1 de julho de 2021 - 8h01
(Crédito: LinkedIn Sales Solution/Unsplash)
A publicidade digital é a base do modelo de negócios da maioria dos players online, especialmente dos publishers. A maior parte do conteúdo disponível online é acessado gratuitamente e seus produtores são remunerados por anunciantes interessados na audiência que conseguem cativar. Ou seja, não é o leitor/espectador/ouvinte quem paga para consumir conteúdo, mas sim as companhias interessadas em anunciar para estes públicos. Dito de outra forma, são os anunciantes que viabilizam boa parte dos conteúdos disponíveis online. Com este grande poder, vem a grande responsabilidade de responder a pergunta: qual conteúdo o orçamento de mídia digital está financiando?
Nos últimos anos, especialmente em 2016, 2018 e 2020 (anos de ciclos eleitorais no Brasil e nos EUA), as marcas foram cobradas por anunciar em publishers que disseminam fake news, discursos de ódio e outros conteúdos tóxicos. Num primeiro momento, esses anunciantes culparam o método programático, que, por sua imensa escalabilidade, acabaria, eventualmente, inserindo anúncios em ambientes indesejados. Rapidamente, a indústria de martech reagiu e apresentou todas as soluções de brand safety disponíveis no mercado, mostrando que é possível aliar escala, controle e eficiência.
Assim, boa parte dos anunciantes melhoraram suas práticas para evitar que suas verbas publicitárias financiem publishers tóxicos. Isso é bom, mas não é suficiente. Apenas cuidar para não estimular a produção de conteúdos tóxicos não é o máximo que as marcas podem fazer para contribuir para que os discursos que circulem na sociedade promovam valores democráticos. É preciso, também, agir ativamente para estimular a produção de conteúdo inclusivo.
Como disse acima, a indústria de martech permite que marcas possam anunciar numa cauda longa de publishers, fazendo com que sua verba de mídia chegue a produtores de conteúdo diversos. Num momento em que as companhias são cobradas pelo impacto que geram na sociedade para além da sua geração de lucros, acredito que é preciso observar a eficiência do investimento de mídia digital também pelo prisma do impacto gerado na promoção da diversidade de discursos. Parafraseando Paulo Freire, podemos dizer que todo conteúdo online tem uma base ideológica. A questão é, estamos financiando conteúdo com ideologia inclusiva ou excludente?
Públicos minorizados diversos, como negros, mulheres e LGBTQI+, ainda são esteriotipados nos discursos dominantes na sociedade. Em geral, são apresentados pelo olhar de um homem branco, de meia idade, rico, hétero e cis. O ambiente digital oferece instrumentos para que estes públicos minorizados possam ter voz, e apresentar a sua visão de mundo e versão dos acontecimentos em blogs, sites, apps, canais de vídeo e podcasts. Entretanto, a potência dessa voz é limitada pela falta de recursos financeiros. Lembremos do que falei no início desta coluna: é a publicidade quem paga por quase todo conteúdo produzido online. Se a verba publicitária não é direcionada para publishers parte de grupo minorizados, essas pessoas ficam limitadas na sua capacidade de colocar seus discursos na esfera pública de nossa sociedade.
Dito isso, acredito que, seguindo as demandas apresentadas pelos indicadores de ESG que dominam o discurso corporativo do século XXI, a publicidade digital deveria ter seu desempenho medido para além das métricas atuais, como CPC, CPL, ROI ou ROAS. É preciso um indicador de “diversidade dos discursos estimulados”, que mediria a participação de publishers minorizados na verba de mídia digital das marcas, e a quantidade de publishers em que essa verba chega.
Vou repetir o mantra: é a verba das marcas que financia quase todo conteúdo disponível online. É a indústria de martech que, através do método programático, distribui essa verba entre os milhares de publishers online. Precisamos responder à grande pergunta: nós estamos fazendo o máximo para estimular a pluralidade de discursos na nossa sociedade? Acho que ainda não. Há muito o que fazer ainda. Como disse Peter Drucker “o que não pode ser medido não pode ser melhorado”. Por isso, defendo que usemos um indicador sobre o share da verba de mídia digital destinada a publishers minorizados, e a quantidade de produtores de conteúdo em que essa verba chega. Seria um primeiro passo para irmos além.