Vencedor do prêmio Amazon ressalta importância do JT
Jornalista Ferdinando Casagrande, que venceu premiação com reportagem sobre o Jornal da Tarde, explica como essa história pode inspirar o jornalismo atual
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Igor Ribeiro
29 de novembro de 2019 - 13h00
Em sua primeira edição, o Prêmio Livro-Reportagem da Amazon consagrou a obra Jornal da Tarde: Uma Ousadia que Reinventou a Imprensa Brasileira, de Ferdinando Casagrande. Um júri formado pelas empresas parceiras do evento – Amazon, Editora Record e Jornalistas & Cia – anunciou no início do ano a premiação em dinheiro e a edição do livro, que já estava no Kindle, também em impresso, lançado esta semana.
Ferdinando teve a ideia do livro como um registro da importância histórica do jornal, quando a notícia de seu encerramento começou a tomar corpo. O trabalho envolveu pesquisas nos arquivos do Grupo Estado, entrevistas com os profissionais que fundaram o jornal e um extenso processo de redação, edição e revisão que durou dois anos e meio. Em março de 2016, o livro ganhou sua primeira vida digital, pela Alpendre, e no ano passado numa nova edição, independente, por meio do Kindle Direct – o edital do prêmio prevê que a obra esteja na plataforma para concorrer.
Entre o nascimento e o encerramento do jornal, o autor recupera algumas das principais histórias da redação que contou com nomes como Alberto Helena Júnior, Carlos Brickmann, Celso Ming, Cláudia de Souza (Monja Coen), Ivan Ângelo, Judith Patarra, Laurentino Gomes, Luiz Macklouf Carvalho, Luiz Nassif, Luiz Rufatto, Marcos Faerman, Marinês Campos, Mino Carta, Percival de Souza, Roberto Avalone, Sábato Magaldi e William Waack. Esse time e muitos outros que atravessam as 364 páginas do livro tornaram a redação do Jornal da Tarde um ícone do novo jornalismo no Brasil, com reportagens profundas, narrativas elaboradas e um design gráfico arrojado, como ainda não se via em outras publicações no País.
O próprio autor teve duas passagens pelo Jornal da Tarde e revela que se decidiu por ser jornalista por causa da publicação. “Era o jornal que o meu pai lia e levava para casa todas as noites quando eu era adolescente, nos anos 1980, e era um título absolutamente empolgante naquele tempo. Então, como admirador do JT que sempre fui, eu sabia da importância que ele tinha na história do jornalismo. E eu achei que essa história precisava ficar registrada para as gerações futuras”, diz Ferdinando. Além do JT, ele passou por Veja São Paulo, Gazeta Mercantil e Nova Escola, entre outros. Também viveu em Angola, como consultor de uma editora em local, e desde 2013 mora em Nova York, de onde ainda realiza trabalhos no universo editorial e trabalha em novos projetos literários. Sobre a nova edição do livro, ele falou com Meio & Mensagem.
“Os jornalões não indicavam filmes, livros, peças de teatro ou restaurantes, porque isso era considerado publicidade. As corridas que atraíam tantos jovens para Interlagos até eram noticiadas, mas os fabricantes dos carros não podiam ser citados pelo mesmo motivo. O Jornal da Tarde rompeu com tudo isso”
Meio & Mensagem – Resumidamente, como que a família Mesquita avalizou a criação do Jornal da Tarde? O que inspirou o time que o criou e como se deu a elaboração do projeto?
Ferdinando Casagrande — Em 1964, o grupo Estado era comandado por dois irmãos Mesquitas. O Julio Filho, que dirigia a redação do Estadão, e o Francisco, que cuidava da administração. Cada um tinha três herdeiros e eles precisavam reorganizar a empresa para a chegada da nova geração ao poder. No ramo editorial, o doutor Julinho ia passar a direção do Estado para o seu primogênito, o Julio Neto. Mas o segundo filho, o Ruy, também era um excelente jornalista. Poderia ter permanecido como editor de Internacional, que era a editoria mais importante do Estado, mas o doutor Julinho enxergava no mercado espaço para um título que fosse da cidade de São Paulo, voltado para o público jovem. Foi assim que decidiram criar o Jornal da Tarde. Antes, porém, eles fizeram um piloto com a Edição de Esportes, que era dirigida pelo Carlão Mesquita, o terceiro filho do doutor Julinho. Nesse piloto, que já foi concebido e dirigido pelo Mino Carta, eles testaram a nova linguagem gráfica e de texto que pretendiam implementar no JT. Era uma edição semanal, que circulava às segundas-feiras, dia em que o Estado não saía. Ali o Mino formou a equipe original, com Ulysses Alves de Souza, Hamilton Dias Filho, Tão Gomes Pinto, Sérgio Pompeu, José Carlos Marão e Fernando Semedo. A eles, juntavam-se os filas que trabalhavam na cobertura da rodada de domingo, e que incluíam o Carlos Brickmann, por exemplo. Essa turma fez a Edição de Esportes por um ano, com enorme sucesso, antes de iniciar, em setembro de 1965, a criação do JT. Nesse momento a equipe cresceu e o Murilo Felisberto se juntou a ela. Eles conceberam a proposta e o Murilo foi recrutar jornalistas em Minas Gerais, todos indicados pelo Fernando Gabeira, enquanto o Mino formatava o projeto gráfico e a linha editorial. As edições de teste — os números zero, como são chamados — foram feitos ao longo de dezembro de 1965 e o jornal foi lançado em janeiro de 1966.
