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12 de outubro de 2018 - 9h07
Pedro Birindelli (*)
Um fator importante na análise da dificuldade das empresas em utilizarem o Blockchain é o entendimento do ciclo de desenvolvimento, ou a introdução de uma nova tecnologia, muito bem descrito pelo famoso Hype Cycle. Esse ciclo é desenhado sobre dois eixos: tempo e expectativa. O ciclo se inicia a partir de um “trigger de inovação” que é seguido por uma rápida elevação da expectativa até que um pico seja formado, denominado Peak of inflated Expectations, momento no qual o mercado tem a expectativa de que praticamente tudo poderia ser resolvido, melhorado ou impactado por essa nova tecnologia.
A expectativa começa a ser reduzida ao mesmo tempo em que essa inovação passa por um processo de amadurecimento. Em tecnologia podemos dizer que um grande número de provas de conceitos e testes são realizados durante esse processo. O amadurecimento da tecnologia leva essa inovação por meio da Slope of Enlightenment ou rampa de consolidação, para enfim atingir o sonhado planalto de produtividade, ponto a partir do qual a tecnologia é totalmente dominada e o uso começa a trazer reais benefícios a ponto de ser utilizado em uma maior escala.
Fonte: Gartner (Julho 2017)
Com isso, podemos dizer que os três principais desafios atuais das empresas na utilização do Blockchain são:
Desafio1 – Identificar qual problema ou processo pode realmente ser beneficiado com o uso do Blockchain
O termo Blockchain está em alta. As empresas se aproveitam do fato do mercado ter elevado o assunto a um patamar de altas expectativas, para alavancar seus negócios por intermédio da associação entre seus serviços e produtos ao termo Blockchain, ganhando assim atenção de seus potenciais clientes. O problema disso é que a aplicação do blockchain por si só não entrega benefício para o negócio, e, até o contrário, a implantação do blockchain, nesse momento, é complexa e custosa. Portanto, o termo Blockchain pode até vender, mas nem tudo pode ser beneficiado pelo uso dessa tecnologia.
O ponto crucial para o sucesso de implantação do blockchain passa necessariamente pela análise de se realmente essa solução trará benefícios reais para o negócio. Pensando nisso, sempre devemos avaliar três pontos antes de pensar na utilização dessa tecnologia:
– O problema que quero resolver envolve múltiplos agentes que devem compartilhar decisões e/ou informações?
– Deve existir algum tipo de transação entre esses agentes que torna importante o registro do histórico
– Essa transação deve ser registrada segundo uma determinada regra de consenso?
Para a obtenção do potencial benefício do Blockchain, a resposta deve ser “sim” para essas três perguntas. Caso o problema a ser resolvido não possua tais características, outra solução deve ser utilizada.
Desafio 2 – Pagar o preço de ser inovador
Como dito anteriormente, a aplicação do Blockchain atualmente é complexa e custosa, pelo simples fato de ser uma tecnologia ainda em fase de amadurecimento. Poucas pessoas e empresas estão realmente na vanguarda dessa tecnologia, pois grande parte do amadurecimento desse conceito acontece ainda em âmbito acadêmico, ou em centros de pesquisa e desenvolvimento de grandes empresas.
Por outro lado, é importante reconhecer que estamos em tempos de crescimento exponencial. Inovações são rapidamente amadurecidas por meio da aplicação de recursos cada vez mais abundantes, inclusive falando de cérebros. Esse fenômeno pode ser observado de forma clara no desenvolvimento do blockchain, afinal sua aplicação mais famosa (Bitcoin) se deu a partir do desenvolvimento colaborativo dentro de uma comunidade cyberpunk da internet.
O resultado disso são sistemas com pouca documentação, ausência de produtos de “prateleira”, suporte pouco disponível e potenciais falhas técnicas ainda não conhecidas. E é esse o preço da inovação. Com isso, temos a seguinte pergunta: “Quem está disposto a pagar esse preço?”
É inegável que o principal grupo que assume a liderança no desenvolvimento dessa tecnologia é formado por Bancos: consórcios e grupos de trabalho foram formados inclusive com a colaboração de concorrentes para o desenvolvimento de uma tecnologia comum.
