Meio & Mensagem
23 de agosto de 2011 - 3h46
Nos últimos anos aumentou, consideravelmente, o cerco da sociedade e das instâncias governamentais à publicidade. Seja com a proibição da propaganda de cigarros, com o banimento dos outdoors em São Paulo ou com propostas de restrições à comunicação de alimentos. Paralelamente, o público e algumas organizações não governamentais têm se posicionado mais firmemente contra a publicidade que os incomoda, acionando frequentemente o Conar e até mesmo a justiça. O próprio órgão de autorregulamentação tem se movimentado para responder à maior demanda, inclusive com detalhamento de suas regras para adaptação aos novos tempos. O cenário mais vigilante adiciona ingredientes estranhos ao processo criativo — como, por exemplo, consultas a assessoria jurídica sobre as possíveis implicações das campanhas e cálculos de prejuízos que poderão ser gerados pela eventual suspensão na veiculação. Isso inibe os anunciantes de apostarem em estratégias mais ousadas? Como a maior vigilância externa sobre o trabalho das agências afeta a criação das campanhas? Propusemos este debate a dois executivos de anunciantes atuantes em mercados distintos e a dois sócios de grandes agências.
Anunciante
"A propaganda é resultado do momento cultural do País em que está sendo veiculada. Um beijo em um comercial brasileiro nos anos 60 não era politicamente correto. Hoje, não gera reclamação, pois é um fato socialmente aceito. As maiores discussões ocorrem em campanhas com humor, que basicamente utilizam-se da polêmica para fazer rir. Lógico que ser criativo no atual cenário requer maior trabalho, mas a criatividade é muito mais afetada pelas regras que os próprios anunciantes criam, como: precisa demonstrar o uso do produto em “x” segundos, o pack final precisa ter “y” segundos, não pode falar disso, daquilo. Acabamos criando uma camisa de força para os criativos quando nos esquecemos de que um comercial de TV é uma interrupção na programação e passamos a crer que nossa mensagem é a coisa mais importante no dia a dia do consumidor. A cautela tem mais a ver com a empresa e o profissional responsável pelo briefing e pela aprovação das campanhas do que com influências externas. Os anunciantes precisam primeiro avaliar se a polêmica na qual estão se envolvendo é realmente negativa. Depois, entender quais são os desafios que a marca tem a frente, para avaliar o limite para um trabalho mais polêmico. O ponto mais importante é ter certeza de quais são as reações que se espera com uma campanha. A polêmica pela polêmica não tem valor. Quando serve aos objetivos de construção de marca, passa a ser um fator válido como outro qualquer.”
Agência
“Sinceramente, não sei se esta situação afeta diretamente a criatividade. A gente tem de entender que, nos últimos anos, o mundo mudou tremendamente, não apenas na tecnologia, na economia, no consumo, mas também no comportamento, na ética e na legislação. A partir daí é preciso diferenciar dois comportamentos de empresas. Um é o politicamente correto, o puxa-saquismo e o desejo de ficar bem na foto apenas como postura de marketing. O outro é realmente entender as mudanças da sociedade, participar delas, discutir e influenciar estas mudanças em vez de apenas se submeter a elas. Acabou aquela história do produto ou da marca ser o herói perfeito e imaculado que muita gente queria acreditar que existia. Com a internet e as redes sociais, milhões de pessoas passaram a ter voz de forma fácil e imediata, podendo emitir qualquer opinião contra ou a favor, com ou sem razão. O boato e a má informação correm mais rápido que o desmentido e podem ser mais duradouros do que a verdade. Esta é a lição: todo mundo está sujeito a críticas, sejam elas justas ou injustas. Por isso, é importante assumir posições em vez de querer agradar a todo mundo. Não dá mais para ser a unanimidade nacional. Às vezes, é preciso desagradar alguns para agradar a outros. Todos estamos correndo riscos neste admirável mundo novo, tanto empresas como cidadãos. O importante é que o medo não paralise a agência nem o cliente. Nós não estamos no negócio de sermos discretos, mas no de aparecer, de sermos notados, de dialogar com o consumidor e agregar valor a vida das pessoas.”
Anunciante
“A sociedade mais atuante e vigilante — o que revela um amadurecimento importante no consumo de maneira geral — estimula que os profissionais de publicidade enriqueçam e ampliem seu repertório, conheçam efetivamente seu público-alvo. O consumidor tem exigido das empresas uma comunicação cada
vez mais personalizada e qualificada. Do lado das empresas, também há a expectativa de que este consumidor mais vigilante atribua valor às marcas e produtos de acordo com a responsabilidade e comprometimento das organizações com as melhores práticas ao desenvolver suas estratégias e campanhas. As plataformas de comunicação, sociabilização e interatividade, em significativo processo de crescimento com o acesso cada vez maior de pessoas à internet, possibilitaram ao consumidor contato mais direto com as marcas, produtos e valores de empresas e instituições. Com isso, a relação do consumidor com as companhias é mais próxima e não depende, exclusivamente, da comunicação unilateral como ocorreu por muitos anos. A partir das redes sociais a comunicação e o relacionamento entre todas as pontas tornou-se imediata, as manifestações são mais espontâneas. É um processo muito rico de aprendizado para todos os agentes. Para que os anunciantes não se vejam envolvidos em polêmicas negativas, recomendo bom senso, ética e respeito à sociedade, sem perder de vista a criatividade e a inovação.”
Agência
“As mudanças de legislação promovem limitações que afetam o processo criativo, porque reduzem as possibilidades de abordagem. Como acontece com qualquer iniciativa restritiva, há acertos e vários exageros. Cabe a nós, como categoria, lutar contra os exageros, mas também cabe a nós inventar meios de fazer comunicação atraente apesar das limitações. Chorar e espernear não resolve. Temos de nos adequar, lembrando que o melhor padrão de conduta continua sendo o bom senso e que o melhor mecanismo de controle continua sendo o consumidor. O fato de ele estar mais atento e atuante não afeta em nada a criatividade. Nosso trabalho é encantar e envolver as pessoas. Se elas não gostam e se queixam, significa que erramos. Simples assim. É preciso humildade nesta hora. Claro que isto só vale para queixas e rejeições em larga escala, não para a meia dúzia de chatos no plantão do politicamente correto. Mas, no geral, temas polêmicos não costumam fazer parte da estratégia de grandes marcas, que falam com grandes públicos. Isto costuma ficar mais restrito a marcas desafiadoras, menores, com vontade de se destacar rápido. Para estas, a repercussão maior que o mundo de hoje proporciona pode até ser útil. Para a maioria das outras, não ajuda nem atrapalha, já que ousadia e polêmica não fazem parte de suas pautas. Mas a verdade é que para a falta de ousadia existem muitas desculpas. O alcance das redes sociais e o Conar são apenas algumas delas.”
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