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Como seu Conselho pode te preparar para o mundo pós-Covid?

Os líderes e as corporações que entenderem como salvar as pessoas hoje e atender as necessidades da sociedade amanhã serão aqueles que merecerão nossa maior admiração e apoio.

e Omarson Costa
17 de junho de 2020 - 8h00

Por Omarson Costa (*)

No primeiro artigo que escrevi sobre a pandemia, lembrei que meses antes de se tornar uma ameaça global de verdade, houve uma simulação feita nos Estados Unidos conduzida pelo Johns Hopkins Center for Health Security com objetivo de entender quão preparados estávamos para um evento dessa natureza.

Ainda que o patógeno fictício fosse também uma variante do coronavírus – daquela vez nascido no Brasil (!) –, o estudo deixou bastante claro: os sistemas de saúde precisariam melhorar muito para enfrentarem a missão, o que tragicamente ficou comprovado na vida real.

Leia aqui o artigo que citei

Recentemente li um texto de Marc Andreessen, sócio do fundo de Venture Capital Andreessen Horowitz, que tenta buscar uma resposta para a seguinte inquietação: “Por que uma sociedade tão tecnológica e globalizada foi incapaz de se preparar para algo que não era exatamente uma surpresa?”. 

Ele lembra que a crise é grave, sobretudo, porque nos falta um tratamento profilático e uma vacina. Só que, diante da emergência, faltaram também coisas que poderíamos ter aos montes, desde reagentes simples e cotonetes para os testes até respiradores e leitos de UTI.

Na opinião dele, o problema subjacente é uma falha de ação e uma inabilidade crônica para construir. Porque mesmo quando houver uma vacina, podemos não ter a estrutura necessária para produção dela em escala global e dentro de um cronograma eficiente. Ele lembra que os cientistas levaram cinco anos para obter autorização de teste da vacina contra o Ebola, que teve um surto epidêmico em 2014.

Andreessen pontua que descobrir uma vacina é difícil, mas por que não conseguimos fornecer equipamentos médicos básicos ou criar rapidamente um canal financeiro para auxiliar pessoas e empresas mais atingidas pela crise de demanda abrupta causada pelas regras de distanciamento social?

A tal falta de apetite por “construir” contaminou todo o mundo Ocidental, tornando-nos incapazes de resolver problemas de habitação, por exemplo, mesmo em cidades prósperas, ou de educação, fornecendo ensino superior de qualidade a uma porcentagem mínima dos jovens.

Seria por escassez de dinheiro? A resposta é não. O que faltaria mesmo é vontade de agir, de vencer a inércia e querer que empresas e pessoas construam as soluções de que a gente precisa, ainda que isso contrarie os planos de líderes de mercado incumbentes.

Num momento em que a Europa deixou de ser o epicentro da doença e os Estados Unidos veem um declínio acentuado de casos, torna-se mais vívida na mente das pessoas a projeção do “dia seguinte”, o que, de acordo com todos os analistas mais prudentes, na verdade serão os anos por vir.

Eu arriscaria dizer que o tom pós-Covid é o que vai fundar as bases para como as empresas vão precisar se comportar daqui para frente a fim de seguirem relevantes. Será que vamos recuperar essa fome de “construir”?

Há muitos e muitos relatórios tentando prever como o mundo vai se comportar no D.C. (Depois do Coronavírus). A resposta intuitiva é: depende de quanto tempo a pandemia durar e quão severo for seu impacto.

Os consumidores retomarão antigos hábitos como frequentar shoppings e eventos públicos ou vão se manter online evitando as concentrações? Haverá um novo compromisso com saúde e bem-estar? Como isso afetará os custos de planos e seguros? Como vão funcionar as cadeias de suprimento? As viagens?

Neste momento, ouvir o que seus conselheiros têm a dizer é de enorme valia, já que irão dar orientações com as lentes de quem não está no dia a dia do negócio e, mais ainda, considerando práticas que estão sendo adotadas por outras organizações. Ouso deixar aqui algumas recomendações sobre o que fazer e o que não fazer baseado, sobretudo, em experiências de crises passadas.

Aja rápido

Como o quadro é muito incerto, o importante é não ficar paralisado pelo medo e agir rápido. Realize as mudanças imediatas que sejam necessárias para enfrentar uma crise de demanda ou de liquidez e, ao mesmo tempo, faça as perguntas certas de longo prazo, um exercício que exigirá constantes atualizações.

Algumas empresas logo perceberam que era o momento de se aproximar de seus clientes, equipes e fornecedores. É uma comunicação para estreitar relacionamentos, mostrar que a marca está ali, com uma atenção genuína para o que o consumidor precisar.

A marca de roupas Reserva, por exemplo, transformou todos os funcionários de suas lojas (agora fechadas) em vendedores virtuais, concedendo a eles um cupom de desconto para ser oferecido aos clientes, o que garante manutenção das vendas e comissão aos colaboradores.