Essa liderança se deu por dois fatores: o primeiro é o benefício já comprovado da utilização do Blockchain no sistema financeiro, afinal o Bitcoin está aí há mais ou menos 10 anos, utilizando essa tecnologia de forma bastante consistente. O segundo fator é o poder e disponibilidade de investimentos em tecnologia que esse setor sempre mostrou.
Não podemos esquecer dos parceiros dos bancos nessa empreitada, os grandes provedores de soluções de tecnologia, como a IBM e a Oracle. Junto com os bancos as empresas estão desenvolvendo seus produtos que logo estarão disponíveis para os seguidores a um preço muito mais acessível.
Outro grupo que divide a liderança na utilização dessa tecnologia são as startups, sobretudo as fintechs, empresas novas que exploram a tecnologia para obter vantagens competitivas frente à concorrência, principalmente relacionadas a baixos custos de operação, e grande apelo junto a geração millennial.
O principal motivo pelas startups apostarem na utilização dessa tecnologia é a facilidade de implantação em comparação às empresas já estabelecidas, afinal de contas é muito mais fácil você nascer digital do que se tornar digital. Além disso, o impacto se algo der errado é insignificante frente ao risco que seus concorrentes correm ao aplicar uma tecnologia ainda não madura. Esse fator justifica o caráter disruptivo do Blockchain.
Para superar essa dificuldade sugerimos atenção em dois pontos:
1 – Parcerias: A associação a um parceiro que tenha conhecimento sobre Blockchain é importante para acelerar o processo de adoção e reduzir custos com aprendizado e desenho da solução, além de garantir qualidade na escolha do processo a ser automatizado.
2 – Comece pequeno: A adoção do Blockchain nesse momento não será suportada por um Business Case fantástico e deve ocorrer aos poucos, sendo aplicada a tecnologia em processos pequenos e de baixa criticidade. Ao passar do tempo, com aprendizado e amadurecimento da tecnologia a adoção deve ser escalada, trazendo aos poucos os benefícios esperados em maior escala.
Desafio 3 – Rompimento de barreiras culturais para ampla utilização da tecnologia
Como o Blockchain é uma solução em rede que tem como principal benefício o relacionamento entre nós, é de suma importância a adoção dessa tecnologia por nós de “peso” que colaborem com a rede com informações relevantes para serem transacionadas ou consumidas pelos demais. Ou seja, quanto mais a rede for adotada mais será atrativa a adoção de novos nós.
Por exemplo, se o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) adotar a solução e transformar o Documento Único de Transferência (DUT) em um token poderíamos fazer a transferência e o registro desse bem através da internet, poupando assim muito trabalho burocrático e ainda conferindo uma enorme segurança ao processo. Imagina a oportunidade da Webmotors em oferecer um serviço que vá desde a oferta do carro à efetiva compra e transferência do bem. Nesse mesmo conceito, poderíamos tokenizar grande parte de nossos documentos e assim compartilha-los com os agentes que nos interessarem. Imagine como seria mais fácil abrir uma conta no banco, ou conseguir um empréstimo! Ou ainda fazer a matricula na escola apenas habilitando esses nós para lerem informações que já estão em uma rede!
Outra importante alavanca para ampla utilização do Blockchain é o reconhecimento pelos órgãos competentes de um dos principais atributos intrínsecos da solução: a imutabilidade dos registros. A ideia é que um registro na rede blockchain forneça o valor legal de que aquelas informações são legítimas. Como por exemplo, um contrato entre duas pessoas, o registro de um bem como um apartamento ou carro, e assim por diante.
Em resumo, a utilização do Blockchain terá um rápido crescimento ao passar do tempo, em uma trajetória exponencial, uma vez que quanto mais for adotada, mais atrativa a solução será.
Para superar essa barreira cultural, temos que sair do papel. O estudo teórico sobre a tecnologia, seja na literatura ou a partir de cases do mercado, é apenas o primeiro passo. Para que a organização acredite realmente no potencial do Blockchain é necessária a degustação dessa solução na prática, vendo os benefícios sendo extraídos da própria operação e a partir de seus próprios processos.
(*) Pedro Birindelli é executivo sênior em transformação digital e especialista em blockchain da Cosin Consulting.