Austin: o novo “Vale do Silício” atrai a atenção dos brasileiros
Profissional de tecnologia Marcel Ribas, que mora em Austin há 17 anos, explica por que a cidade atrai os brasileiros
Profissional de tecnologia Marcel Ribas, que mora em Austin há 17 anos, explica por que a cidade atrai os brasileiros
Amanda Schnaider
7 de março de 2023 - 14h01
“Austin é uma cidade muito cosmopolita. Recebe bem os estrangeiros e acolhe a diversidade”. É assim que o profissional de tecnologia Marcel Ribas define a cidade onde mora há 17 anos e que é a sede do maior evento de inovação do mundo, o South by Southwest.
Além de ser uma cidade receptiva, Austin é conhecida por ser a “casa” de diversas big techs, como Apple, Google, Facebook, Dell, HP, Microsoft e IBM. No final de 2021, Elon Musk, dono do Twitter e da Tesla, transferiu a sede da empresa automotiva e de armazenamento de energia de Palo Alto, no norte da Califórnia, para a cidade texana.
Apesar de tantas empresas de tecnologias estarem atualmente com forte presença na cidade, nem sempre foi assim. “Essa transformação de Austin não foi da noite para o dia, começou há mais de 50 anos”, afirma Ribas.
Em entrevista ao Meio & Mensagem, ele diz que neste ano não comparecerá ao SXSW por motivos financeiros, explica como Austin tem se tornado o novo “Vale do Silício”, destaca a mudança que a presença brasileira tem feito na cidade e explica por que Austin chama a atenção dos brasileiros, principalmente, do setor de tecnologia.
Meio & Mensagem – Muitos dizem que Austin está se tornando o novo Vale do Silício, com a chegada de várias big techs. Você confirma isso?
Marcel Ribas – Sim, é uma história muito interessante. O apelido da região é “Silicon Hills”. Essa transformação de Austin não foi da noite para o dia, começou há mais de 50 anos. Isso é pauta para uma longa matéria por si só, mas em resumo, foi a combinação explosiva de uma tecnópolis, com seus componentes principais: um centro universitário de ponta, investimentos governamentais e da iniciativa privada, e uma cultura de tolerância e de diversidade. Austin foi, depois de San Francisco, talvez o maior berço da cultura hippie nos anos 60. As pessoas são naturalmente mais tranquilas, acolhedoras e com a cabeça mais aberta. Austin foi planejada para ser o que é hoje. As big techs já vêm sendo atraídas para Austin desde os anos 60, quando veio a IBM. Nos anos 70 vieram Texas Instruments e Motorola, nos anos 80 foi formado o consórcio de fabricantes de semicondutores MCC. Nos anos 90 o crescimento da Dell e o boom dos .com no início dos anos 2000. Essa vocação de inovação, criatividade e tecnologia só foi crescendo, quando a partir da década passada, praticamente ao mesmo tempo, vimos tanto um florescimento do ecossistema de startups quanto um movimento de várias empresas do Vale do Silício em montar suas “segundas sedes” em Austin. Um fato curioso foi que durante um período, o maior campus da Apple era aqui. E estão trazendo mais 10 mil postos de trabalho para cá. O Google está terminando um prédio novo de 50 andares no coração da cidade. Além de Apple e Google, temos Facebook, Oracle, PayPal, Visa, Salesforce, AMD, Indeed, Amazon, Dropbox, Atlassian, AirTable, e muitas outras. De novo, foi algo pensado pelas autoridades locais com a iniciativa privada.
M&M – Atualmente, há muitos brasileiros que residem em Austin e estão trabalhando nessas big techs?
Ribas – Sim, somos muitos, e em diversas posições. Temos desenvolvedores, pesquisadores, vendedores, educadores, profissionais de finanças, planejamento e gerência. Eu articulo um grupo de mais de 260 profissionais brasileiros em tech em Austin. Muitos, como eu, vieram diretamente do Brasil para Austin, por causa das oportunidades profissionais que apareceram aqui. Já outros viviam em diferentes regiões dos Estados Unidos e se mudaram para Austin em busca de qualidade de vida. A cidade sempre frequenta a lista dos 10 melhores lugares para se viver no país, tem um clima agradável e um custo de vida que, apesar de cada vez mais alto, não se compara com o dos outros centros de tecnologia como Seattle, San Francisco e New York. Juntando isso com a diversidade e uma vibe mais tranquila, temos um ambiente propício para se estabelecer, criar raízes e ver os filhos crescerem. Um ponto interessante é que várias empresas de tech americanas têm operações latino-americanas coordenadas daqui de Austin. Por conta do fuso horário e da mão-de-obra qualificada, é vantajoso contratar aqui, equipes grandes de atendimento ao cliente, suporte, vendas, finanças e operações. A Apple foi uma das primeiras big techs a fazer isso, e emprega muitos profissionais brasileiros aqui. Outras como Google e Facebook terceirizam alguns destes serviços para grandes consultorias como Vaco e Accenture, que tem escritórios aqui. Além disso, há um grande número de empresas de tech que nem tem escritório no Brasil, como, por exemplo, a Dropbox, e por isso faz todo o atendimento a partir de Austin. É bem provável que, quando você aí do Brasil entra em contato com o suporte do Facebook ou da Apple, quem te atende é algum conhecido nosso aqui em Austin. Então, além dos brasileiros se destacarem no mercado norte-americano, Austin oferece todas essas oportunidades para quem fala português.
