Como Gandja Monteiro transita entre séries, cinema e publicidade
Filha de brasileiros radicada em Los Angeles fala sobre a experiência de dirigir campanhas, episódios de séries como Wandinha, curtas e longas-metragens
Gandja Monteiro é uma itinerante. Nascida em Nova York, é filha de mineiros – a mãe é de Belo Horizonte e o pai, de Itabira – que saíram do Brasil da década de 1970 em busca de uma maior abertura cultural e política. Dos dois aos nove anos, viveu no Rio de Janeiro e, hoje, mora em Los Angeles, mas a rotina de filmagens a mantém sempre em giro pelo mundo.
Além da fluência em português e do amor à cultura brasileira, Gandja herdou dos pais a sede por novas ideias e acabou se tornando diretora de cena. Ela dirigiu episódios de séries como Agatha All Along e Vision Quest, da Marvel com a Disney+, The Witcher e Wandinha, ambas da Netflix – é dela, aliás, a direção da campanha “Pezinho”, parceria entre o Nubank e o streaming.
O comercial não foi a primeira incursão de Gandja no audiovisual publicitário: ela já realizou campanhas para marcas como Coca-Cola, Google, Adidas, Smirnoff, Nike e AT&T. Hoje, ela faz parte do time de diretores de cena da Iconoclast Brasil.
Entre séries e comerciais, ela também se dedica ao cinema. No momento, está dirigindo seu primeiro longa-metragem., que tem Anthony Ramos e Bad Bunny como protagonistas e será lançado pela Warner Bros.
Nesta entrevista, a cineasta fala sobre a experiência multicultural, sua incursão no mundo do cinema, processos criativos e direção de cena na publicidade.
Formação no exterior
Muitas vezes, jovens cineastas chegam empolgados com o fato de eu ter conseguido crescer aqui. Mas é importante dizer que eu meio que sou dos EUA – morei no Brasil quando pequena e sou muito orgulhosa de ser brasileira. Se tivesse crescido no Brasil, não teria tido as mesmas oportunidades, porque é um país muito classista, elitista. Minha carreira cresceu onde eu estudei e cresci.
Do teatro ao cinema
O cinema entrou na minha vida através do teatro. Tinha muita vontade de estudar teatro quando morava no Rio, mas, quando cheguei a Nova York, tinha vontade de fazer todos os tipos de arte, de estudar dança. Era meio fascinada por balé e musicais. Estudei no Abrons Arts Center e lá tinha aula de dança e de teatro todo dia. Quando vi que, diferentemente do Brasil, o acesso à arte era financeiramente acessível em Nova York, fui com tudo. Fiz aula de balé, sapateado, jazz, todos os tipos de treinamento em artes dramáticas, teatro. Acabei estudando numa escola de artes cênicas famosa, a La Guardia High School of Music and Performing Arts. O filme Fame foi beaseado nessa escola. Quando fiz meu primeiro curta, aos 17 anos, através do Film Makers Workshop da New York University, me toquei que a minha paixão, na verdade, era por direção, por criação. Daí resolvi estudar isso e, nessa época, trabalhei como bartenter para poder pagar a faculdade.
Liberdade criativa na direção de séries
A parte mais misteriosa e enigmática do mundo da TV é como é esse processo de direção. Talvez as pessoas tenham uma visão um pouco romantizada de Hollywood. Nessa estrutura contemporânea de direção de TV, filmamos quase sempre em blocos de dois episódios. Tenho feito muitas primeiras temporadas, estabelecendo o estilo da série, o look dos episódios. Acabamos tendo mais liberdade. Se estivesse fazendo uma terceira, uma quinta temporada, o look já é tudo meio pré-planejado, a primeira ainda estamos entendendo qual é a estética, a linguagem. Wandinha foi filmada fora da ordem pelo fato de a logística dos atores Catherine Zeta-Jones e Louis Gusman. Eles só estavam disponíveis por cinco semanas, então tivemos que filmar todos os episódios com eles o mais rápido possível.
