Como ampliar a diversidade e inclusão no audiovisual?
Contratada pela Pródigo e Iconoclast para implementar políticas inclusivas, psicoterapeuta Deborah Medeiros fala sobre a importância de descolonizar as estruturas das produtoras
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Renan Honorato
29 de setembro de 2022 - 6h00
Em 2017, quando poucos conheciam os impactos que movimentos digitais poderiam causar nas estruturas políticas e sociais, uma hashtag em inglês desestabilizou a torre de babel em que era construído o prestígio da indústria audiovisual hollywoodiana. O movimento #MeToo contra o assédio sexual e moral abriu as brechas pelas quais profissionais como a psicoterapeuta e consultora de diversidade Deborah Prado Medeiros pudessem ajudar a construir um setor mais humano e plural.
Com contrato assinado com as produtoras Pródigo e Iconoclast para atuar como agente de transformação e diversidade, Deborah já havia trabalhado na área da diversidade e de políticas de respeitabilidade no set de filmagem de Amar é para os fortes (Amazon), seriado criado Marcelo D2 e Antonia Pellegrino e produzido pela Pródigo.
Quando a Pródigo e a Iconoclast resolveram integrar as especialidades da psicoterapeuta aos times, Deborah frisou como era importante que ela estivesse no mesmo patamar decisórios que os CEOs.
“É importante não estar subordinada a nenhum setor no set de filmagem para também possibilitar um olhar sobre essas instâncias de poder” conta, e acrescenta: “Por isso que preciso ter uma comunicação direta com os sócios”.
Para trabalhar com as produtoras, a profissional recebeu total liberdade de abordagem aos temas de diversidade e inclusão. Deborah afirma que seu trabalho é baseado em três pilares metodológicos no qual pretende se aprofundar durante esse período: políticas de respeitabilidade, humanização e diversidade & inclusão. “Não vejo como trabalhar separadamente estruturas de poder e tipos de agressão sem ter a leitura de raça, gênero, LGBTfobia, capacitismo etc” explica.
As mudanças precisam partir de dentro – e muitas vezes dos boards de liderança – das empresas. Nos últimos anos, as redes sociais têm canalizado uma série de protestos, comentários e denúncias a respeito de pessoas que cometeram crimes como assédio moral, sexual e racismo nos ambientes de trabalho.
Deborah Medeiros aponta que o primeiro questionamento que as marcas deveriam fazer: “Como é possível realizar mudanças nas produções se as formas de ver e pensar emanam, exclusivamente, do ponto de vista de pessoas brancas?”
Nos cenários das agências de publicidade e produtoras, que são consideravelmente ambientes mais progressistas, a inclusão não deveria apenas ser de gênero e de orientação sexual. “Temos nesses ambientes mulheres, mas mulheres brancas. Temos homens gays, mas são homens brancos. Então, qual é a diversidade que não tem ali?” instiga a conselheira.
Recentemente, em reportagem do Meio&Mensagem, foi divulgado levantamento que aponta que 73% dos profissionais de agências publicitárias entrevistados se sentiam confortáveis para criticar a indústria de publicidade como um todo. Contudo somente 47,3% dizem ter confiança para comentar sobre o próprio local de trabalho.
“Com a queda de pessoas importantes na indústria e a entrada dos streamings com programas anti-assédio moral e sexual há uma preocupação real em trazer uma pessoa para o set que possa cuidar e ter essa escuta humanizada” diz Deborah. O movimento “#MeToo” ajudou as investigações de uma série de casos crimes de assédio, como foi o caso do produtor norte-americano Harvey Weinstein.
Com origem no subúrbio carioca, Deborah teve uma infância marcada pelas questões de gênero. “Sou uma carioca de família tradicional e, como toda família conservadora, ela é atravessada pelos principais troncos estruturantes no nosso País que são o patriarcado e o racismo”, conta.
Instigada por programas de TV, ela se matriculou no curso de psicologia na UERJ e, ao fim da graduação, vendo que precisava arranjar um meio de sustento, se candidatou ao curso para a marinha no Rio de Janeiro.
“Eu vi na Marinha, como muitos de nós negros vemos nas Forças Armadas, uma oportunidade, já que nesses grandes concursos públicos você não tem foto e nem entrevista” reflete ela a respeito de como os anos no serviço militar poderiam ter contribuído para o desenvolvimento de suas abordagens enquanto curadora de diversidade.
Talvez a principal habilidade desenvolvida nesse momento de sua trajetória foi o olhar mais acurado para entender os nuances das relações entre as pessoas, os times e as hierarquias de poder. Contudo, a psicologia não deu conta de responder aquelas questões iniciais sobre raça e gênero. “Tudo o que eu imaginava que iria encontrar, não encontrava”, confessa.