O Nubank, o unicórnio das Fintechs brasileiras, colocou 2.500 funcionários em home-office e já no início de abril começava a enviar cadeiras ergométricas para a casa das pessoas. “Como vamos cuidar dos clientes sem proteger nosso time antes?”, justificou uma das fundadoras, Cristina Junqueira.

Liderança: Compliance ou Autogovernança?

O trabalho remoto em larga escala impõe uma série de reflexões sobre a governança das empresas. Na opinião de Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, Instagram e WhatsApp, manifestada em uma live sobre o que tem se chamado de “o novo normal”, o home office deve predominar até o final deste ano. Quando retornar, haverá um dilema a ser endereçado. Seguir com a opção remota, quando possível, ou adotar um modelo híbrido?

Esta segunda opção, aponta Zuckerberg, não faria sentido do ponto de vista econômico, uma vez que exige garantir espaço físico para todos os funcionários usarem eventualmente. Já o modelo remoto traz algumas vantagens: pode haver recrutamento de talentos em todos os lugares, o que contribui para a diversidade, impulsiona economias locais por evitar migração para centros urbanos (e a hiperinflação do metro quadrado nas cidades) e reduz o impacto ambiental com os deslocamentos. Em compensação, na visão dele, treinar profissionais recém-formados remotamente não é possível.

É preciso lembrar também que a questão do trabalho remoto não é factível em todos os setores, como, por exemplo, aquelas empresas que possuem plantas fabris, a não ser que todos os processos fossem automatizados. De qualquer forma, um dos embates a serem considerados é o estilo de liderança das equipes – se vai pela abordagem do compliance ou se adota uma visão focada na autogovernança.

O compliance reflete uma visão filosófica herdada de Thomas Hobbes (1588-1679), segundo a qual o homem comum seria governado por suas paixões e, portanto, precisa ceder a uma autoridade superior por meio de um Contrato Social a tarefa de administrar os conflitos e aplicar a lei. Isso serve no âmbito da empresa também, onde o fator humano é considerado como risco e, portanto, deve estar sujeito a uma série de regras que possam dar conta de conter comportamentos indesejados.

Se o contrato social de Hobbes permitiu a criação do Estado forte, desde os tempos absolutistas, as empresas também se organizaram de forma hierarquizada, com presidente, diretores, gerentes e o “chão de fábrica”, aqui entendido como o funcionário comum. Esse é o modelo que vem à mente sempre que se fala em “organograma”.

Já as raízes da autogovernança remontam à polis ateniense. Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) tinha uma visão mais positiva do ser humano, considerando-o um ser social, com tendência à virtude e o potencial de crescer a partir do estudo e esforço pessoal.

Neste ambiente, as empresas enxergam os colaboradores como capazes de assumir responsabilidades tanto por eles como pela comunidade. E sua necessidade de crescimento pessoal lhes dão iniciativa e os tornam criativos na resolução de problemas. Ou seja, são vistos como agentes para a empresa, não riscos.

Esse modelo mais horizontal é percebido em empresas de tecnologia e startups, que atraem os jovens das gerações Y e Z.

Atualmente tem se falado de um organograma circular ou radial, no qual os principais líderes da organização ficam posicionados no centro, “irradiando” sua influência aos demais arcos do gráfico. A partir dessa liderança central, a linha hierárquica vai se desdobrando às camadas externas do círculo.

O organograma circular é útil para representar uma estrutura que não enfoca a proeminência da capacidade decisória do líder, mas também reforça o caráter de unicidade entre as demais divisões.

Exemplo de um organograma circular que coloca o cliente como centro.

Fonte: Templum Consultoria

Acredita-se que por meio da representação circular seja possível identificar de forma mais clara a importância da atuação em grupo entre diferentes áreas ou divisões para o alcance dos objetivos estratégicos da organização.

Parece-me que essa forma de enxergar um organograma seja muito ousada a essa altura para grandes corporações que dependem de um líder claro com responsabilidades perante um conselho. Mas podem muito bem inspirar setores em que esse protagonismo é menos óbvio como, por exemplo, o educacional. Afinal, não existe um Chief Executive Professor.

O organograma circular também remete à reflexão da relevância do talento (RH). No final do dia, são os talentos humanos que “fazem” a cultura da organização. Particularmente não gosto da palavra ‘Recursos’, pois limita o talento humano como um recurso (r minúsculo). Alguns especialistas já dizem que o R se tornará a representação dos robôs (Robôs e Humanos) em um horizonte de 10 ou 20 anos. Robôs são recursos. Humanos são talentos. Diferença sutil, mas enorme na construção de cultura organizacional.

Cuide da Segurança

Essas mudanças “na marra” forçadas pela pandemia impactam não somente aspectos organizacionais e culturais, como podem também oferecer riscos para a cibersegurança da empresa.

Considere a possibilidade de um funcionário cair numa armadilha de um cracker que se passou por help desk de TI. Como impedir que funcionários inadvertidamente façam download de programas maliciosos em seus próprios computadores pessoais?

Evitar tais riscos exige a implementação de treinamentos, novos processos e medidas de segurança para não expor dados sensíveis da companhia.

