Um ponto de vista sobre design
A etimologia da palavra Design nos mostra que não podemos mais compreendê-lo apenas como a elaboração de um produto fina
A etimologia da palavra Design nos mostra que não podemos mais compreendê-lo apenas como a elaboração de um produto fina
A palavra design funciona como substantivo e também como verbo (circunstância que caracteriza muito bem o espírito da língua inglesa). Como substantivo significa, entre outras coisas, “propósito”, “plano”, “intenção”, “meta”, “esquema”, “forma”, “estrutura básica”, e todos esses e outros significados estão relacionados a “astúcia”. Na situação de verbo – to design – significa, entre outras coisas, “planejar algo”, “simular”, “projetar”, “esquematizar”, “configurar”, “proceder de modo estratégico”. [1]
A etimologia da palavra Design nos mostra que não podemos mais compreendê-lo apenas como a elaboração de um produto final. Embora ainda predomine na educação e mesmo na prática profissional a concepção de um design mais ligado ao fazer. Compreendemos aqui que design é cada vez mais o processo pelo qual se faz, e, portanto, uma estratégia de abordagem e estratégico para as marcas.
Defendemos que a definição de uma estratégia de abordagem a um problema dado é extremamente relevante para a solução do mesmo. E só assim, é possível encontrar o que Dieter Hans chamou de o bom design. A concepção do design exclusivamente como construção de linguagem guarda relação com o fato de que nas escolas atualmente, bem como na maioria dos ensaios críticos o design está muito mais ligado ao arts & crafts. Nesse sentido, confunde-se muitas vezes com o fazer artístico. Ainda que esta seja uma vertente válida e possível, não é desse design que tratamos aqui. Design é estratégico.
Os desafios colocados às marcas requerem um pensamento cada vez mais sistêmico, pois o trabalho de design requer equipes interdisciplinares, compostas por especialistas de diferentes ordens. O design é o responsável por encontrar a costura sincrônica entre as partes, por isso mesmo, o design é a arte de influenciar as pessoas, em um sentido propositivo e de transformação, aproximando-se mais das áreas de negócio, liderança, inovação e gestão do que remonta a sua origem. Isso significa que o design costura tempos e espaços distintos, por meio do divergir e convergir, por meios de processos de análise e síntese. O design cria conexões inesperadas, encontra padrões e os transforma em singularidades. O design é antes de tudo um pensar sincrônico.
Dessa forma, o design trata a cultura como código-fonte, em uma lógica de programação aberta, incorporando e ressignificando códigos constantemente, de forma a criar verdadeiras explosões culturais[2]. Explosões culturais essas que pretendem a mudança em nossos sistemas de crenças, em nossa sociedade e em nós próprios. Assim, o designer seria capaz de manipular os códigos-fonte internamente à própria cultura, em processos constantes de tradução. O designer é antes de tudo, um tradutor, ao incorporar novas tecnologias e novos códigos, reescrevendo sistemas simbólicos. Processos pautados pelo design “são irrupções de um processo gradual, lento, formado pelo acúmulo de processos dinâmicos em permanente difusão, entre o tempo e a eternidade, se quisermos parafrasear Prigogine (PRIGOGINE & STENGERS, 1988). Algo comparável ao Big-Bang, cuja expansão é impossível negar.”[3] O design é explosão.
O design seria, então, uma máquina de captar padrões e códigos, transformando-os em singularidades, incorporando novas linguagens, novos signos, produzindo novos textos culturais e modificando, portanto, hábitos. O design seria assim um processo intersemiótico, que opera a cultura por meio de processos tradutórios. O design cria singularidades.
O design por ser essa máquina de tradução, pode ser definido como um acelerador de tempo, tornando mais rápida essa adoção de códigos por uma cultura, por meio de ciclos de inovações incrementais ou adoção de novos códigos ou novos atributos, ressignificando o design original. Se o design pode ser lido como uma forma de acelerar a adoção de novos códigos, dialoga, portanto, com influenciadores ou formadores de opinião frente a um espaço ou público determinado, instalando-se dentro de uma comunidade, de forma autoimposta, gerando identificação com a mesma, instilando e acelerando movimentos que seriam emergentes, mas que por conta de sua espontaneidade poderiam demorar mais tempo para ocorrer. Design é portanto, um acelerador do tempo.
