Imagine um mundo sem anúncios
Quanto o conteúdo iria custar sem o subsídio dos anúncios? Ele não é barato. Nós fizemos as contas
Quanto o conteúdo iria custar sem o subsídio dos anúncios? Ele não é barato. Nós fizemos as contas
Meio & Mensagem
7 de outubro de 2015 - 9h23
Por Simon Dumenco, do Ad Age
“Bem-vindo ao comercial para a nova opção do Hulu sem comerciais”, entoa um cavalheiro elegante em um novo spot de TV. Ele está sentado em uma poltrona com um livro grosso no colo; há uma lareira flamejante à sua direita e uma chaleira de chá na mesa à sua esquerda. “E agora nós estamos lendo o dicionário”, ele declara enquanto abre o livro em um vocábulo: ironia.
É, eu que o diga.
É importante notar que este senhor está ao ar livre. Não há teto sobre sua cabeça ou paredes ao redor dele. Sua lareira e seus móveis estão jogados em um trecho destroçado de calçada em um terreno baldio decadente (no Brooklyn, parece), com uma linha de metrô ao nível do solo fazendo barulho ao fundo. Qual é a mensagem aqui? O nosso herói é sem teto? Será que o peso financeiro do plano chamado No Commercials (US$ 11,99 por mês, quatro dólares a mais do que o eufemístico plano Limited Commercials) quebrou as suas contas domésticas?
Independente disso, o efeito é vagamente pós-apocalíptico ¬– o que faz sentido se você considerar o que poderia acontecer se tudo fosse livre de comerciais.
De certa forma, nós já sabemos. A decisão da Apple de suportar aplicativos iOS que bloqueiam anúncios no Safari, seu navegador, deixou o mundo de publicidade digital tremendo. Pelo menos 34% dos americanos adultos já usam ad blockers. Randall Rotherberg, CEO e presidente do Internet Advertising Bureau (IAB), escreveu em seu editorial no AdAge, chamado “Ad blocking: o apocalipse desnecessário da internet”: “Alguns sites, principalmente os que têm os millennials como audiência, já estão perdendo mais de 40% de sua receita vinda de publicidade por causa de ad blocking”, ele acrescentou.
Agora arredonde isso para 100% em todas as mídias, e imagine o que nós estamos chamando, em um experimento perverso, mas oportuno, de Mundo Sem Anúncios. Considere-o como uma espécie de carta de amor para a indústria que tem mantido as luzes acesas em vários lugares dos quais gostamos.
A expectativa é que os marketers gastem cerca de US$ 189 bilhões nos Estados Unidos neste ano, e 592 bilhões ao redor do mundo, de acordo com o eMarketer. Imagine o custo humano relativo a apenas a indústria de anúncios se essa despesa for embora -– todos os diretores-criativos-que-virariam-motoristas-de-Uber, pra começar.
E o lagartinho da Geico tendo que mendigar para manter o seu consumo de grilos e minhocas (Você sabia que 15 minutos poderiam te economizar 15% ou mais do seguro do seu carro? Não, você não sabia disso, e ninguém mais sabe). E a Flo da Progressive tendo que esperar por mesas no IHOP -– até que ela também perdesse esse emprego quando a receita do IHOP despencasse quando os consumidores começam a esquecer coletivamente da existência das panquecas Rooty Tooty Fresh ‘N Fruity.
Sem mencionar a Times Square monótona e sombria sem as suas garrafas gigantes de Coca-Cola e os M&Ms desproporcionais, frequentada apenas por senhoras semi-nuas com pinturas corporais e Elmos assustadores.
Para todos os haters de anúncios e ad blockers por aí, bom, tenha em mente: como o famoso copywriter Oscar Wilde escreveu uma vez: “Quando os deuses querem nos punir, eles respondem às nossas preces”.
