Será que a web está reprogramando seu cérebro?

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Ponto de vista

Será que a web está reprogramando seu cérebro?


28 de junho de 2011 - 2h53

 Quais as chances de você ler este post até o fim? Independentemente da afinidade com o tema e da fluência do texto, provavelmente poucas. Uma série de pesquisas tem indicado que a leitura pode ser um hábito em extinção, principalmente no que se refere a textos mais longos. Além de alguns parágrafos, nossas mentes saltam irrefreavelmente para outros links, na busca insaciável por informação.

Há quem defenda, por isto, que a mídia digital está nos idiotizando. O jornalista inglês Andrew Keen, como muitos se lembram, foi um dos primeiros a defender esse ponto de vista no livro “O Culto do Amador”, de 2007. Para ele, em vez de democratizar a cultura, como a maioria acredita, a web 2.0 estaria consagrando a mediocridade, ao colocar no mesmo nível a opinião de amadores e a de especialistas.

Visão semelhante é atribuída ao americano Nicholas Carr, desde a publicação de seu artigo “Is Google Making Us Stupid?”, em 2008. Um dos mais qualificados pensadores da web, Carr levantou ali a hipótese de que a Internet desencoraja a reflexão por estimular a dispersão , tese que explora mais detalhadamente no seu último livro, The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains, ainda sem tradução no Brasil. Mas, em vez de nos persuadir de vez, o texto acaba evidenciando o quanto a polêmica entre críticos e apologistas da web é mais complicada do que parece. Até porque envereda por um território complexo em si mesmo: o da relação entre as tecnologias intelectuais, como o computador, e os comportamentos que elas engendram.

Nesta lógica, se você não consegue ler este, ou qualquer texto mais longo até o fim, a causa pode não ser necessariamente falta de interesse, ou tempo, mas uma limitação neurológica. Em função da imersão constante na mídia digital, nossos cérebros estariam sofrendo uma reprogramação profunda. Nada menos do que uma mutação fisiológica, que acarretaria, ao mesmo tempo, uma reconfiguração do pensamento. Da mente linear da era Gutenberg, produto da leitura na mídia impressa – sempre da esquerda para direita, do alto para baixo, frase após frase, página após página – estaríamos em transição para um modo de pensamento fragmentado, pautado pela interrupção contínua, e estruturado em hiperlinks, num padrão análogo ao da própria rede.
Mas será que isto implica, de fato, uma redução da capacidade cognitiva? Pelo que se depreende da própria argumentação de Carr, qualquer resposta talvez seja prematura por enquanto. Pode ser que a dificuldade constatada pelas pesquisas seja restrita às gerações alfabetizadas pela mídia impressa, ou àquelas que vivem hoje a transição entre as culturas literária e digital. O que parece incontestável é que estamos mesmo desenvolvendo um tipo de pensamento diferente. Embora não necessariamente melhor ou pior.

Para quem acha esta tese de mutação cerebral algo exagerada, vale pontuar que ela se apóia nas descobertas mais recentes da neurociência, segundo as quais a estrutura do cérebro não é imutável, a partir da idade adulta, como pregava até agora o paradigma predominante. O que os cientistas vem desvelando, com apoio de tecnologias avançadas de imagem, é uma realidade bem diferente: com seus milhões de neurônios, que se comunicam a cada segundo por meio de milhões de sinapses, nosso cérebro teria uma plasticidade quase infinita. Como um circuito vivo, ele é programado e reprogramado continuamente por nossas próprias ações e comportamentos. Ou seja, o cérebro “aprende” a partir do que fazemos e molda seus circuitos para atender nossas demandas com mais facilidade e rapidez.

Um dos exemplos mais curiosos desta plasticidade vem de um estudo com motoristas de taxi de Londres, veteranos na profissão. Analisando a fisiologia de seus cérebros, descobriu-se que a maioria tem a área responsável pela orientação espacial muito maior do que o restante da população, e que este aumento ocorre em detrimento de outras áreas, encarregadas de funções menos requisitadas. Ou seja, os cérebros destes indivíduos literalmente se reprogramaram para responder às exigências contínuas de orientação no complicado trânsito londrino.

Seria justamente graças a esta capacidade de adaptação do cérebro, que os meios tecnológicos, como já sugeria McLuhan, configuram nossos circuitos neurais e modo de pensar. Cada nova ferramenta intelectual cria uma maneira própria de apreender a realidade. E as próximas gerações serão inevitavelmente produto das transformações trazidas pela mídia digital que estamos vivenciando hoje – a começar por uma nova forma de ler, pensar e se comunicar.

Sem querer soar nostálgica, estou entre aqueles que se sentiriam perdidos num mundo sem livros. Nada contra os textos rápidos e concisos da web, que nos permitem cobrir um horizonte cada vez mais amplo de informação em menos tempo. Mas talvez não seja possível – ou desejável – prescindir dos textos mais densos, que ajudam a dar conta dos muitos matizes da realidade, do pensamento contraditório, da complexidade, enfim, que é a marca da nossa época.

Foi esta preocupação que motivou Carr a escrever Shallows e é difícil não compartilhar sua apreensão. Afinal, foi o pensamento linear, disseminado junto com a leitura no final da Idade Média, que nos legou a renascença, o iluminismo, a revolução Industrial e a modernidade. Mas a história está cheia de profecias apocalípticas sobre o impacto da inovação tecnológica que se mostraram completamente infundadas. E repleta de exemplos de como cada novo meio acaba ampliando a capacidade humana de evoluir. Ou seja, vale apostar que ainda vamos continuar lendo muito. Ainda que nossos cérebros possam estar se transformando….

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