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Todo mundo está mudando de quadrado

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Opinião

Todo mundo está mudando de quadrado

Em tempos de desafios inéditos e oportunidades emergentes, é preciso inventar o novo todo dia


9 de abril de 2018 - 12h40

Créditos: xxmmxx/iStock

Criatividade deixou de ser assunto de especialistas faz tempo. A agenda do Fórum Econômico Mundial, só para usar um exemplo poderoso, deixa claro o desafio em cada encontro: em tempos de mudanças constantes, desafios inéditos e oportunidades emergentes, é preciso inventar o novo todo dia. Criatividade se tornou necessária, imprescindível. Do manobrista ao presidente, todo mundo se mexendo, procurando outro quadrado. Finalmente, começou a brincadeira.

Isso gera muito incômodo, claro. Quando todo mundo é criativo, onde é que eu coloco minha mesa? Bem no meio dos incomodados, dos insatisfeitos, dos realizadores, obviamente. Pertencimento é uma questão natural para quem procura respostas dando voltas em volta das ideias. Então, não se engane: na hora em que todos entram no jogo, o melhor lugar é dentro dele.

Não tem jeito, não existe zona de conforto permanente para quem quer criar, inovar, inventar, aprender. Existem, sim, contratos novos com regras novas, quadrados móveis ainda meio vazios à procura de quem os preencha, quem estabeleça novos direitos e obrigações

No meio desta quase confusão, cada vez mais me atiro no quadrado da colaboração com outros criativos, viajando no espaço da agilidade, do compartilhamento, da descoberta e da criação coletiva. Alinhar mentes poderosas em processos onde todos colocam as melhores soluções na roda, sem barreiras de domínios nem papéis corporativos, é muito intenso e tem um efeito incrível. Melhor ainda quando o tempo é curto, não se pode pensar além da conta e as ideias preconcebidas vão caindo uma a uma, dando lugar a soluções muito além dos repertórios pessoais. Sair de um desafio desses com propostas inovadoras prontas na mão é um momento mágico. Cada vez mais encontro melhores ideias nas ideias dos artistas, arquitetos, cientistas, executivos e empreendedores com quem trabalho em hacks criativos, onde a soma de dois mais dois é sempre maior que cinco. Conheço muita gente que começou um hackathon incomodado, mas não conheço ninguém que não tenha saído do outro lado com um forte sentimento de preenchimento, de realização. O efeito é quase meditativo.

Stephen Spielberg conta no documentário de Susan Lacy, na HBO, que até hoje, por mais que desenhe uma cena, nunca sabe completamente o que fazer no momento de abrir a câmera. Conhece tudo do ofício, mas adora mudar as coisas na hora, inventando soluções contextuais abastecidas por doses enormes de colaboração, ansiedade e obsessão. Aprendeu cedo a manter a atitude externa e a manobrar a energia da filmagem, mas confessa que suas melhores ideias aparecem quando está próximo do pânico.

Na produção do seu primeiro sucesso, Tubarão, contra todas as convenções da indústria, Spielberg decidiu que iriam filmar tudo em locações. Nada de tanques e miniaturas e luzes controladas. Ele queria outra coisa, que talvez estivesse clara em sua mente, talvez não. As luzes e texturas na praia e na água do mar variavam o tempo todo, o monstro mecânico falhava nas cenas mais audaciosas e o roteiro era revisitado todas as noites antes da filmagem do dia seguinte. Um risco gigantesco para sustentar a viagem de um cineasta quase iniciante, de apenas 29 anos, que meses depois acompanhava fascinado as filas gigantescas das salas de cinema que exibiam seu filme. Aprendeu a viver desses momentos e continua atravessando a linha do conforto como se atravessasse a rua, só para ver o que encontra do outro lado. Para Spielberg, cada dia é um quadradinho novo, que ele inventa junto com seus parceiros criativos.

Arriscar o outro lado da rua já não é mais uma atitude exclusiva dos fora de ordem. O mundo floresce na agenda dos inconformados. A parte mais bacana dos quadrados novos é que se você não se joga dentro deles, eles andam e vêm até você. Quando ele chega, você pode até sair correndo, mas não tem como deixar de perceber sua presença. Não tem jeito, não existe zona de conforto permanente para quem quer criar, inovar, inventar, aprender. Existem, sim, contratos novos com regras novas, quadrados móveis ainda meio vazios à procura de quem os preencha, quem estabeleça novos direitos e obrigações. Assim as ideias vão mudando de formato e contexto, jogando pega-pega com novos inventores de quadrados. E a gente toda que anda enroscada nelas, vai pulando dentro e fora do jogo.

Está na hora de a gente dar uma olhada nas regras que aplicamos para gerar e avaliar ideias, arriscar outros caminhos e, quem sabe, aprender um pouquinho com outras mentes criativas.

 

*Crédito da imagem no topo: Jenpol/iStock

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