A história que pouca gente sabe
A gente está lá para julgar os melhores trabalhos, mas também está lá para dar uma mensagem clara sobre o futuro da categoria e do mercado
A gente está lá para julgar os melhores trabalhos, mas também está lá para dar uma mensagem clara sobre o futuro da categoria e do mercado
14 de junho de 2019 - 8h08
Com o festival de Cannes quase no início e os jurados trabalhando a todo vapor, quero contar uma história que aconteceu comigo durante minha participação no júri de PR em 2017.
Para minha surpresa, a categoria estava bem forte, muito trabalho bom recebendo os prêmios e muito trabalho bom ficando no shortlist. Quando eu olhava a pontuação desses trabalhos, não fazia sentido que alguns deles ficassem sem leões. Mas o júri de Cannes é diferente. Não basta a ideia ser incrível, especialmente na categoria PR, ela tem que ter mexido muitos ponteiros para a marca. Como jurado brasileiro, entrei nesse júri não só para defender as grandes ideias, mas também para brigar pelo Brasil. Quando estávamos votando os leões, já era 7 da noite, o Brasil estava indo bem, mas uma coisa estava me incomodando: o case da BETC – woman interrupted – tinha ficado no shortlist e, para mim, aquele case representava uma mensagem poderosa sobre igualdade de gênero e eu queria fazê-lo ser ouvido. Eu puxei o case novamente, mas novamente ele ficou no shortlist.
Havia muita tensão na sala. Os jurados cansados, afinal já eram mais de 10 horas trancados sem chegar a nenhum leão de prata ou ouro. Foi então que pedi gentilmente uma pausa à nossa presidente do júri. Saí da sala para tomar um ar e pensar numa estratégia.
Baixei o aplicativo woman interrupted, calibrei minha voz e, aparentemente, estava tudo funcionando. Voltei para a sala com o aplicativo ligado. Começamos novamente a discutir sobre os cases. Nesse momento eu decidi começar a interromper os outros jurados e juradas. Mudei completamente meu comportamento. Eles começaram a se olhar de uma maneira estranha, sem entender porque eu estava agindo daquele jeito. Foi então que um deles perguntou porque eu estava fazendo aquilo. Nesse momento, puxei meu telefone, mostrei a eles quantas vezes eu havia interrompido as juradas da sala e que isso acontecia diariamente com mulheres de diversas profissões ao redor do mundo. Deixei claro o valor que essa campanha estava trazendo para ajudar a promover uma grande mudança.
Todo mundo na sala mudou a expressão e respirou aliviado.
Naquele momento, eu pedi para votarmos na campanha novamente.
Trinta segundos depois, o resultado: prata no PR Lions. E a lição de que não basta dizer que o case é bom, você tem que lutar por ele, tanto faz se aquele case é do grupo que você trabalha ou não.
Após 14 horas de júri, saí com a sensação de dever cumprido. Foram 10 leões para o Brasil naquele ano. O melhor desempenho do país na categoria até então. Foi uma experiência que me engrandeceu como profissional e que valeu a pena em cada minuto.
Aprendi uma lição muito importante naquele dia. A gente está lá para julgar os melhores trabalhos, mas também está lá para dar uma mensagem clara sobre o futuro da categoria e do mercado. Não é apenas sobre defender a sua rede, o grupo, os interesses naturais de cada um dentro do festival. Mas é tudo sobre colocar o seu critério para funcionar, defender o que acredita e direcionar sua atuação para surpreender positivamente com as ideias premiadas.
Desejo sorte aos jurados brasileiros e que eles vivam essa experiência transformadora intensamente.
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