Planeje

A maioria das empresas ficará vulnerável aos efeitos da recessão causada pelas medidas de isolamento. Por isso, da mesma forma que é importante agir rápido, é necessário planejar para estar um ou vários passos adiante em relação aos seus concorrentes.

Uma boa medida é formar um time de planejamento que seja capaz de projetar uma série de horizontes dentro de cinco parâmetros, segundo aconselha um relatório da McKinsey.

Tenha uma visão realista da sua posição atual

1. Desenvolva cenários para múltiplas visões de futuro

2. Estabeleça uma diretriz de ação

3. Determine ações e estratégias que sejam eficientes para esses cenários, não apenas para o que pareça mais provável, e sim para todos os que sejam plausíveis; não elimine os extremos, porque muitas vezes é aí que as análises falham

4. Fixe marcos que sirvam como gatilhos para fazer sua empresa agir no momento certo.

Aqui, mais uma vez, agilidade é essencial para que a análise e determinação de estratégias estejam de acordo com a dinâmica do mercado.

Em seguida, esse time deve projetar a performance da empresa em cada cenário, produzindo um possível resultado de negócio. Isso permite perceber onde o modelo é mais vulnerável e em que situação é mais resiliente. Em função disso, projete o seu fôlego de capital para o pior cenário, determinando se cada iniciativa deve continuar conforme planejada, se precisa ser acelerada ou abandonada.

Gráfico mostra uma análise que projeta o grau de disrupção do modelo de negócio versus a profundidade e duração da crise de demanda

 

Analise se é hora de pivotar

O pivô, no basquete, é uma ação deliberada de fincar um dos pés no chão e então mover o outro pé numa direção mais adequada. Quando se trata de países, empresas ou mesmo instituições educacionais, espera-se agora que essa mudança seja ancorada em valores humanistas.

A pandemia exige das organizações (e dos conselhos) que aprendam a conduzir seus “veículos” diante de uma surpresa. Se frear bruscamente, o controle da direção pode ser irrecuperável. O melhor a fazer talvez seja mudar de faixa enquanto se acelera.

Não me esqueço do caso da canadense Nortel, que tinha uma visão avançada no início dos anos 2000 sobre para onde iria a tecnologia de telefonia. Envolvida numa crise administrativa, freou tudo e, quando tentou voltar, tinha ficado para trás e não se recuperou mais.

O gráfico da McKinsey acima fornece um roteiro de análise e ações a serem tomadas. Fica cada vez mais claro, no entanto, que novas abordagens e inovações serão intensas. Afinal, toda crise traz oportunidades. O Airbnb, por exemplo, surgiu na esteira da crise de 2008. Agora, foi duramente afetado pela paralisação das viagens. A empresa já tem um road map para guiá-la quando o fluxo de viagens forem retomados, ainda que com características diferentes.

Resistir à óbvia necessidade de mudar alguma prática ou se tornar incapaz de perceber que os consumidores têm novos problemas a serem resolvidos, outras preocupações e prioridades, é a fórmula mais fácil para o fracasso. Erros de visão estratégica dos executivos e/ou do conselho de uma empresa podem ser fatais.

O caso do Yahoo é emblemático. Deixou de comprar o Google por duas vezes, esnobou a chance de adquirir o Facebook e ainda perdeu a oportunidade de ser comprado pela Microsoft por um preço quase dez vezes maior em relação ao que recebeu da Verizon, em 2016.  Ao não detectarem a importância dos mecanismos de busca e das redes sociais, Conselho e executivos abusaram do direito de errar e mataram uma empresa icônica da Internet.

Outro caso exemplar de como uma empresa, por mais bem posicionada que esteja, não pode se dar ao luxo de sentar em cima do sucesso é o da Blockbuster. Reed Hastings, fundador da Netflix, chegou a oferecer à gigante das locações de filmes e séries no ano 2000 um acordo: as locadoras físicas teriam anúncios da marca e a Netflix ofereceria o catálogo da Blockbuster online. A proposta de Hastings foi tratada como piada. Só que a banda de internet crescia, o streaming se tornou viável e o modelo de negócio comandado naquele ano por John Antioco entrou em decadência até desaparecer.

Vale a pena comentar que a Blockbuster imaginou ser possível competir com a disrupção representada pela Netflix utilizando-se de tecnologia antiga (veja o anúncio abaixo). Jovens usam apps e internet, não ligam para call centers.

Como disse em entrevista ao The New York Times Dov Seidman, fundador e presidente da empresa de ética e compliance LRN e do How Institute for Society, quando chegarmos à era D.C. “a questão vai ser como atender às pessoas de forma diferente, unindo prosperidade, progresso econômico, a questão ambiental e as necessidades das pessoas de forma mais orgânica”.

Os líderes e as corporações que entenderem como salvar as pessoas hoje e atender as necessidades da sociedade amanhã serão aqueles que merecerão nossa maior admiração e apoio. Este, acredito, seja o primeiro conselho a seguir.

 

(*) Omarson Costa atua como Conselheiro de Administração, com formação em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet

(**) Acompanhe outros artigos do Omarson no seu blog – Blog do Omarson: omarson.com.br

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