Eduardo Axelrud
25 de abril de 2011 - 10h17
Em primeiro lugar, quero deixar claro que “O Discurso do Rei” é um bom filme. Formalmente impecável, com grandes atuações, e uma pitada de interesse a mais por tratar da vida privada da realeza.
Mas o fato dele ter sido o vencedor do Oscar de melhor filme me incomoda. E me faz refletir um pouco sobre as premiações em geral, inclusive as publicitárias.
Por que o prêmio me incomoda? Porque apesar de todas as qualidades já arroladas no primeiro parágrafo do post, saí do filme com uma sensação de deja-vu. Talvez porque ele siga uma lógica já vista em inúmeras produções anteriores, algumas delas inclusive vencedoras desse mesmo prêmio.
Senão vejamos: o filme narra o encontro improvável entre duas pessoas de extratos sociais diferentes, unidas pelas circunstâncias. Um deles, representando o andar de cima (seja pela superioridade social, cultural, racial, etária ou financeira) e o outro o andar de baixo. O primeiro tende a uma postura mais arrogante e intolerante em relação ao segundo, que mantém uma postura mais humilde. Ao longo do filme, no entanto, a convivência entre os dois modifica o jeito de pensar do mais inflexível, a medida que vai ficando claro como um depende do outro. No final, eles estabelecem uma relação que se mostra frutífera para ambos, que terminam a história bem melhor do que estavam no começo. E todos nós saímos do cinema nos sentindo também melhores do que entramos.
Onde você já viu isso? Sem pensar muito, vêm na minha cabeça Jack Nicholson e Morgan Freeman confinados numa mesma sala de hospital em “Antes de Partir”. Ou o mesmo Morgan Freeman como motorista de Jessica Tandy em “Conduzindo Miss Daisy”, que inclusive também ganhou o mesmo Oscar de melhor filme lá em 1989. Ou, extrapolando um pouco, Dennis Quaid e Louis Gosset Jr. encenando o mesmo drama nos papéis de terráqueo e alienígena em “Inimigo Meu”, de 1985. E se formos aprofundar, com mais alguns minutos de brain vamos lembrar de mais algumas dezenas de produções e telefilmes envolvendo velhas rabugentas e garotinhas loiras, nobres e mordomos, chefes ortodoxos e funcionários cheios de idéias, sargentos furiosos e soldados rasos, etc…
Então, fico com a impressão que a Academia premiou um filme correto, diria até impecável. Mas sem novidade. Num ano em que pelo menos dois filmes, a meu ver, trouxeram mais frescor, mais experimentação, mais ousadia: o delírio psicanalítico de “Cisne Negro” e a História (com H maiúsculo mesmo) sendo feita nesse minuto de “A Rede Social”.
O que nos traz finalmente à reflexão sobre o papel das premiações, e aqui precisamos falar sobre o nosso quintal. Tenho participado de diversos júris nos últimos anos e vejo como as discussões acabam muitas vezes se polarizando entre peças mais ousadas e inovadoras contra outras que primam pelo apuro técnico. E muitas vezes o júri acaba pendendo por estas últimas.
Entendo que um júri que opta pelos “Discursos do Rei” está fazendo o elogio da forma, aplaudindo o rigor e o suor (e que todos sabemos que não é pequeno) de realizar uma peça bem-feita.
Mas entendo que um júri que, sem descuidar da forma, valoriza os “Cisnes Negros”, peças que flertam com o novo, que mexem no vespeiro, que ousam se diferenciar, muitas vezes correndo riscos – este sim está empurrando a nossa atividade pra frente. Gostaria de participar de mais júris assim.
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