Capitalismo abre publicidade em Cuba

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Capitalismo abre publicidade em Cuba

Após a abertura, as empresas encontrarão consumidores não habituados ao marketing dos dias de hoje


17 de junho de 2011 - 8h37

Quando, algum dia, o embargo dos EUA a Cuba terminar e as marca americanas puderem invadir aquele mercado inexplorado a menos de 150 km da Flórida, o conhecimento de Adam Armstrong, um publicitário de 37 anos pouco conhecido fora de Toronto, provavelmente será de inestimável valia.

Proprietário da Graymatter Design & Marketing, o executivo traz no currículo uma experiência pouco comum: quase sete anos de atuação como profissional de marketing na ilha de Fidel Castro, na qual essa atividade (pelo menos nos moldes atuais) foi proibida por cinco décadas. Em sua passagem pela Cerveceria Bucanero, inicialmente em agências da empresa e depois nela mesma, que, à época, era uma joint venture do governo do país e da cervejaria canadense Labatt, Armstrong teve uma visão do povo cubano que poucos outros tiveram: como consumidores.

“A questão é que, provavelmente na maioria dos países comunistas, as pessoas anseiam pelo modo de vida capitalista e Cuba, de maneira nenhuma, é uma exceção”, explicou. “Embora sejam mal vistos, em certa medida, a publicidade e o marketing existem por lá sim”.

Armstrong observou receptividade por parte dos consumidores, mas não do sistema. Sua maior frustração – à qual os profissionais da área terão que se habituar – é a extrema lentidão com que o mercado evolui. O que mais lhe incomodou em sua estadia em Cuba foi a burocracia, que dificilmente deixar de existir da noite para o dia. “É uma luta conseguir fazer qualquer coisa”, revelou.

Essa experiência serve como bom indicativo da impressão que o empresariado terá do país após a abertura. Cuba vive quase totalmente à margem da economia mundial desde 1959, quando o governo comunista de Fidel Castro tomou o poder na ilha paradisíaca, que atraía multidões de americanos endinheirados em busca de sol, areia e jogatina. Em resposta, os EUA impuseram o embargo, que permanece mesmo após a queda da União Soviética, a saída de Fidel e, até o momento, as tímidas iniciativas do irmão de Fidel, Raúl, para liberalizar a economia.

Algum dia, porém, os profissionais de marketing chegarão a um público complexo que, embora longe de estar totalmente isolado do mundo do consumo, ainda não desenvolveu a mesma imunidade a suas estratégias que as pessoas acostumadas ao bombardeio publicitário em outros países.

Na ilha, não há imprensa e publicidade livres: os outdoors ainda veiculam propaganda comunista, os jornais e a TV estão sob controle estatal. As autoridades tentam embaralhar as transmissões americanas de forma que não se sabe em que medida estas chegam aos cubanos. Menos de 3% da população tem acesso à Internet, que, em geral é lenta e, muitas vezes, acessada em escolas e locais de trabalho, nos quais a vigilância do governo é bastante fácil. Os dispositivos móveis também têm penetração bem restrita, com apenas três em cada cem pessoas assinando um serviço muito caro e de cobertura irregular. Nesse sentido, só seis países estão em situação mais precária, entre os quais se incluem a Coreia do Norte e Mianmar.

Apesar de tudo isso, os cubanos não estão alheios às marcas. Além do mercado negro, que conta com o apoio da comunidade cubana no exterior e o reconhecimento do povo por comercializar marcas estrangeiras, há os turistas do Canadá, Europa e América Latina, o que cria um fluxo de notícias e informações, em quantidade suficiente para que o iPhone seja conhecido no país. Um site chamado Revolico tornou-se a versão local da Craigslist, possibilitando que haja algum comércio. Puma, Adidas, Wahl, Apple, Zara, Reebok, Dolce & Gabbana, Samsung, Seiko, Calvin Klein, Casio e Rolex são algumas das marcas à venda. Pode-se obter o que se queira contanto que se tenha dinheiro, o que não é o caso dos cubanos.

O presidente da DDB Latina, Juan Carlos Ortiz, colombiano que cursou cinema em Cuba, escreveu o seguinte em sua obra “Cortos”: “Com relação ao resto do planeta, o marketing flui de maneira inversamente proporcional em Cuba. No mundo todo, as pessoas estão sempre interligadas e avançam como uma coletividade, desbravando um espaço que se tornar cada vez mais interativo. Em Cuba, a distância, o silêncio e o isolamento do indivíduo são prioridades, garantindo que a ilha se feche cada vez mais".

