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NRF

Varejo precisa se preocupar com o longo prazo, diz CEO da Raccoon.Monks

Em sua quarta visita à NRF, André Palis aponta caminhos para a evolução de varejo diante de um cenário de complexidades


17 de janeiro de 2023 - 6h05

André Palis, da Raccoon.Monks: IA traz aplicações palpáveis para os varejstas (Crédito: Isabella Lessa)

A Retail’s Big Show é obviamente um ponto de encontro para os profissionais do varejo, mas o evento também tem atraído executivos de agências de publicidade e marketing – que notadamente nos últimos três anos têm ampliado suas ofertas para clientes do segmento.

No caso da Raccoon.Monks (antiga Raccoon, que em 2021 foi comprada pela S4 Capital e passou a integrar a rede global da Media.Monks), o portfólio de clientes atuantes no varejo, como Fastshop, Natura, Riachuelo e Vivara, faz com que a presença na feira se torne indispensável.

Em comparação às outras três edições da NRF que acompanhou, o CEO André Palis está sentindo um clima generalizado de cautela por parte dos varejistas neste ano. Uma das reações às incertezas impostas por fatores como o cenário macroeconômico é o debate sobre inteligência artificial. Segundo o executivo, este é um tema significativamente mais relevante, tanto na feira quanto no conteúdo do evento, do que assuntos como metaverso e NFTs (reforçando a fala de Paulo Correa, CEO da C&A, sobre o assunto).

Além disso, o CEO alerta para a necessidade de os varejistas olharem para o longo prazo, construindo um plano de diferenciação que leve em conta a experiência do usuário, seja qual for o ambiente, para evitar que a briga com a concorrência se restrinja a preço.

Meio & Mensagem – Você diz que inteligência artificial é um tema ainda maior do que metaverso na NRF. Quais têm sido as principais conversas em torno de IA e qual o estágio de adoção da tecnologia pelo varejo brasileiro?

André Palis – No Brasil ainda é incipiente o uso de IA, alguns times de marketing usam ferramentas pré-prontas. Aqui nos EUA, do que vi na feira e nas palestras, vemos abrangência maior de uso de IA para previsão de demanda, controlar processo logístico, devolução de produto. Está abrangente e depois da explosão do Chat GPT, as pessoas estão apaixonadas pelo que a ferramenta pode fazer. São aplicações palpáveis. É uma ferramenta gratuita que tem versão paga. Foi um divisor de águas, porque diferente de quando falávamos de NFT e cripto, todo mundo ficou empolgado mas não tinha tanta aplicação rápida. IA é diferente e eu, como agência de marketing digital, me preocupo com isso porque consigo ver como vai afetar meu negócio e o jeito com que interajo com meus clientes.

M&M – Quão relevantes são o metaverso e o NFT para o varejo?

Palis – Acho que rolou um frenesi, alguns testes legais, não acho que não vai avançar ou deixar de existir, existe obviamente um caminho. Estamos num momento em que é difícil prever ou apostar que é um caminho. Quando Meta diz que vai criar o metaverso… é muito difícil uma empresa dizer que vai criar o metaverso e que os varejos precisam estar lá. A gente vê testes, coisas que têm de acontecer. Já inteligência artificial, não. Como varejista, se quiser procurar ferramentas específicas para resolver problemas específicos através de machine learning, vai encontrar coisa boa e que vai mudar o jeito de trabalhar. Em termos de tendência, inteligência artificial está bem na frente.

M&M – Muitos dos CEOs e executivos de grandes marcas de varejo que subiram ao palco da NRF falaram que é preciso ter uma postura cautelosa em 2023. Qual sua análise sobre os ânimos dos varejistas em relação a investimentos neste contexto de incertezas?

Palis – Os clientes não estão conseguindo se posicionar direito em relação a 2023. Existe uma preocupação grande do que vai acontecer e, por isso, orçamentos e investimentos estão sendo segurados, todo mundo está com muita cautela, está acontecendo muita demissão, as pessoas estão tentando segurar o máximo possível porque não sabem como 2023 vai se comportar. Provavelmente ao longo do ano inteiro ainda veremos esse tipo de comportamento – não haverá grandes investimentos surgindo ou grandes projetos de inovação. Ainda existe uma parte remanescente da pandemia, que influenciou o jeito de o consumidor comprar, avaliar o que ele considera bom ou ruim na experiência digital. Os varejos não conseguiram correr atrás disso, a experiência que o consumidor considera que tem deve ser a média está muito longe do que deveria ser a média, então há frustração no processo de compra, seja no ambiente digital, seja pela falta de integração do digital com o físico. A gente vê avanço ao longo dos anos,– e estou falando de forma genérica, claro que tem empresas em fases mais avançadas – mas ainda está longe. Correr atrás disso é importante porque o grau de exigência do consumidor não vai diminuir.

M&M – A crise na cadeia de suprimentos, outro tema amplamente debatido nesta edição. Como os varejistas podem encarar esta questão?

