Mídia

A fórmula atemporal e universal de Chaves

Roberto Fernández, filho de Bolaños e líder do Grupo Chespirito, divide estratégias para atrair novos públicos enquanto mantém essência

i 10 de outubro de 2025 - 7h08

Nesta sexta-feira, 10, o Shopping Via Parque, no Rio de Janeiro, recebe Chaves – A Exposição, mostra que reúne o acervo original do seriado, incluindo figurinos e roteiros, e experiências interativas e imersivas para o público. A exposição espera receber 100 mil visitantes e o filho do criador de Chaves, atual líder do Grupo Chesperito, Roberto Gómez Fernández, concedeu entrevista ao Meio & Mensagem durante visita ao Brasil.

Exposição de Chaves

Com 1.000 m², exposição tem os cenários da vila (Crédito: Divulgação)

Sucesso de audiência e licenciamento, Chaves é um dos produtos de ficção televisivos mais exibidos desde sua estreia: exibido no Brasil pelo SBT a partir de 1984, o programa se tornou um pilar da grade da emissora por mais de 35 anos. Estima-se que, até uma pausa no contrato com a Televisa – que distribui o conteúdo – em 2020, a série tenha gerado mais de US$ 1,7 bilhão em receitas para a empresa. Atualmente, a série está disponível em Netflix, Prime Video, Globoplay, +SBT e Multishow.

A série Chesperito: Sem Querer Querendo (2025), sobre a vida de Roberto Gómez Bolaños, lançada pela HBO Max, se tornou a produção latina mais assistida na história da plataforma. Agora, com um plano de conteúdo focado em aprofundar a história dos personagens, o Grupo Chesperito quer se aproximar das novas gerações, sem perder a essência da criação de Bolaños, afirma Fernández.

A exposição é produto de uma das verticais do Grupo Chesperito, que faz a gestão dos direitos de propriedade intelectual dos personagens. No Rio de Janeiro, a iniciativa é apresentada pela Prio, cujo objetivo é se conectar ao público por meio da emoção e da memória afetiva, e tem patrocínio máster da SulAmérica. A exposição integra as ações de celebração dos dez anos da Prio.

Para Olívia Richardson, head de marketing e comunicação da Prio, como fenômeno atemporal, Chaves mostra a força da simplicidade e a capacidade de traduzir emoções universais ao público. “Essa combinação faz com que o programa una gerações e permaneça vivo na memória coletiva, renovando seu público constantemente. Mesmo sendo uma criação mexicana, Chaves foi adotado pelo Brasil e se tornou parte da nossa cultura popular. Para as marcas, essa força simbólica é valiosa: Chaves desperta emoção verdadeira, inspira conversas autênticas e cria um espaço de comunicação baseado em nostalgia positiva e pertencimento”, afirma.

Adjetivado como atemporal e universal tanto por Olívia quanto por Roberto Gómez Fernández, o universo de Chaves quer ganhar novos territórios a partir do audiovisual. O sucesso da série biográfica permitiu que novos públicos tivessem acesso à história. E o grupo prepara conteúdos novos para manter o público fiel, como a a série animada do Chapolin Colorado, que quer expandir o universo de personagens para além de Chaves, utilizando um formato moderno para alcançar novas gerações. Outros planos envolvem remakes e histórias em quadrinhos.

Produto mexicano com apelo brasileiro

Em entrevista ao Meio & Mensagem, Roberto Gómez Fernández, líder do Grupo Chespirito, detalhou os planos para a marca, o impacto do recente hiato de exibição e a estratégia para modernizar a obra de seu pai.

Roberto Gómez

Roberto Gómez Fernández, filho de Roberto Bolaños e líder do Grupo Chespirito (Crédito: Divulgação)

Meio & Mensagem – Qual é a fórmula para manter a marca Chaves tão forte depois do final da série nos anos 80?

Roberto Gómez Fernández – Temos a vantagem de que é uma série extraordinária, atemporal e universal, com valores universais. A fórmula mais simples é mostrá-la ao mundo em todas as suas formas possíveis. Desde quando a série original foi lançada, ela foi passando na prova do tempo, foram 25 anos de gravação do programa e, nesses 25 anos, sempre teve muito sucesso. Agora, 30 anos depois disso, continua com esse ímpeto, não é? Esse é o efeito da série original, de todos os personagens, do Chaves, do Chapolin, que, felizmente, tinha esses dois elementos: atemporal e universal.

M&M – Chaves é um caso de um produto de entretenimento mexicano que se tornou parte da cultura brasileira. A que você atribui essa conexão tão forte com o Brasil?