A despedida do Jornal da Tarde
Em 1966 a televisão estava chegando aos lares dos brasileiros e começava a conquistar o público jovem. Os jornalões sisudos, que ainda reportavam as notícias em textos formais, estritamente presos à norma culta da língua portuguesa, tinham dificuldade de concorrer com esse novo meio. O JT chegou livre dessas amarras, para conquistar esse público. Os jornalões, por exemplo, quando falavam de futebol, não podiam usar a palavra “entrosamento” na descrição de um time. O termo culto era “entrosagem”, e assim era grafado. Eles também não falavam da Jovem Guarda, que era considerada música vulgar. Nem indicavam filmes, livros, peças de teatro ou restaurantes, porque isso era considerado publicidade. As corridas que atraíam tantos jovens para Interlagos até eram noticiadas, mas os fabricantes dos carros não podiam ser citados pelo mesmo motivo. O Jornal da Tarde rompeu com tudo isso. Trouxe para as páginas dos jornais o mundo que os jovens viviam, na linguagem que eles falavam nas ruas. Por isso caiu no gosto dos leitores.
O JT também ficou muito famoso pelo projeto gráfico arrojado. Como ele foi concebido e qual era a ideia por trás?
O Murilo Felisberto era maldosamente chamado entre os colegas de “sovaco mais bem informado do jornalismo brasileiro”, porque sempre tinha embaixo do braço um calhamaço de publicações estrangeiras. Ele e o Mino conceberam aquele visual inovador, com fotos enormes para os padrões da época, muito espaço em branco, títulos que conversavam com as fotos e textos que subvertiam o lide tradicional. Mas nunca admitiram uma única fonte de inspiração. Alguns viam semelhanças com o italiano La Stampa e o francês 24 Heures na diagramação, embora algumas das fontes usadas tivessem saído da revista alemã Twen. Pelo menos uma seção, a “São Paulo Pergunta”, aberta para cartas dos leitores, havia sido inspirada no italiano Corriere dela Sera, que tinha um espaço semelhante chamado “Italia Domanda”. A pauta e o texto literário se inspiravam no New Journalism americano, que vinha sendo praticado em revistas como New Yorker, Harper’s Bazaar e Rolling Stone por jornalistas como Gay Talese, Norman Mailer, Hunter Thompson, Truman Capote e Tom Wolfe. O conceito era inovar em tudo, para vibrar na mesma frequência daqueles jovens libertários dos anos 1960.
“O JT apareceu num momento em que o formato do jornalismo estabelecido estava em xeque pela chegada de uma nova mídia, a televisão, e criou um novo padrão. Se você observar a estrutura, não é um cenário muito diferente do que vivemos hoje, com a internet e as redes sociais abalando as estruturas dos jornais”
O JT de fato reinventou a imprensa brasileira, como está no título de seu livro? Qual foi o impacto imediato e o legado de sua criação no jornalismo do País?
Sim, além das inovações gráficas que acabei de citar, o JT reinventou a maneira como se pautava o que era notícia. Ele trouxe o mundo real para as páginas e também mudou a maneira como ele era reportado. Seus repórteres buscavam sempre múltiplos ângulos da notícia, fugiam das versões oficiais, e libertavam o texto do vocabulário e das construções arcaicas da língua portuguesa. Aqueles jovens que inventaram o JT – o mais velho naquele grupo era o Mino Carta, que tinha 32 anos – souberam entender as necessidades de uma nova geração de leitores, os jovens dos anos 1960 que não pretendiam se enquadrar nos padrões das gerações anteriores em nenhum aspecto da vida. Como legado, para ficar em dois exemplos, temos as seções de cartas para leitores e o jornalismo de serviço, que hoje consideramos corriqueiro. Eles foram inventados pelo JT. Mas a principal lição que eu vejo para as novas gerações de jornalistas é a seguinte: o JT apareceu num momento em que o formato do jornalismo estabelecido estava em xeque pela chegada de uma nova mídia, a televisão, e criou um novo padrão. Se você observar a estrutura, não é um cenário muito diferente do que vivemos hoje, com a internet e as redes sociais abalando as estruturas dos jornais.
Pode citar algumas das coberturas ou histórias mais impactantes que você resgatou do JT? Tanto do ponto de vista de impacto da notícia, como de qualidade de narrativa?
