Pode ser a gota d?água
Bibi Ferreira encerrou seu show de comemoração dos 90 anos de vida apresentando-se no Teatro Frei Caneca em São Paulo com transmissão direta, em HD, para mais de 30 salas de cinema no Brasil inteiro. O talento de Bibi, a competência dos produtores da versão cinematográfica do espetáculo e a resposta do público consolidam as projeções de eventos ao vivo, via satélite, em alta qualidade para as salas de cinema que, por sinal, nesse último dia 13 retomaram as apresentações das óperas diretamente do Metropolitan de Nova York. Tudo graças ao cinema digital.
O Festival do Rio, maior festival de cinema da América Latina, terminou sua edição de 2012 provocando uma ampla discussão sobre o processo de digitalização do parque de exibição de cinemas no Brasil. O evento, além do acervo de filmes, promove debates sobre o negócio do cinema e, mais uma vez, destacou a urgência do cinema nacional adotar os padrões de projeção digital dos Estados Unidos e Europa diante das expectativas que o filme em película tem data marcada para desaparecer e, pasmem, não passa de 2015.
O problema é que das 2,4 mil salas de cinema no Brasil, pouco mais de 600 contam com o sistema digital internacional de projeção, ou seja, 75% das salas brasileiras têm 24 meses para se ajustarem aos novos padrões. Quem paga essa conta? Os otimistas acreditam que se adotado o sistema americano em que parte dessa fatura é paga pelas distribuidoras de conteúdo que admitem não terem mais o ônus das cópias em 35mm, aliado ao financiamento público e ao próprio desempenho do cinema digital, e suas variáveis tal qual Bibi Ferreira, a conta é capaz de fechar.
Deste otimista tripé somente o público vem cumprindo a sua parte aumentado o faturamento e a ocupação média das salas digitais. As distribuidoras internacionais, sob o pretexto que necessitam das aprovações das suas matrizes não assumiram a transferência de recursos para a modernização das salas de cinema e o governo ensaia medidas como a desoneração dos equipamentos importados, mas ainda é tímido na adoção de uma política nacional para a exibição.
Esse intrincado quebra-cabeça ainda convive com a realidade de que o Brasil necessita de mais 2,5 mil salas de cinema. Ou seja, além de atualizar os projetores de 75% das cabines existentes, o mercado tem que providenciar o dobro de cinemas para suprir a demanda da equação público/conteúdo que hoje faz com que um filme saia de cartaz ainda com público para assistir e muitos outros sequer entrem no circuito.
Não bastasse tudo isso o jornal Folha de S. Paulo, em sua edição de 9 de outubro, na capa do caderno Ilustrada, traz matéria sobre os esforços da Ministra da Cultura, Senadora Marta Suplicy para destravar na Câmara o projeto do Vale Cultura que injetaria no consumo de serviços e produtos culturais, entre eles o cinema, recursos na ordem de R$ 7 bilhões por ano. Se admitirmos que desse montante 20% podem ser destinados para a compra de ingressos de cinema, isso significa que em um ano o mercado dobra de tamanho.
Por mais que neguem, todos os envolvidos na cadeia produtiva do cinema sabem que o sistema está colapsado e que sobrevive graças às suas próprias vistas grossas treinadas para enxergarem as árvores e não a floresta. Dessa forma os produtores nacionais alardeiam sua necessidade de captar recursos para filmar e, se filmado, reivindicam calendário de lançamento. Os donos de sala reclamam dos custos da construção de novos cinemas, das condições impostas pelos shoppings e pedem generosas linhas de crédito oficiais para modernizarem suas instalações. Os distribuidores, responsáveis pelo equilíbrio do mercado, diante da carência de salas de cinema no Brasil, deixam centenas de latas “de lado”, seja do produto nacional, seja do internacional independente.
Por sua vez o público (ah, o respeitável público) assiste a tudo e espera, como no clássico de Chico Buarque e Paulo Pontes, imortalizado pela interpretação de Bibi Ferreira, para que “qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d`água”.