Pelo bem do argumento esclarecedor -– para levar o sonho do ad-blocking ao seu lógico e terrível extremo –- o Ad Age fez algumas contas aproximadas sobre o quanto algumas mídias financiadas por anúncios custariam se todas as receitas de publicidade fossem embora. A saber:
The New York Times: mais de US$ 300, no mínimo, por um ano de assinatura digital
Em agosto, o The New York Times Company anunciou boas notícias: “Nós ganhamos 11 mil assinantes digitais no último trimestre”, disse o CEO e presidente da companhia, Mark Thompson. “Isso significa que, somando aos nossos 1,1 milhão de assinantes de impresso e digital, nós acabamos o segundo trimestre com 990 mil assinantes somente digitais”. (E, lá pelo fim de julho, esse número atingiu a marca de um milhão).
Então, bom para o Times por ter atraído uma massa crítica de assinantes digitais para ajudar a pagar seu enorme custo (US$ 344,8 milhões apenas no segundo trimestre). A receita de circulação no segundo trimestre cresceu 1%, chegando a US$ 211,7 milhões de dólares, enquanto a receita publicitária caiu 5,5%, atingindo US$ 148,6 milhões.
Mas, e se os consumidores magicamente bloqueassem todos os anúncios do Times? E se não houvesse receita de publicidade nenhuma? Pelas nossas contas aproximadas, vamos fazer uma suposição totalmente racional: as novas receitas viriam somente das assinaturas digitais. Atualmente, você pode assinar o Times online (web e smartphone) por US$ 3,7 por semana, ou US$ 195 por ano (há opções mais caras, mas vamos ignorá-las pelo bem da simplicidade). Pare substituir a receita de publicidade de US$ 148,6 milhões por trimestre, o Times teria que encontrar 3 milhões de novos assinantes que aceitem pagar a assinatura digital. Isso não vai acontecer, então vamos fazer outra suposição (duvidosa): que os leitores do Times são ricos o suficiente –- e devotados o suficiente -– para encarar um aumento massivo do preço.
Agora, a receita vinda das assinaturas somente digitais é de cerca de 185 milhões de dólares por ano (quase 80% da receita de circulação vem da edição impressa). Aumente a assinatura digital mais barata do NYT de US$ 195/ano para US$ 334/ano (ainda menos do que um dólar por dia!) sem perder nenhum leitor da edição impressa ou digital (boa sorte) e o Times pode, teoricamente, sobreviver sem publicidade sem ter que (ainda) reduzir a sua folha de pagamento ou outros custos.
TV: contas 50% mais caras e muito menos canais
Aqui, pelo menos, nós temos um modelo existente mais ou menos claro, graças à ascensão da TV do hábito de cord-cutting e a TV à-la-carte.
Além do plano No Comercials do Hulu, também temos o novo HBO Now, já sem comerciais, por US$ 14,99/mês. Enquanto isso, o CBS All Access, por US$ 5,99/mês, permite que você acesse mais de 6,5 mil episódios de TV e assista à CBS ao vivo -– mas com comerciais. Então, pelo bem do argumento, vamos aderir à matemática da Hulu de um extra de 50% para uma versão livre de anúncios, o que faria que um CBS All Access livre de anúncios custasse US$ 8,99/mês ou US$ 107,88/ano. Somente para The Big Bang Theory, The Late Show e similares.
Na verdade, isso não é muito diferente do que a maioria dos britânicos tem que pagar ao governo: 145,50 libras (cerca de US$ 225) pela sua “taxa de licença de TV”, a que sustenta a BBC (algumas dezenas de outros países, da Áustria à Itália, de Israel à Turquia, também impõe taxas de televisão aos seus cidadãos). Então, novamente, como o The Guardian relatou, a BBC anunciou mil demissões em julho “para lidar com as consequências de uma diminuição de 150 milhões de libras em sua receita no ano que vem, devido ao aumento do número de pessoas que não estão pagando suas taxas”.
Com a separação do cabo, a era do “universo de 500 canais” já está previsivelmente condenada. Mas sem a receita dos anúncios, as redes teriam que confiar sua renda inteiramente nos consumidores, seja diretamente, via streaming, ou indiretamente, por meio de seus provedores. E no começo deste mês, o Leitchtman Research Group relatou que o gasto médio mensal em TV por assinatura nos EUA é de US$ 99,10 -– um aumento de 39% desde 2010. Muitos de nós já pagam muito mais do que isso.
