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7 de maio de 2020 - 7h55
Por Marcelo Pacheco (*)
A corrida do ouro aconteceu entre 1848 e 1855, na Califórnia, quando foi encontrado ouro em Sutter´s Mill. A notícia espalhou-se, e cerca de 300 mil pessoas, oriundas de outras partes dos Estados Unidos e do Exterior, migraram para a região. No início, os garimpeiros achavam ouro no curso dos rios com técnicas bem simples, mas, à medida que o ouro foi “acabando”, tiveram que desenvolver técnicas sofisticadas de extração. Milhões, talvez bilhões de dólares foram extraídos da região, em valores atuais, mas poucos ficaram ricos. A maioria dos garimpeiros voltava para casa da mesma forma que iniciara a jornada.
Inicio este texto fazendo um paralelo com a história para mostrar a você que uma corrida semelhante já começou e, como na Califórnia, poucos vão lucrar, mas a maioria, diferentemente da história, vai perder tempo e dinheiro. Estou falando da corrida da transformação digital.
Com a pandemia, ficou evidente como a tecnologia é poderosa e como ela é, sem que a gente perceba, parte integrante do nosso cotidiano. Não vou ficar dando exemplos aqui, você está experienciando diariamente o que estou falando. Quero, sim, abordar uma outra vertente para que você não caia no conto do vigário e deixe os bilhões de dólares em ouro na mão dos espertalhões que vão pegar seu momento de fragilidade e tentar te vender uma transformação digital.
Para você entender, uma transformação digital não se faz só comprando um sistema de e-commerce ou fazendo lives ou postagens em rede social. Não. A coisa aqui é mais complexa. Existe um termo em inglês que representa o que estamos vivendo: FOMO, que significa fear of missing out. As empresas e seus executivos sentem-se pressionados a mostrar que também sabem operar no novo mundo e, por conta disso, partem para a ação, mas se esquecem de alguns passos importantes para terem sucesso no longo prazo. Sim, a transformação digital não é uma corrida de 100 metros rasos, mas a entrada no hall das ultramaratonas.
Tenho um amigo, o Alexandre Waclawosky, que resumiu bem o que eu penso em um artigo para a Época Negócios (leia abaixo). Basicamente, o que ele escreve segue uma análise de quatro aspectos que uma empreitada dessa necessita abordar.
Primeiro: qual a razão para você e sua empresa entrarem nessa empreitada? Já ouvi de mais de um executivo que sua empresa tem que estar no digital porque “todo mundo hoje em dia” assina a Netflix. Concordaria com eles se, como eu, eles trabalhassem na indústria de entretenimento, o que não é o caso. A reflexão aqui é como o digital está alterando a jornada de consumo do consumidor e como isso impacta no curto, médio e longo prazos a relação dos clientes com a empresa.
Segundo: confusão muito comum é dizer que a solução é a tecnologia em si, ou seja, eu compro um sistema de e-commerce e, voilà, resolvi meu problema. Não é tão simples assim. O problema é de negócio. A tecnologia é o meio. O que importa é o valor percebido pelos clientes com a implementação do que quer que seja. É o quanto a sua empresa irá facilitar a vida do seu cliente. E, com isso, o quanto você vai vender mais ou cobrar mais.
Terceiro: Outro ponto de análise que citei no início do meu texto, mas de forma menos direta, é que, uma vez que você entra nesta de se transformar digitalmente, você não sai mais. É o paralelo dos 100 metros rasos e da ultramaratona. Não é só fazer uma ação isolada e pronto. A comparação que você vai começar a enfrentar é com outro universo. Bem mais profundo e bem mais estruturado. Estou falando que sua oferta vai, na mente do seu consumidor, passar a fazer paralelos com aquela experiência de pedir um Uber ou uma comida no ifood ou aquele passeio de patinete que você paga só o quanto usa. Ou seja, não importa o ramo de atividade da sua empresa, a comparação vai ser de experiência e fricção e por conta disso. Não basta você ser o melhor no seu segmento.
Quarto: O quarto e último detalhe, para mim o mais importante, é que transformação digital é sobre cultura e, consequentemente, sobre pessoas. São pessoas que vão fazer essa transformação acontecer. O ponto é: você tem as pessoas certas para fazer essa mudança? Aqui estamos falando de mindset e não de idade. Esse novo mindset leva em conta questionar o status quo e fazer, muitas vezes, exatamente o oposto do que sempre foi feito e que levou a empresa ao sucesso atual.
O vetor de poder mudou de eixo. Antigamente, ele ia da empresa para os clientes. Agora, ele vai dos clientes para a empresa e da empresa para os clientes, na mesma posição de força. Lançar produtos não é mais só uma tarefa de dentro para fora, mas sim um contínuo processo de PDCA (plan, do, check, act), só que com a participação ativa do seu cliente. Tem muita gente que não consegue operar nesse universo, ou porque não sabe ou porque não quer. Então, é importante escolher bem quem vai te ajudar a conduzir essa empreitada.
Voltando ao início da história, não se aventure nesta nova corrida do ouro sem ter muito claro os quatro passos acima e não se deixe levar por qualquer solução simplista, de qualquer explorador do momento. Você pode sair como muitos do passado: sem nenhuma pepita de ouro.
(*) Marcelo Pacheco é Vice-Presidente de Mercado do Grupo RBS
Link citado no texto, leia aqui