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Comunicação

“A publicidade não vive mais de resultado individual”

Andre Passamani, cofundador, sócio e COO da Mutato, fala sobre o choque de gerações e o legado de grandes criativos na propaganda


22 de agosto de 2017 - 9h27

O mercado publicitário vive mudanças profundas. O modelo de negócios está se transformando. A cobrança social do posicionamento de uma marca é cada vez maior. Novos entrantes passaram a concorrer com as agências. As questões de diversidade e igualdade entraram na pauta de forma definitiva. E os líderes deste mercado são cada vez mais questionados em suas declarações. Para deixar o cenário ainda mais complexo, o choque geracional dentro das agências é cada vez maior.

Andre Passamani

Diante de tal cenário, o jornalista Andre Passamani, cofundador, sócio e COO da Mutato, reconhece que tudo se agrava quando o mercado descobre que ele se fechou por anos e isso começa a ficar claro no choque de gerações que ocorre neste momento. Segundo Passamani, no entanto, existe uma oportunidade para que as gerações encontrem uma forma de convivência. “Acho que existe a oportunidade de criar valor. De as gerações anteriores suportarem e darem condições para as novas”, diz Passamani. Em entrevista, ele comenta questões como legado e desafios dos jovens que estão chegando ao mercado.

Meio & Mensagem – O que aconteceu com o mercado publicitário? 
Andre Passamani – O mercado da propaganda sempre foi muito fechado. Em vários aspectos. E um mercado fechado tende a ficar cada vez mais fechado. Outra coisa que acontece em um mercado fechado é que muitas pessoas parecidas ingressam nele e quando pessoas muito parecidas e com os mesmos sonhos estão juntos tudo é semelhante. Quando há uma mudança de geração, no entanto, vem uma quebra e com ela os choques. É o que vivenciamos neste momento.

“O que estamos assistindo neste momento é choque geracional, mudança de modelo de negócios e pressões sociais, tudo de uma vez” 

M&M – São vários choques e transições ocorrendo ao mesmo tempo?
Passamani – O que estamos assistindo neste momento é tudo de uma vez. Choque geracional, mudança de modelo de negócios. A diversidade como uma discussão forte. De uma vez, um publicitário na direção de uma agência tem que responder a várias dessas perguntas. Tem que responder por qual motivo ele não tem um trans na equipe. Alguns vão reagir com consciência, poxa, preciso resolver isso. Já outros vão dizer jamais contratarei um trans. Minha geração passou o  tempo todo ouvindo que era nova demais para isso e para aquilo. Que não tinha experiência para fazer tal coisa. Eu, como jornalista, admirava o Elio Gaspari, Mino Carta, caras que já tinham 60 e poucos anos. Mas você olha a molecada hoje e eles não conseguem encontrar referências. Ou acha que um cara com mais de 30 anos vai ser foda em Snapchat ou Stories?

M&M – Recentemente, presenciamos polêmicas com Nizan Guanaes e Washington Olivetto, e sempre que isso ocorre, existe uma discussão sobre legado. As novas gerações enxergam o legado desses líderes?
Passamani – O que não temos hoje é alguém muito foda que tenha virado referência para essa geração. Tudo isso é um pouco duro. Falo pela a minha geração e as anteriores. Muitos dos caras que chegaram ao auge do conhecimento técnico. É duro imaginar que eles começam a enxergar que muito do que eles acumularam em toda a vida não tem muito valor hoje. Ou melhor, tem valor, só que não serve. Vai dizer para um cara que passou a vida inteira fazendo jingle que jingle não serve para nada da forma como era concebido. Ele tem seu valor, gruda na cabeça. Mas um jovem não enxerga dessa forma.

M&M – Existe um equilíbrio entre legado e o que ele permite?
Passamani – Na cultura, toda vez que você tem uma mudança existe um processo de negação. Um legado, muitas vezes, só é visto com o tempo e com certo distanciamento. Para nós, mais velhos, talvez não seja fácil ponderar isso. O que para nós tem um puta valor, não serve de nada para um cara de vinte anos e temos de conviver com isso. Pode ser que esse legado seja mais valorizado quando os caras não estiverem no jogo. Mas enquanto muitos estão ai, a molecada nega o direito de os caras terem feito algo considerado tão foda. E isso é normal.

M&M – Há uma responsabilidade individual desses líderes de entender o momento?
Passamani – Existe essa coisa do ego. Tem também a necessidade de se manter ativo. De ser valorizado. Tem um monte de afirmações. Ou de perceber que não faz parte daquela geração e de mudar a postura. Na época da Colmeia, agência que fundamos antes da Mutato, percebi que o meu mundo já não batia com os caras que estavam lá. Me sentia distante. O que eu vejo é uma oportunidade fodida para o pessoal da minha geração e outras de somar. Se antes, ouvir que um estagiário tinha feito algo era quase pejorativo, hoje, eu quero ter certeza que um jovem estagiário fez algo.

“As gerações anteriores vão ter que aprender a servir a próxima. Não se conquista essa galera mandando”

M&M – Como você enxerga essa coexistência?
Passamani – Eu vivo isso aqui. Vejo o drama da galera aqui da Mutato e me identifico. Coisas que já vivi no passado. Repertório que já adquiri. Acho que existe a oportunidade de criar valor. De as gerações anteriores suportarem e darem condições para as novas. Para mim, Jay Z é um exemplo claro de como isso pode ser feito. Como uma geração pode suportar as próximas. Os caras do hip hop nos Estados Unidos souberam criar uma plataforma para dar suporte aos novos. E mesmo os caras que só falam de si em suas músicas, aprenderam que o ego tem que ficar de lado. Ouvi por muito tempo que quem manda é chefe. Mas neste contexto, chefe é quem dá condições para quem trabalha fazer. Seja garantindo uma condição básica como um telefone, uma cadeira ou até suportando politicamente na hora de bancar uma ideia. No caso da publicidade, não vivemos mais de resultado individual. As gerações anteriores vão ter que aprender a servir a próxima. Não se conquista essa galera mandando. Mas criando uma relação. Ele e ela precisam estar amarradões com o trabalho.

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