Meio & Mensagem
30 de maio de 2011 - 6h13
Qual a relação entre o show and tell, conhecida prática da pré-escola americana, a professorinha do Rio Grande do Norte que deu ao país uma lição sobre educação, e o livro do MEC que liberou os estudantes brasileiros para falar errado? A meu ver, basta ligar os pontos para enxergar um dos desafios mais importantes para profissionais, empresas e países que não queiram se tornar irrelevantes no novo mundo da sociedade em rede: a competência de comunicação como fator crítico de sucesso.
Uma das coisas que impressiona quem teve a oportunidade de viver nos Estados Unidos é a desenvoltura com que a maioria das pessoas fala em público. À parte o acesso universal à educação pública, ainda acima da média dos países embora tenha perdido qualidade nos últimos anos, esta capacidade tem provavelmente relação com o show and tell, a prática de estimular as crianças a levar semanalmente algo interessante para a escola para apresentar aos colegas. Ou seja, o sistema estimula o exercício da comunicação antes mesmo de se completar a alfabetização, num ritual emblemático do valor atribuído a ela pelos americanos – talvez porque lá se reconheça a comunicação como condição para o empreendedorismo e a meritocracia, outros pilares da cultura americana.
No Brasil, ainda não conseguimos nos entender, sequer, sobre como tirar nossos estudantes do fim da fila dos índices globais de desempenho escolar – como prova o polêmico livro que estimula os estudantes a falar frases como “os menino pega os peixe” e considera a defesa do uso correto do idioma uma forma de “preconceito lingüístico”. Além de evidenciar até que ponto o exagero do politicamente correto está empobrecendo o encaminhamento de questões- chave para o país, o episódio mostra como ainda se tem uma visão limitada da importância da língua, e principalmente da comunicação, para a evolução das pessoas e sociedades.
Seja no debate público sobre educação, seja nas empresas, comunicação continua a ser tratada como uma função técnica, ignorando-se o quanto ela está se tornando uma competência estratégica nestes tempos de mudanças vertiginosas, em que a inovação tornou-se a única vantagem competitiva sustentável. Pois inovação, afinal, não depende apenas de educação formal e talentos isolados, mas da capacidade de interação entre profissionais de diferentes especialidades atuando com uma visão sistêmica. E isto só é possível quanto se tem habilidades sociais, capacidade relacional e comunicativa.
Faz mais de um século que os psicólogos explicaram o vínculo entre pensamento e língua, e é fácil constatar, na prática, que quem não se expressa bem geralmente tem dificuldade de articular, também, o pensamento. Agora, estamos descobrindo o quanto a comunicação tem função estruturante – ou seja, não ocorre como mera de troca de informações, mas é o meio pelo qual as pessoas alinham suas visões e vontades para fazer coisas em conjunto. As palavras, como no título de um livro clássico dos anos 50, How to do things with words, do inglês John AUSTIN, são o modo pelo qual construímos o mundo. Segundo o teórico canadense da comunicação James Taylor, são também o modo como criamos as organizações, entre as quais as empresas.
E aí chegamos à Amanda Gurgel, até alguns dias atrás apenas mais uma, entre milhares de professores brasileiros vitimados pela obtusidade histórica das políticas de educação no país. Num depoimento recente à assembléia legislativa do Rio Grande do Norte, ela fez um desabafo impactante sobre a impotência dos profissionais do magistério diante deste quadro de descaso – discurso que passaria totalmente desapercebido não fosse sua excepcional capacidade de comunicação. Em poucos dias, o vídeo de 8 minutos foi viralizado nas redes sociais e Amanda saiu do anonimato para a mídia de massa. O que prova, mais uma vez, que a web não é território apenas de banalidades, como alegam seus críticos. E que é cada vez mais possível fazer a diferença no mundo pelas ideias, desde que se tenha a capacidade de expressá-las com correção e persuasão. Tivesse seguido a cartilha do MEC, Amanda teria provavelmente falado em vão.
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