Em seus primeiros 23 anos de existência, o JT ganhou 22 Prêmios Esso, maior honraria do jornalismo brasileiro. Entre as coberturas impactantes estavam a da Tragédia de Caraguatatuba, quando a Serra do Mar desabou na cidade do Litoral Norte paulista em 1967; a cobertura do primeiro transplante de coração da América Latina, feita por Ewaldo Dantas Ferreira em 1968; em 1970, Fernando Morais fez a primeira grande viagem pela Transamazônica, que estava sendo rasgada pelos militares no meio da floresta – outro Prêmio Esso para o JT. E temos o furo internacional do Ewaldo Dantas Ferreira, em 1972, que conseguiu localizar e entrevistar o criminoso nazista Klaus Barbie, que vivera escondido na Bolívia desde o final da Segunda Guerra Mundial. Essa reportagem repercutiu nos grandes jornais do mundo inteiro. Para fechar com um exemplo mais recente, em 1989 o JT esgotou nas bancas durante a série de reportagens de Anélio Barreto sobre o Crime da Rua Cuba, que havia chocado o Brasil às vésperas do Natal de 1988.
No decorrer do tempo, o JT perdeu diversas de suas características originais, até fechar como um jornal bastante diferente daquele criado em 1966. Acredita que um jornal como o JT original, de narrativas mais profundas, teria espaço hoje, num mundo em que a audiência parece cada vez mais seduzidas por vídeos curtos e outros formatos fugazes? Como vê o jornalismo e o consumo de conteúdo hoje?
Acho que um veículo de narrativas mais profundas, hoje, é um jornalismo de nicho. E a gente tem a revista Piauí fazendo um pouco esse papel, já, com muita qualidade. Ou seja, público existe. Não é de massa, não vai vender milhões de exemplares. Mas tem um potencial de atração de anunciantes, porque é um público qualificado, com alto poder aquisitivo, então é possível pagar a operação. O JT morreu porque a empresa queria reenquadrá-lo, mas nunca soube muito bem apontar em qual direção ele deveria seguir. O jornal nasceu profundo, com grandes reportagens, gastando horrores na produção de qualidade e conquistou a elite intelectual do país. De repente, ele precisava cortar gastos, vender milhões de exemplares e bater metas de lucratividade irreais. E aí um título que nasceu cult, tenta virar popular, com manchetes repetitivas sobre listas de benefícios da Previdência… Não tinha como dar certo, mesmo.
Sobre o consumo de conteúdo hoje, talvez o caminho de textos e vídeos curtos tenha de ser trilhado por quem tem necessidade de exibir números de page views, mas eu acredito que ainda exista espaço para conteúdo aprofundado. Os filmes de duas horas, seja no cinema, seja no Netflix, e os livros com mais de 200 páginas estão aí para provar isso.
Você faz parte de uma geração de jornalistas que viveu o impresso diário quando esse formato ainda tinha bastante relevância para a informação das pessoas. O jornalismo segue sendo uma força essencial da democracia, porém ele vive em conflito com cada vez mais elementos, numa constante luta pela atenção das pessoas, como redes sociais, plataformas de streaming, games e fake news. O que acha que deveria ocorrer para que o jornalismo volte a desempenhar um papel protagonista entre essa miríade de mensagens?
Tenho visto, recentemente, muita gente preconizando a morte do jornalismo. As mídias sociais e a internet seriam as grandes algozes do momento. Mas eu gosto sempre de lembrar que o jornalismo esteve moribundo em pelo menos outros dois momentos, quando também se previa que ele acabaria: por ocasião da invenção do rádio e, mais tarde, com a chegada da TV. E nós, jornalistas, que somos um pouco carpideiras por natureza, nos apressamos em enxergar o fim da nossa profissão. Bem, eu concordo que a crise, desta vez, parece mais profunda. Mas o que eu acho que está faltando ao jornalismo é entender qual é a real necessidade dos consumidores de notícias nessa nova configuração de plataformas. Quando a gente entender qual é essa necessidade e descobrir como atendê-la, os leitores pagarão felizes pela qualidade da informação que somos capazes de produzir. Eu gosto sempre de citar o caso da Netflix. O conteúdo que ela oferece, filmes e séries, não é muito diferente daquele que estava disponível nos canais abertos de TV desde os anos 1960. Mas a Netflix percebeu uma necessidade do público a partir das novas plataformas: o poder de decisão. Eu assisto o que eu quiser, no momento em que eu quiser e sem interrupções comerciais. Ela passou a oferecer isso e as pessoas pagam felizes por esse poder. O conteúdo, em si, não difere muito. O que muda é o formato de entrega, que tira o poder de decisão de quem transmite e o transfere a quem assiste. As empresas de comunicação precisam se reinventar para encontrar a nova equação do negócio. Mas por enquanto elas têm focado apenas em reduzir custos, o que dificulta a busca por inovações.
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