Encare um pacote teórico premium sem anúncios e pergunte: a família americana média pode pagar, digamos, US$ 1800 em televisão por ano? Provavelmente não, então imagine uma conta de TV a cabo à-la-carte de US$ 1200 dólares, que dá acesso a talvez uma dúzia de canais sem anúncios, no máximo. Incluindo a C-SPAN e a C-SPAN2.
Facebook: você pagaria 12 dólares por ano?
A receita do Facebook no trimestre mais recente foi de US$ 4 bilhões -– quase tudo vindo de publicidade. A gigante das mídias sociais relata que, em 30 de junho, tinha 1,49 bilhões de usuários ativos mensalmente. Simples, né? Cada usuário ativo mensal precisaria desembolsar cerca de US$ 2,69 por trimestre, ou cerca de US$ 10,75 por ano, para um Facebook totalmente livre de anúncios, financiado pelos usuários. O problema é que a maioria deles são de fora dos Estados Unidos e do Canadá. Na verdade, mais do que 450 milhões de usuários residem no que o Facebook chama de “resto do mundo” (qualquer lugar além de EUA, Canadá, Europa e Ásio-Pacífico), o que inclui o mundo em desenvolvimento, onde seria ainda mais difícil arrecadar taxas de assinatura modestas (para os padrões ocidentais).
Em junho, o Times publicou um editorial de Zeynep Tufekci, uma professora assistente da School of Information and Library Science da Univerdade da Carolina do Norte, intitulado “Mark Zuckerberg, me deixe pagar pelo Facebook”. Pensando no lucro da rede social por usuário -– vinte centavos de dólar por mês -– uma “soma lamentável, considerando que o usuário médio gasta cerca de 20 horas mensais no Facebook”, ela prevê uma rede paga que pare de rastrear seus usuários (ou seja, um Facebook livre de anúncios).
“Se pelo menos um quarto dos 1,5 bilhões de usuários do Facebook estiver disposto a pagar um dólar por mês para não ser rastreado com bases em seus dados”, ela escreveu “isso renderia mais de US$ 4 bilhões por ano”. Então, vamos lá: se um Facebook livre de anúncios custar US$ 12 por ano com a base de usuários ativos mensais caindo 75% para 375 milhões ao redor do mundo –- e as receitas do Facebook também caindo 75%…
Não vamos falar sobre o que acontece com o valor de mercado atual de US$ 265 bilhões do Facebook.
BuzzFeed: nós temos más notícias pra vocês
O BuzzFeed disse que no ano passado atingiu a marca de US$ 100 milhões de receita -– essencialmente por meio de publicidade. Em maio, o ComScore colocou o BuzzFeed na posição 26 na sua lista de 50 principais propriedades de mídia multiplataforma, com 76,7 milhões de visitantes únicos por mês (o número interno do BuzzFeed é mais alto). Apesar do investimento muito divulgado que o BuzzFeed está fazendo em “jornalismo legítimo” completo com agências de notícias e jornalistas políticos experientes, não é nenhum segredo que a maior parte dos views do site vem de sua cobertura de entretenimento e lifestyle. De fato, enquanto este artigo está sendo escrito, a homepage do BuzzFeed tem artigos como “Quem você deveria namorar, de acordo com as suas escolhas no Netflix?”, “Você consegue adivinhar o personagem de The Simpsons baseado apenas em suas cores?” e “Que tipo de pênis você merece baseado em seu signo do zodíaco?”.
Seriamente, todas essas histórias honestas do BuzzFeed levantam outra pergunta: “Quanto você gastaria com uma assinatura do BuzzFeed para continuar desperdiçando tempo no trabalho?” A resposta, é claro, é: US$ 0. Um Mundo Sem Anúncios é um Mundo Sem BuzzFeed.
Quanto ao valor central do BuzzFeed -– uma distração suave do desespero existencial que é a vida no escritório -– será que essa função não poderia ser cumprida de outra forma? Micro-doses de Zoloft misturado à água, talvez?
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