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Opinião: A verdade mora nos bastidores

A fama e, principalmente, o poder mudam os indivíduos. Raros são aqueles que permanecem fiéis às origens


25 de fevereiro de 2016 - 9h11

(*) Por André Kassu

O sujeito é humilde, simpático, até que faz sucesso, sobe no salto e se esquece do passado. Já ouviu uma história assim? Pois eu vi várias delas de camarote, atrás da cortina, no canto de um palco. Minha infância foi um laboratório para entender como o ser humano se comporta antes e depois da fama. Parêntese. Minha mãe foi uma das maiores assessoras de imprensa do País. Um personagem fundamental de uma profissão que era chamada de divulgadora quando ela começou. Acompanhar o seu trabalho forjou o meu comportamento, a minha desconfiança entre o que as pessoas dizem que são e o que elas são de verdade, sem a maquiagem populista. Quietinho ali no meu canto, fui o Nelson Rubens de mim mesmo.

A fama e, principalmente, o poder mudam os indivíduos. Raros são aqueles que permanecem fiéis às origens. Muitos que se vangloriavam de uma infância sofrida eram os primeiros a destratar os funcionários. Lembro-me de um cantor cuja guitarra deu problema em um show. No camarim, um músico da banda minimizou o acontecido. E o cantor retrucou aos berros: cuida do seu espacinho porque a estrela sou eu. Poderia citar diversas dissonâncias entre imagem e realidade. Do criativo que era gentil no estágio e virou carrasco na direção de criação. Prefiro trilhar o caminho dos que me marcaram positivamente.

Uma breve história envolve aquele rapaz de letras mais ou menos e olhos verdes, que no meu daltonismo, prefiro não acreditar. Minha mãe estava envolvida em um projeto com esse tal de Francisco. E o formoso moço, na época com seus 40 anos, já derretia todos os corações femininos. Mesmo um pirralho como eu percebia isso. Sei que era humilde, tranquilo, atencioso e tinha um defeito fatal: era tricolor. Num belo dia, rodeado pelas filhas, ele resolve contar uma piada de salão, um chiste singelo. Lembro-me vagamente, mas vou arriscar. Era um cara que estava com o cachorro no cinema. E a pessoa ao lado fala abismada: um cachorro no cinema? E o dono responde: é, mas ele preferiu o livro. Terminada a piada foi um silêncio sepulcral na mesa. As filhas não riram. E o tal Francisco teve de engolir esse desprezo, enquanto as mulheres no mundo inteiro suspiravam.

A outra envolve o Rei. Minha mãe foi assessora do Roberto Carlos de 1977 até o momento em que ela saiu antes de a festa acabar. Certa vez, testemunhei algo inesquecível. Um diretor dava chiliques com a equipe inteira. Tensão no ar porque o homem estava chegando e tudo tinha de estar tinindo. Rabo entre as pernas, carinhas de muxoxo e eis que sem soar as trombetas, entra o Rei. O diretor muda para o módulo cordial e tenta acelerar a realeza. Com a educação que lhe faltava instantes antes, diz que tem poucos minutos para a grava- ção começar. O Rei olha para os súditos e diz em tom afinado: primeiro, eu preciso falar com todos eles. E um a um, ele estica a mão não por demagogia, mas por não saber fazer diferente. Um obrigado verdadeiro era dito olhando nos olhos, seguido de um aperto firme. A maioria parecia não acreditar. Ao fim, ele fala: agora, podemos começar.

Lembro-me desses casos cada vez que a rádio peão, aquela que só toca a verdade, dispara uma canção sobre humilhação, assédio moral, abuso de poder. Não importa quão talentoso você é, todos nós temos um momento de fracasso. Mesmo o Chico Buarque (pronto, já vão me chamar de petista). Tanto faz as histórias que contamos para a audiência se elas se desmantelam no cotidiano. Aprendi cedo que se o Roberto Carlos, com toda a fama, trata bem a equipe, por que alguém faria o contrário? Entendo que há uma mescla de arrogância e insegurança que pode levar a esse curso. É uma escolha. No entanto, não conheço triunfo algum que lhe dê o direito de ser grosseiro com as pessoas. Até porque no camarim, na mesa de jantar, no reflexo da tela do computador, a verdade uma hora aparece.

(*) André Kassu é sócio da Crispin Porter + Bogusky Brasil
 

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