Fernández – Somos um povo muito parecido. México e Brasil têm muitas coincidências muito fortes em todos os sentidos: culturalmente, na forma de ver a vida, de encará-la emocionalmente. Somos também ambos países de altos contrastes, onde convivemos com uma grande diversidade de personagens, por assim dizer. E, além disso, esses personagens também são similares. É a reprodução de uma vila originalmente do México, mas é muito reproduzível em qualquer parte da América Latina ou do mundo. Mas especialmente no Brasil, há um reflexo natural. Os personagens que vivem na vila são identificáveis no Brasil também. Há um Chaves e um Seu Madruga em cada esquina do Brasil também. O humor também tem muita coincidência. Poderia parecer que é um produto que nasceu no Brasil, inclusive.

M&M – Em um cenário de grandes players globais de streaming, como negociar os direitos de um conteúdo emblemático, mas tão enraizado regionalmente?

Fernández – No consumo de conteúdos, há revoluções. A partir da pandemia, houve uma elevação de consumo. Isso transtornou e moveu a forma de comercializar o conteúdo. Felizmente, [Chaves] também entra nesta categoria de clássico. E como tal, tem mais possibilidades de ter uma vida longa, e isso ajuda. É um produto fantástico para que seja parte da biblioteca de qualquer plataforma de streaming, sobretudo o que tem a ver com a série original. Já outros produtos novos, diferentes, como a série biográfica [Chesperito: Sem querer querendo], por exemplo, são tratados de outra forma, mas obviamente estão sob o guarda-chuva do conteúdo de Chaves.

Expansão da marca Chaves

M&M – Recentemente, houve um hiato de quatro anos na exibição da série devido à disputa entre o Grupo Chespirito e a Televisa. Qual foi o impacto dessa ausência para a marca e a conexão com o público?

Fernández – Bom, primeiro, sem dúvida, foi um lapso muito grande. Foram quatro anos. Quatro anos fora do ar, em qualquer plataforma, em qualquer território, e isso impacta, não é? Felizmente, as qualidades do produto permitiram que ele ressurgisse de novo, mas sem dúvida estava começando a impactar. Talvez se fosse outro tipo de conteúdo, outros personagens, outra obra, tantos anos fora do ar teriam sido letais. Mas, felizmente, voltou a pegar impulso. Tem um certo efeito, talvez eu pudesse dizer positivo, que gerou expectativa também. E por ter estado tanto tempo no ar, era como se fosse o Sol, não é? Que nasce todos os dias. Ao tirá-lo, o público começou a sentir falta, saudades. Talvez teria sido uma boa estratégia se tivesse sido um lapso mais curto,  um ano, dois, talvez no máximo. Quatro foi muito. Mas, felizmente, está aí de novo.

M&M – A série Chesperito: Sem Querer Querendo, lançada pela HBO Max, foi um sucesso, tornando-se a produção latina mais vista na história da plataforma. Como isso impacta a estratégia de expansão da marca?

Fernández – Evidentemente, haverá um efeito muito positivo. A verdade é que pensávamos que poderia ir bem, mas superou as expectativas. Em toda a América Latina e, inclusive, na Europa e em outros países teve um bom nível de consumo. O que aconteceu na América Latina foi excepcional. Sem dúvida, isso fortalece a marca e, entre outras coisas, atrai público que não necessariamente conhecia que existia o Chaves, os personagens, mas agora viraram para ver e se engajaram. Sem dúvida, gerou nova audiência e é uma plataforma perfeita para seguir com nossos planos.

M&M – Como foi o processo para equilibrar a homenagem afetuosa com a necessidade de contar uma história com conflitos e nuances?

Fernández – A pergunta que você faz é com o que vivemos nos últimos anos para o desenvolvimento da série. Era necessário esse equilíbrio. Não pretendia ser uma homenagem, porque isso seria pouco atrativo como produto de ficção, mas devíamos ser fiéis à vida e obra de Roberto Gómez Bolaños. E ao ser fiéis, devíamos sim contar ao mundo o que era Roberto Gómez Bolaños, com essas grandes virtudes que poderiam gerar essa espécie de homenagem, mas também era uma pessoa, um ser humano de carne e osso, com defeitos e virtudes, e era preciso apresentar isso assim também. Estando envolvidos como família, ou seja, minha irmã Paulina e eu, que escrevemos os roteiros, tínhamos um grande desafio de ser objetivos. Acredito que foi alcançado. Tentamos traduzir a essência do personagem, que era muito emotivo e não tinha grandes explosões e nem grandes eventos dramáticos, então não podia haver isso, mas sim havia uma importante dose de emotividade. Foi o que tentamos trazer com com eventos interessantes e, obviamente, conflito ao redor de sua criação e de sua vida privada.