M&M – Como a presença brasileira tem mudado a cidade de Austin?
Ribas – Austin é uma cidade muito cosmopolita. Recebe bem os estrangeiros e acolhe a diversidade. Os brasileiros que chegam aqui, rapidamente fazem amizade com pessoas de todos os backgrounds e montam sua rede de contatos. Isso é um diferencial nosso. É normal de outras culturas, quando chegam nos Estados Unidos, criarem seus refúgios, e buscarem somente o relacionamento com pessoas que vieram do mesmo lugar. O brasileiro, claro, cria a sua “família” de brasileiros aqui, mas não têm dificuldade em se relacionar com pessoas diferentes. Se dá bem com todo mundo, e é referência em tudo que faz. Temos brasileiros destacando-se não somente na área de tecnologia, mas também em serviços, varejo, hospitalidade e lazer. Por exemplo, a melhor loja de instrumentos musicais da “Capital Mundial da Música ao Vivo” é de um brasileiro. Um grupo de ciclismo da cidade é liderado por dois brasileiros. Várias academias de Brazilian Jiu-Jitsu estão ensinando artes marciais às crianças e adultos da região. E é claro, no futebol, ex-jogadores profissionais brasileiros estão trabalhando aqui como técnicos de atletas americanos.
M&M – Houve um aumento da presença brasileira no South by Southwest. Por que iss aconteceu?
Ribas – Inicialmente, os brasileiros descobriram o SXSW pela música. No meu primeiro SXSW em 2006, por exemplo, tivemos Lenine se apresentando. Houve um ano em que contei 25 artistas brasileiros em showcases oficiais do festival. A partir do momento em que o festival virou mais corporativo, cerca de 12 anos atrás, ele chamou a atenção das lideranças em marketing e comunicação. A música deixou de ser o foco principal e as grandes empresas de mídia começaram a enviar muitos profissionais para cobrir o evento. Isso chamou a atenção do mercado brasileiro como um todo. Ao mesmo tempo, ficava em evidência a necessidade de se incentivar a inovação como fator de diferenciação ou até mesmo de sobrevivência. O SXSW aparecia como uma ótima oportunidade de conhecer o que o resto do mundo vinha pensando e dialogar diretamente com os “thought leaders” mundiais. As pessoas que vinham, se encantavam, voltavam e queriam passar a experiência para outros. Publicavam relatos, organizavam meetups, palestras, e deixavam mais pessoas com vontade de vir. Assim a bola de neve foi crescendo. O SXSW cresceu, em especial no Brasil, justamente por essa capacidade de juntar o interesse econômico com assuntos polêmicos e urgentes para a humanidade. Seja por estratégia de marketing ou por real compromisso com a sociedade, os patrocinadores master do evento abraçaram as pautas propostas pela curadoria do SXSW como a diversidade, equidade, mudanças climáticas, inteligência artificial, comportamento, vida digital. A comunidade ativista, pensante e inovadora aproveitou a plataforma que se ofereceu e entregou debates de muita qualidade e impacto. Os brasileiros têm muita sede deste tipo de discussão, provocativa, desafiadora, transformadora. Acho que nossa herança de repressão contribui muito com isso. No SXSW, temos a chance de surpreender e sermos surpreendidos com novas questões para as quais ainda não temos respostas.
M&M – Por que você não vai este ano ao evento? Como vai estar presente, sem estar fisicamente presente?
Ribas – Simplesmente por questão financeira. Mesmo para nós que vivemos aqui, uma credencial é muito cara. Trabalho numa big tech, e como você sabe no momento estamos numa situação delicada, com layoffs, etc. Se eu participasse oficialmente, teria que investir do meu próprio bolso, e me ausentar por alguns dias para aproveitar meu investimento. Decidi que não seria sensato fazer isso neste momento. Mas é sempre assim, um mês antes do evento há uma enxurrada de anúncios interessantes e bate aquele “FOMO” (medo de ficar de fora). Então vou tentar participar dos meetups, shows e instalações que estão disponíveis ao público em geral. A dificuldade é que estas oportunidades não são divulgadas com antecedência, e nem com muita força, acho que para não atrapalhar as vendas das credenciais. Então tem que ficar ligado, e ter um pouco de sorte.
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