A abordagem correta: Adam Armstrong (abaixo) descobriu que os consumidores cubanos, como todos os outros, preferiam anúncios que refletissem suas aspirações em vez da realidade. Adam Armstrong: os cubanos estão “ansiosos para ver fotos de gente sorrindo e gente bonita se divertindo”. Pelo menos no início, isso pode acabar sendo uma vantagem para os profissionais de marketing.

Em uma comparação automobilística, a situação do consumismo cubano é muito semelhante aos carrões clássicos dos anos 1950 recauchutadíssimos que andam pelas grandes avenidas de Havana. Armstrong chegou a comparar sua experiência à série “Mad Men”.

“É como a publicidade nos anos 50 e 60, quando tudo era novo e os consumidores não eram, nem de longe, tão exigentes. A veiculação da mensagem não tem que ser tão sofisticada. Os anúncios que fazem naquela série são meio ridículos. Mas os cubanos não foram tão expostos a esse tipo de publicidade como nós. Eles são quase principiantes. Basta ser bem simples e direto,” disse.

Com as restrições legais à publicidade, muito do trabalho de Armstrong se dava no ponto de venda, com faixas e cartazes. Um projeto para reverter a queda de participação de mercado da marca e mantê-la entre as mais lembradas envolveu a criação, com a cerveja Cristal, de uma versão local da Batalha Nacional de Bandas, em 2005. Assim, Armstrong desenvolveu um logo e a primeira embalagem promocional de cerveja do país. Além disso, o publicitário sofreu para aprender a lição sobre o poder dos anúncios simples. Inicialmente, tentou se basear naquilo que torna Cuba especial, concentrando-se em seus aspectos rústicos. Fracasso total.

“Logo descobri que não era aquilo que queriam". “Estão ansiosos para ver fotos de gente sorrindo, gente bonita se divertindo e não querem, de maneira nenhuma, ser lembrados de que talvez sejam um país de segundo ou terceiro mundo. Querem ver o que o país poderia ser e não o que ele é.".

Assim, os cubanos não são tão diferentes assim dos consumidores dos outros países: estão abertos à idealização e à fantasia. A diferença é que, devido à falta de uma ampla variedade de produtos e fragmentação da mídia, são menos exigentes.
Perguntei que aspectos das marcas estrangeiras, que fatalmente invadirão a ilha após o embargo, poderiam empacar seu crescimento em Cuba. É quase certo que hordas de turistas e profissionais de marketing do setor de bens de consumo virão rapidamente. Um obstáculo que Armstrong destacou foi a confiança exagerada no fato de a marca ser americana, sendo a Budweiser o melhor exemplo. “Ela procura impor o sonho americano e sua imagem é estreitamente vinculada aos Estados Unidos". Acho que esse posicionamento de marca pode causar certo incômodo". Além disso, a penetração das marcas de tecnologia também será lenta dada a condição deplorável da infraestrutura, que terá que ser modernizada rapidamente".

Para muitos, a questão fundamental será, antes de tudo, se vale realmente a pena entrar no mercado cubano. Com um PIB de pouco mais de US$ 60 bilhões e uma população de cerca de 11 milhões (mais ou menos a mesma que do Equador), o país não tem com ser um alvo de grande importância para a classe empresarial mundial. O mercado pequeno oferece poucas vantagens que possam compensar todo o esforço. Porém, por sua localização e História, Cuba é um país único e, pelo menos por algum tempo, atrairá a atenção.

David Radlo, que, em 2002, se tornou o primeiro produtor americano de ovos a exportar para a ilha, afirmou em entrevista que, na melhor das hipóteses, Havana será “uma nova Jerusalém”, nos próximos anos.

“É possível que as questões políticas de destaque venham a perecer de causas naturais", previu. “Ou haverá eleições livres ou surgirá uma ditadura capitalista à chinesa. Implantaremos algum tipo de Plano Marshall para desenvolver a infraestrutura e a propriedade. Com o país, que registra índices elevados de alfabetização, livre para criar, atingir o sucesso e investir capital, surgirá uma grande oportunidade para o comércio e a publicidade.

Tudo isso parece ser interessante para as marcas, mas e o povo?
Com todo esse processo, os profissionais de marketing americanos, responsáveis por infestar o país com hotéis, refrigerantes e cassinos, terão que fazer uma escolha, de certa maneira, de caráter moral. Armstrong passou por isso. Seus amigos o questionavam se se sentia mal pelo que fazia. Mas, obviamente, isso foi no Canadá.

*Do Advertising Age
*Com tradução de Antonio Carlos da Silva
 

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