Os donos da ideia

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Os donos da ideia


17 de abril de 2011 - 5h00

Embora ninguém fale abertamente sobre o tema, sabe-se que não é tão incomum no mercado publicitário brasileiro casos em que uma agência é surpreendida ao ver uma ideia sua em uma campanha desenvolvida por uma concorrente com quem disputou e perdeu a conta de determinado anunciante. Para discutir a conduta de clientes que se apropriam de ideias apresentadas por agências preteridas em processos de concorrências, Meio & Mensagem ouviu as opiniões de quatro executivos do mercado brasileiro – um dono de agência de publicidade, uma profissional de marketing, um sócio de agência de marketing promocional e um consultor especialista no tema – e constatou que a prática existe, mas que há maneiras de tratar a questão.

A rigor, o uso de ideias de agências derrotadas em concorrências não é uma peculiaridade do mercado brasileiro. Há muitos anos a American Association of Advertising Agencies (4 As) recomenda que as agências preteridas simplesmente digam não a anunciantes que solicitam a propriedade sobre as ideias apresentadas em processos deste tipo. No ano passado, a entidade lançou um guia de conduta para concorrências, em que recomenda que agências estabeleçam padrões internos sobre questões como propriedade intelectual, antes mesmo de começar as negociações com os prospects.

Mas, e quando o anunciante remunera pelas ideias? No ano passado, foi reportado que a AutoZone – empresa de autopeças que tem verba de US$ 70 milhões – estabeleceu essa prática pagando cerca de US$ 30 mil para as concorrentes para ficar com as ideias apresentadas. Algumas agências saíram da disputa por conta desses termos. Há relatos de que anunciantes como Major League Baseball e Celebrity Cruises ofereceram, respectivamente, US$ 10 mil e US$ 50 mil pela propriedade – valores considerados baixos pelo mercado norte-americano.

Ao mesmo tempo em que é mais comum a divulgação de fatos deste tipo nos Estados Unidos, assiste-se a muito mais casos de agências abrindo mão de disputas, como fez a JWT no caso da UBS, por conta dos termos da concorrência. Já no Brasil, a Abap passou a monitorar neste ano todas as concorrências que envolvem suas associadas, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Pelas regras da entidade, quem ingressar em uma disputa privada deverá comunicar o fato à diretoria da associação. Um guia de boas práticas estabelece o máximo de cinco agências por concorrência e recomenda que os anunciantes não exijam a apresentação de campanhas finalizadas.

 

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Agência

“Na livre iniciativa regulada por código de ética, pode-se decidir as coisas em negociação. Se um anunciante deseja ter a propriedade de uma ideia, isso implica primeiro em saber se a agência em questão está disposta a – mesmo sem ter vencido – atribuir à ideia um determinado valor a ser pago pela parte interessada. Solicitar algo assim não é muito lógico, mas não é errado. Errado é, obviamente, a apropriação indébita de uma ideia apresentada em concorrência. O que o anunciante deveria estar selecionando em uma concorrência é o todo, desde a ideia até o relacionamento e o serviço. Se ele está tendo que complementar a oferta da agência escolhida com a de outra, é porque não está escolhendo direito. Se um anunciante pensa que precisa comprar ideias no atacado ou no varejo, não está entendo como funciona o serviço de uma agência. Essa seria uma ação muito tática e pouco estratégica. A idéia é a etapa final de um processo muito mais complexo, sofisticado e sério de comunicação. O papel da Abap é importante porque nenhuma agência sozinha tem força para se impor institucionalmente. Mas, obviamente, cabe às agências também seguirem os parâmetros éticos do nosso modelo de negócio. Quem quer respeito, tem que se dar ao respeito”.

 

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Anunciante

“Acredito que esta solicitação não deve ser feita para agências derrotas. Além disso, mesmo que seja comum ver agências apresentando ideias semelhantes durante um processo de concorrência, com variação do conceito criativo, a execução nunca deve ser igual, por uma questão ética. Esta não deve ser uma prática comum no mercado porque envolve direitos de propriedade intelectual. Recentemente, lançamos uma campanha institucional criada pela nossa nova agência de publicidade, a Talent. Tudo o que estamos aplicando nesta campanha foi 100% trazido pela agência que, afinal, foi escolhida justamente pela identificação da marca com as ideias apresentadas. A Dafra Motos trabalha com termos de confidencialidade porque, durante um processo de concorrência, a empresa abre números, informações internas e, muitas vezes, estratégicas. Por outro lado, as agências também apresentam suas ideias e métodos de trabalho. O termo de confidencialidade protege tanto o anunciante como as agências. Além disso, nesta concorrência recente que fizemos, buscamos a transparência em todas as etapas, o que envolveu, por exemplo, um único dia de apresentação dos projetos, para que todas as agências tivessem o mesmo prazo para desenvolvê-los. O resultado da concorrência também foi comunicado simultaneamente a todas as agências participantes, e não somente à vencedora”.

 

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Agência

“A propriedade criativa é um tema ainda polêmico e subjetivo. Quando uma ideia é apresentada em concorrência, é propriedade da agência pelo menos até ser contratada. Mas, e quando dez agências são envolvidas, como julgar as coincidências? Ou então, e se a ideia serviu de inspiração para se gerar uma nova ideia ou até mesmo um novo briefing? Julgar se uma ideia foi indevidamente usada é muito difícil, uma vez que ela se transforma ao longo do tempo, enquanto passa de mão em mão. O problema não está apenas na solicitação da propriedade, mas também na ética e transparência em um processo de concorrência. A solicitação da propriedade da ideia é muito comum. Porém, quando isso ocorre, a nossa resposta já está na ponta da língua: é não. Se eu não recebo para participar de uma concorrência, não tem porque ceder a ideia. Mas os processos pouco transparentes, beirando a falta de ética, são comuns – e destes a Bullet fica bem longe. Hoje, a prática já está presente também em áreas que antigamente eram blindadas, como a publicidade, por exemplo. E não há qualquer garantia de que a ideia não seja usada indevidamente por anunciantes”.

 

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Consultor

“Esta é uma conduta totalmente antiética, causada pela ânsia de reduzir custos a qualquer preço. E é também incentivada pela prática de atrelar excessivamente a remuneração de executivos a resultados financeiros da empresa. Valores como ética e justiça acabam ficando esquecidos pelo caminho. Não dispomos de dados que nos permitam afirmar o quão frequente essa situação possa acontecer. Eu nunca vivenciei uma situação dessas. Mas aqui e ali ouço histórias. Por princípio, sou contra agências terem de trabalhar de graça para anunciantes. Inclusive em concorrências. Nos processos de avaliação de agências que coordenamos, sempre tentamos convencer a empresa a remunerar o trabalho especulativo das agências, mesmo que de forma simbólica. Nem sempre temos sucesso. Mas essa é outra história, relacionada inclusive com práticas do mercado, onde algumas agências oferecem seu trabalho gratuitamente. Aí fica difícil falar de ética. No que diz respeito à utilização de ideias criadas por agências preteridas, sempre definimos “a priori” com as empresas que os direitos autorais são intocáveis. Se o anunciante quiser utilizar essas ideias, tem que negociar com a agência que as criou. Já passamos por essa situação algumas vezes, sem problemas. Tudo que é claramente definido antes não é mais contestado”.

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