Acreditamos que o design é uma ferramenta estratégica, extremamente poderosa, capaz de criar um mundo melhor, não apenas para o homem, mas para todos os seres vivos. Isso significa assumir que entramos de vez no Antropoceno, ou na era onde os seres-humanos têm impacto direto no mundo ao seu redor, um mundo cada vez mais permeado e mediado pelo design. Por conta disso, compreendemos que o design é uma metadisciplina.
Assim, o design pode ser definido como a gestão interdisciplinar do saber-fazer-técnico-criativo. Por conta disso, estratégias de abordagem, ou ferramentas de saber-fazer são importantes como definidoras fundamentais do sequenciamento das ações. Dessa forma apresenta-se o framework do Human Centered Design, este talvez superado pelo fato de centrar apenas no homem a problemática a ser equacionada, criando espaço para o Life Centered Design, no qual objetiva-se a busca por soluções que sejam desejáveis, na medida em que nasçam com intencionalidade. Sejam praticáveis, na medida em que sejam vinculadas a objetivos claros a serem atingidos. Tenham viabilidade e adequação, bem como sejam escaláveis, de forma a exercerem todo o seu potencial, mas ao mesmo tempo levem em consideração o impacto e a regeneração dos recursos, aportando a ideia de um saber-fazer-técnico-criativo, por meio de um design regenerativo, abrindo-se a possibilidade de que o design construa um mundo melhor. Design deve ser centrado na vida.
O design que tratamos aqui, portando, possui e enfrenta desafios sistêmicos, na medida em que: a) atua no mundo físico e no mundo dos intangíveis – e aqui o vínculo entre design, marca e experiência se estabelece, b) atende às necessidades, desejos e valores humanos, c) envolve à abordagem dos sistemas como um todo, raramente de uma única parte, sendo assim, um fazer estratégico d) compreende o mundo marcado pela vicissitude dos objetos, por fronteiras ambíguas entre artefatos, estruturas, sistemas e processos, e é, portanto, interdisciplinar e) trabalha em um mundo de estruturas sociais, econômicas e industriais de escala, por isso precisa ser sistematizado f) conecta espaço e tempo, de forma rítmica, projetando para um ambiente complexo de necessidades, requisitos e restrições em constante mudança, onde a volatilidade e a incerteza tornam-se mais e mais dominantes, g) projeta para um mundo em que o conteúdo intangível começa a ter mais valor do que o mundo físico, no qual a diferenciação e a relevância são fundamentais e construídas por sistemas identitários únicos e singulares h) cria, produtos e serviços que geralmente cruzam os limites de um organograma, ou mesmo das organizações, com muitas partes interessadas, i) atende não apenas às partes interessadas, mas também a equiparação do humano a outras espécies que habitam o mundo, j) e por fim, compreende que, marcas, produtos e serviços devem atender a pré-requisitos e objetivos iniciais[4].
FLUSSER, Vilem. O Mundo Codificado: por uma filosofia do Design e da Comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
LOTMAN, Iuri. Cultura y explosion. Tradução de Delfina Muschietti. Barcelona, Gedisa, 1999.
MACHADO, Irene. Impacto ou Explosão? Cultura Tecnológica e Metáfora Balística. XXII Congresso Brasileiro de Comunicação, 1999. Disponível em <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/00691c0e4a02c41ea497fd7980c8083b.pdf> acessado em 08/06/2023.
NORMAN, Don. Changing Design Education for the 21st Century. California, She Ji: The Journal of Design, Economics, and Innovation, 2019. Disponível em <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405872620300046?via%3Dihub>
[1] FLUSSER, 2007
[2] LOTMAN, 1999.
[3] MACHADO, 1999.
[4] NORMAN, 2019.
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