Palis – Nesse aspecto há expectativa de que as coisas se regularizem um pouco mais. A China está voltando a abrir território, espero que não seja tão complicado quanto foi nos últimos dois anos. Mas muito varejista entendeu que controlar a oferta faz com que consigam trabalhar com margens muito mais altas. Relógios ou carros mais de luxo não estava disponíveis no mercado, era preciso entrar na fila para comprar um Rolex, um Porsche. Perceberam que podem trabalhar com preço muito maior controlando essa demanda. Isso vai continuar sendo uma tendência, por mais que esteja ficando regularizado, principalmente no varejo de luxo, ainda vai ter esse cuidado para não colocar produto demais no mercado para controlar preço e manter a percepção de exclusividade.

M&M – Na sua visão, o que significa experiência na loja física hoje, após tantas mudanças no comportamento do consumidor?

Palis – O consumidor do varejo, na faixa etária dos 18 aos 40 anos, o grau de exigência é maior porque tem muita informação e se acostumou a comprar no digital, que é uma experiência que não se consegue replicar na loja. Quando a pessoa entra na loja de roupa e quer ver categoria, cor e caimento exatos, é preciso perguntar ao vendedor. É mais frustrante do que estar deitado na cama com o dedo no scroll e filtro aplicado. Se a gente tentar utilizar a mesma forma de vender no digital para o varejo não vai conseguir replicar. A pergunta que fica, porque não tem uma solução específica, é o que meu varejo físico consegue trazer de diferencial para poder gerar valor para o cliente. Pode ser que o próprio vendedor consiga agregar valor de forma diferente. Tem produtos que a gente gosta muito de conversar antes de comprar. Às vezes compra eletrodoméstico caro e pesquisa muito, mas sentar com o vendedor que te explica, é algo que muitas pessoas buscam. Loja física continua tendo um papel importante de abranger um raio maior de atuação, papel de distribuição de estoque em alguns lugares. Mas continuaremos vendo mudanças frequentes na experiência da loja.

M&M – Quais os caminhos para que marketplaces se diferenciem daqui em diante, já que muitas marcas estão criando seus próprios marketplaces?

Palis – A diferenciação no online permite muitos caminhos, mas se falamos de um varejo de uma forma que trabalha muito em cima de marca, o diferencial virá com atributos de marca. Mas com o marketplace, o usuário não está buscando a marca em si, seja no Magalu, na Amazon, no Mercado Livre. Na maioria das vezes está comprando por causa experiência que consegue extrair daquela compra. Com Mercado Livre, a compra é fácil: no app encontra fácil o produto desejado, aperta dois botões e o endereço e método de pagamento estão salvos. É muito fácil de resolver no dia a dia. Acredito que o marketplace vai gerar mais valor através dessa experiência de como consegue antever o que o cliente dele precisa e entregar para ele da melhor maneira possível. Antes, o processo de pegar um táxi era frustrante, você tinha que ligar. Veio o Uber e agora a pessoa aperta dois botões e não precisa fazer mais nada. No varejo de marketplace, cada um está apostando em coisas diferentes: o Mercado Livre em um sortimento absurdo de produtos, a Amazon tentando misturar mais coisas, cria venda por voz, tem uma Alexa, produz conteúdo próprio. Como varejista, tentaria resolver isso colocando meu cliente no centro e entendendo o que consigo fazer para atender ele bem e onde há atrito.

M&M – Qual o papel do marketing no processo de transformação do varejo?

Palis – O marketing vai continuar sendo a grande alavanca de negócios, independentemente do objetivo. Construção de marca depende profundamente do marketing, venda e performance também. Se varejista desligar suas campanhas a queda é absurda. Com nossos clientes a gente discute pra investir em curto prazo, mas também no longo prazo. O marketing que vai dar retorno independentemente de estar todo dia ali comprando termos, palavra-chaves e campanhas. É difícil de fazer porque varejista tem pensamento muito de curto prazo. E não é culpa de uma pessoa, mas da forma de pensar. Porque é preciso reportar para o mercado, que acompanha trimestralmente, então tem que entregar o próximo mês e trimestre. Com o varejista a gente precisa mudar o olhar e ter preocupação de longo prazo. Isso vai afetar não somente o marketing, mas a tecnologia, que leva tempo para desenvolver. Outro desafio é a complexidade do mercado digital. Havia o duopólio entre Facebook e Google, mas hoje o TikTok tem uma força muito grande. Há expectativa de que a Apple entre nesse mercado e a Microsoft é um dos principais acionistas do Chat GPT – para que as pessoas não busquem mais por palavras-chave, e sim como se estivessem conversando com alguém. Essa complexidade traz dificuldade pro varejo descobrir onde apostar. A questão de talento vai continuar sendo um problema. E varejistas mais bem-sucedidos serão os que conseguem montar times atualizados, pois o nível de competição vai aumentar muito. Muitas vezes a diferenciação não é clara para o consumido, que compra o celular onde o preço é melhor. Vai ser só briga de preço? Brigar somente pelo preço é algo muito brutal, então quem se manter atualizado conseguirá deslanchar.

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