Era de ouro da TV e boom do streaming
A era de ouro da TV, que começou com Sopranos, The Wire, Six Feet Under. Séries da HBO que foram muito fortes em termos de qualidade, ambiguidade moral. Daí veio a era de ouro do sreaming. Só em 2018 ou 2019 tinham umas 530 séries sendo produzidas nos Estados Unidos. Isso criou muita oportunidade, mas criou um vácuo muito específico no mundo da TV. Trabalhei com todo tipo de showrunner, do mais ao menos experiente. Dá para ver muita diferença: antes, as séries tinham, no mínimo 22 episódios por temporada. Isso criou uma universidade para os roteiristas que estão na sala de roteiro. Com esse boom do streaming, criou-se muito conteúdo e nem sempre as séries estavam sendo distribuídas de maneira sensata. Depois das greves de 2023, cerca de 40% do conteúdo que estava sendo produzido foi cortado. A indústria está diferente, mas cada série é um bootcamp de formação diferente.
Greve dos roteiristas
Nos EUA, os sindicatos são muito fortes. A solidariedade é muito importante nesses momentos, atores e roteiristas se uniram contra o status quo. As filmagens pararam por quatro ou cinco meses, foi um momento bem sensível na indústria e agora que estamos sentindo as reverberações de uma maneira real. Ficou mais caro produzir uma série, um filme. As limitações em torno da tecnologia mudam um pouco o escopo.
Impactos da IA no audiovisual
A IA não pode não tirar a humanidade do processo criativo, porque a humanidade, a experiência de ser humano em 2025 é o que torna os projetos emocionais, subjetivos. O cinema, para mim, é muito subjetivo, sobre personagem, sobre emoção. Meu trabalho é muito estético, trablho no mundo dos gêneros, que requer uma construção de mundo que gosto muito. Como Guillermo Del Toro disse, é muito bom o prego batendo, do cheiro da madeira, da cosntrução de cenários. O que faço é muito ampliado pelo computer graphics, mas às vezes se perde um pouco. Os filmes que mais amo foram feitos com efeitos práticos, como Metrópolis, do Fritz Lang, ou O Mágico de Oz. Não parece que o visual effects está datado nesses longas. Ao mesmo tempo, minha carreira não teria sido possível sem o digital, então acho que tem que haver um equilíbrio.
Relação com as telas
Comprei meu primeiro computador quando tinha 13 anos, com o dinheiro que ganhei sendo babá. Então, sou muito rata de internet. Mas, ao mesmo tempo, entendo que fico preocupada com meu foco. Quando estou dirigindo algo, fico muito séria, focada, por horas seguidas. Tenho um relacionamento complicado com a social media. É uma distração massiva. Não quero que ela controle minha vida nem minha mente, então sou cuidadosa. Vou muito ao cinema, essa é a melhor parte de morar em Los Angeles. É diferente assistir um filme numa sala, com uma tela muito maior, do que assistir um filme em casa com o telefone do lado.
Papel do marketing no cinema
O cinema é maleável em todos os aspectos: como é concebido, desenvolvido, financiado, produzido. O especial sobre uma cena filmada é que pode ser feita infinitas vezes, de diferentes maneiras e estilos. Ser diretora é algo muito humano, é criar uma maneira de ver, de ter a experiência da cena, do personagem. Se o marketing entra só no momento tradicional numa era que não segue mais as regras das mídias tradicionais, um filme legal pode nunca ser visto. Há projetos muito legais que são desenterrados depois de anos. O Long Legs é um filme muito interessante e a Neon fez um trabalho fez um trabalho incrível de marketing durante meses. Dizem que hoje, não há nem mesmo a segurança do star power do ator. Se não tem o marketing necessário, acaba que ninguém vê. É muito sobre o mundo nebuloso da estratégia.
Direção na publicidade
Comecei a fazer publicidade antes de entrar no mundo da TV e do filme, trabalhando no Brasil e nos Estados Unidos, mas com um estilo que não era necessariamente o meu. A moda era o das pessoas reais, do branded content, e eu sempre tive um estilo mais documental. Estou voltando para a publicidade agora e eu amo. Cada cena que eu filmo é um momento. Tudo dá para ser reduzido a 30 segundos, um minuto e meio, três minutos e meio. A publicidade oferece especificidade e a possibilidade de esculpir a cena, o craft. E tem o público, que é muito amplo. É legal ter acesso a tanta gente, pensar na maneira que a pessoa se sente, entregar o produto de uma maneira natural, sem ser cringe. Tem um lado da publicidade que pode ser muito cringe. Temos a possibilidade de fazer o conteúdo ser cool e fresco.