M&M –  Chaves teve diversas adaptações e expansões. Quais são os principais desafios de modernizar esses personagens e narrativas para novos formatos sem perder a essência que os tornou tão queridos?

Fernández – O que devemos conseguir é manter a essência, não modificar a essência. Penso: “O que estaria dizendo meu pai? O que estaria fazendo?”. Então, tentamos manter a essência, porque é algo bom. Teve o sucesso que tem graças a essa essência. Mas, ao mesmo tempo, é preciso aproximar as novas gerações, as novas audiências que são muito diferentes de décadas anteriores e são mais exigentes em muitos sentidos. É preciso encontrar esse equilíbrio, mas priorizando a essência. Ou seja, não podemos modificar tanto que tenha esses elementos quase formulaicos do que consomem agora, sem manter a essência. Não, primeiro temos que pensar que deve ser atrativo por si só, com as virtudes e o que tornou grande a propriedade.

M&M – Quais são as principais frentes de receita do universo de Chaves atualmente? Licenciamento, audiovisual, produtos ou experiências?

Fernández – É uma combinação e acho que está balanceada. Há um equilíbrio no conteúdo, nas licenças. Sempre temos também um filtro, temos muito cuidado na maneira de exploração comercial. No conteúdo, por exemplo, para fazer a série Sem Querer Querendo, foram cinco anos de desenvolvimento. Com esse nível de cuidado que temos que fazer as coisas, porque a tentação de comercializar e explorar rapidamente e em grandes dimensões é perigosa, porque pode modificar a essência e a natureza. Eu priorizo que chegue às pessoas o que Roberto Gómez Bolaños pensaria que deveria chegar independentemente de números ou fatores comerciais. Às vezes se desesperam um pouco comigo nesse sentido, mas acho que é, é minha responsabilidade poder manter isso.

Novas tecnologias e plataformas

M&M – Seu pai foi um mestre da comunicação de massa em sua época. Se ele estivesse criando hoje, com acesso a plataformas como YouTube, inteligência artificial, como você imagina que ele contaria suas histórias?

Fernández – Não seriam muito diferentes. Talvez as adequaria a estas, por um lado, mas não necessariamente ao que as audiências pedem, porque ele nunca atendeu a nenhuma necessidade de audiência. O que ele fazia era gerar o que a ele gostaria como público. Só que ele também já teria tido outro treinamento, por assim dizer, a sensibilidade para entender o que funciona e o que não. Com todos esses anos de evolução na forma de gerar conteúdos, ele já teria tido outra perspectiva que o faria mais ágil, talvez, com outros elementos, mas continuaria tendo a mesma fórmula, que era não ter nenhuma fórmula e não dar atenção a nenhum estudo de mercado, nem a nenhum grupo focal. Para fazer diferentes coisas, passamos por estudos de mercado e grupos focais para avaliar as audiências vendo o conteúdo. Acredito pouco nessas metodologias, mas as necessidades do mercado exigem elas, digamos. Mas ele continuaria atendendo à sua intuição, ao seu faro e à sua sensibilidade.

M&M – O que ele pensaria da criatividade na era da inteligência artificial?

Fernández – Ele gostava dos avanços na tecnologia, sempre gostou. Tenho certeza que o assustaria, por um lado, pelos grandes riscos, mas como uma boa ferramenta também, abre um panorama de oportunidades imensas. Como ferramenta, ela pode ser usada de diferentes formas. Tenho certeza que ele encontraria essas grandes oportunidades com muita precaução.

M&M – Você imagina um futuro em que o universo Chespirito possa se expandir através de experiências imersivas?

Fernández – Sem dúvida, o terreno é perfeito. Já tivemos certa experiência nisso, na Cidade do México, e foi muito boa, e sem contar com a tecnologia que há hoje. Então, sim. Pode ser uma forma de tornar os demais personagens mais conhecidos e difundi-los. É um terreno idôneo para isso.

M&M – Olhando para os próximos dez anos, qual é a sua visão para o futuro do universo Chespirito? Quais são suas maiores ambições?

Fernández – O que eu gostaria, obviamente, é mantê-lo ativo, que é um desafio já suficientemente grande. Que as gerações sigam desfrutando e admirando a obra, mas também poder expandi-lo. E expandi-lo a outros territórios, fazê-lo realmente um produto global, de impacto global. Essa é “la tirada” [gíria mexicana que significa “a meta”], como dizemos no México.