta o texto pra 2 mil”.

“@!#?@!”

Quando me tornei chefe, aprendi a me virar nos trinta para aumentar ou diminuir matérias e seções ao sabor das mudanças na publicidade.

“Rápido, caiu anúncio, escreve mais 2 mil toques”, pedia ao repórter que não sabia mais como encher linguiça.

“O quê? Mas já contei tudo…”

“Se vira!”

“@!#?@!”

Aí virei diretor de uma unidade de negócios com sete revistas femininas e passei a amar anúncio. Comemorava quando batíamos recorde de páginas de publicidade. E sentia os pregos na cadeira quando eles minguavam.

“Temos quantos anúncios nesta edição?

“16”.

“Só?”

“Piorou, acabaram de cair quatro.”

“@!#?@!”

Nunca fui pessoalmente responsável pela venda de publicidade. Mas, como dependia da grana dos anúncios para atingir as metas, ajudava no que podia. O núcleo que dirigia era voltado para mulheres da nova classe média, que haviam se tornado as queridinhas do mercado. Como não sabiam como falar com elas, os anunciantes pediam a nossa orientação.

Passei a olhar com muita atenção os anúncios publicados nas nossas revistas. E a levar meia dúzia deles nas reuniões semanais que mantínhamos com grupos de leitoras.

Sinceramente, acho que a publicidade em revista poderia ser bem melhor. Existe muita mesmice e pouca ousadia nos anúncios. No segmento de beleza, por exemplo, a fórmula é quase sempre a mesma: Uma mulher bonita, uma frase de efeito e uma embalagem do cosmético responsável por aquele visual. Dezenas de anúncios com a mesma receita.

Nos grupos de leitoras, depois de vê-las folhear a revista, perguntávamos o que mais tinha chamado a atenção. Raramente citavam essas propagandas. Lembravam das campanhas de varejo, com produtos desejados e preços atraentes, comentavam um ou outro anúncio mais ousado, mas quase nada dos anúncios papai-mamãe.

Faltava neles uma imagem impactante e uma mensagem forte que as convencesse dos seus benefícios. Passavam batido, por exemplo, pelo “xampu que deixa seus cabelos sedosos”, mas paravam para olhar a imagem de uma cabeça com fios de arame farpado e a promessa do “creme que devolve em 8 dias a maciez dos cabelos estragados pela chapinha”.

Lembro de dois anúncios que fizeram muito sucesso com o nosso público. Um deles, de uma marca famosa de ketchup, dizia que havia oito tomates dentro de cada embalagem – e fotos dos benditos tomates. As leitoras ficavam impressionadas: “Meu filho adora ketchup. Não sabia que era tão nutritivo.”

Outro mostrava que a maionese anunciante tinha menos calorias do que o azeite de oliva, com a imagem grande de uma colher de azeite e o número de calorias. “Nossa, achava que a maionese tinha muito mais”, elas se surpreenderem.

Meu desejo, claro, era que os anunciantes acertassem ao máximo na propaganda. Assim, agradariam mais nossas leitoras, venderiam mais os seus produtos e, óbvio, voltariam a anunciar com a gente. Mas muitas vezes chegávamos à triste constatação de que tinham jogado dinheiro fora. Comprado alguns segundos de atenção das leitoras para dizer algo que não permanecia vivo na memória delas nem por dez minutos.

Um dia, passei por uma terrível saia-justa. Contrariando a recomendação do nosso diretor de publicidade, contei para um anunciante da nossa sondagem informal e ele pediu para incluir a propaganda dele no próximo grupo. Na semana seguinte, vieram ele e a agência saber do resultado.

“E aí, elas gostaram?”

O anúncio em questão trazia uma mulher, uma frase de efeito e uma embalagem do produto. E foi solenemente ignorado pelas leitoras (e olha que a gente apertou pra ver se elas confessavam!). Tomando cuidado com as palavras, contei que o impacto havia sido razoável, que nossas leitoras gostavam muito daquele tipo de produto, mas era sempre bom inovar na forma, usar uma imagem mais ousada etc.

O cliente agradeceu com entusiasmo e me senti feliz em poder ajudar.

No dia seguinte, nosso diretor de publicidade me repassou o e-mail que recebeu da agência.

“Vocês são uns grandissíssimos @!#?@!”

Foi a última vez que testei anúncios com nossas leitoras.

*Demetrius Paparounis é jornalista, consultor em comunicação e diretor da TAG Content. 

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