A partir de 2002, Deborah passou a viajar com seu marido – o intelectual Carlos Alberto Medeiros – pelos Estados Unidos na realização de palestras. “Eu passei a ter o privilégio de frequentar a intelectualidade negra brasileira, conheci Abdias Nascimento, Cida Bento e muitos outros”.
Eleita como uma das 50 personalidades de maior influência no debate de diversidade, Cida Bento é diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e autora do recém-publicado “O Pacto da Branquitude”, que tem a ver com o processo de retroalimentação do próprio grupo étnico.
Segundo a psicoterapeuta, que baseia boa parte de suas metodologias de trabalho na obra de Cida Bento (porém não exclusivamente), o pacto da branquitude poder ser definido como o processo pelo qual se questionam como os benefícios (profissionais, sociais e econômicos) ficam sempre dentro das próprias bolhas de socialização.
Além disso, para Deborah, o grande valor das empresas, que até então não tem um capital racial para que possa integrar pessoas que estejam fora das bolhas sociais, está em admitir que a ignorância no assunto. “Quando a liderança de uma empresa admite que não sabe, ela deixa todo mundo mais confortável para também dizer que não sabe sobre essas questões.
Com o time da Pródigo, ela tem trabalhado na produção da biografia seriada de Anderson Silva, um projeto da Paramount. “Já com metodologia aprovada, eu tenho trabalhado no set de filmagens junto com um time de atores negros que estão contando a história de superação de um homem negro, que aborda temas de racismo e essas são histórias que precisam de muita delicadeza para contar”, explica.
Durante seu período nos Estados Unidos, Deborah foi convidada a dar palestras sobre temas ligados as estruturas raciais no Brasil. Segundo ela, os americanos ainda acreditavam no dito mito da Democracia Racial: um conceito em que é negado a existência do racismo nas terras brasileiras.
Foi nessa hora que ela resolveu trazer para discussão peças e campanhas de marketing que demonstravam como a audiência poderia ser impactada pelos produtos audiovisuais e publicitários. “Eu acredito que é por meio da família, da escola e dos meios de comunicação, especialmente o entretenimento, onde ocorre o impacto na subjetividade dos brasileiros, resultando na alimentação de narrativas de superioridade estética, moral e racial” diz a psicóloga.
“O letramento racial é uma condição de quem produz a propaganda!” Para demonstrar aos americanos os impactos do marketing na manutenção das estruturas racistas, Deborah Medeiros levou a sua audiência nas palestras algumas propagandas. Dentre elas, estava a campanha de 2017 da Dove, que mostrava uma mulher negra vestida de camiseta marrom e que, ao retirar a camiseta tornava-se uma mulher branca.
Para produzir peças que não perpetuem velhas narrativas é preciso que as pessoas envolvidas na produção tenham uma bagagem humanizada das questões de diversidade e inclusão. “Mesmo que tenham esse desejo de ser progressista, as agências sem perceber replicam esses estereótipos na propaganda” afirma Deborah.
O Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas (GEMAA) faz o levantamento constante de ações voltadas às minorias políticas em várias frentes, inclusive no audiovisual. Os dados do estudo “Diversidade Racial e de Gênero na Publicidade Brasileira das Últimas Três Décadas (1987-2017)” apontam que: pessoas brancas representam quase 80% das pessoas que aparecem em propaganda, enquanto pretos e pardos ficam em, apenas, 16% (tendo 2017 como ano de comparação) das campanhas.
Ainda segundo a pesquisa, apenas 4% das peças monitoradas durante esses trinta anos tinham como protagonistas mulheres pretas e pardas (46% eram representados por homens brancos; 36%, mulheres brancas; 8%; homens pretos ou pardos).
“Enquanto, propusermos o audiovisual e o marketing como um ambiente progressista, é preciso que seus agentes passem por um processo de descolonização do olhar e assumam novas formas de criar, de enquadrar, filmar, iluminar e retratar pessoas negras” diz Deborah.
A parceria entre a profissional e as produtoras surge, portanto, para repensar as estruturas de trabalho tradicionais que envolve desde o estagiário até – e principalmente – às lideranças. “A escuta é algo precioso e raro. A Iconoclast e a Pródigo tiveram essa disposição para escutar e isso fez com que eles conseguissem segurar as minhas provocações – no melhor sentido”.
Mas não é apenas questionando que a Deborah acredita que irá contribuir: ela quer materializar as mudanças e construir caminhos novo e legítimos. “Eles me convidaram para um processo que implica em descolonizar o pensamento das empresas” finaliza.
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