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As empresas como vilãs

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Ponto de vista

As empresas como vilãs


1 de novembro de 2011 - 10h17

O que querem exatamente os manifestantes que ocupam Wall Street há mais de um mês, no protesto que se globaliza rapidamente por meio das redes sociais? E o que isto tem a ver com comunicação e marcas? Uma das fraquezas do movimento, sugerem alguns, seria justamente o seu foco difuso. Ao contrário da "primavera árabe", na qual as pessoas arriscaram a pele para derrubar regimes opressivos, e dos "indignados" espanhóis e seus seguidores, que lutam contra as medidas de austeridade adotadas para conter a crise na zona do euro, os protestos do Zuccotti Park e suas réplicas em quase mil cidades de cem países envolvem uma vitrine heterogênea de contestadores. Eles são contra, na verdade, "tudo isto que está aí". Todas as mazelas do sistema, agravadas e expostas pelo choque de 2008: dos efeitos perversos da globalização financeira e do capitalismo desregulamentado à insustentabilidade do atual modelo econômico centrado na expansão ilimitada do consumo.

A julgar pelas palavras de ordem e os testemunhais postados diariamente no blog do movimento (http://wearethe99percent.tumblr.com), a indignação se alimenta justamente deste caráter generalizado da crise, que destrói vidas e esperanças por toda a parte, e da incapacidade dos políticos de encontrar soluções que não penalizem os mais fracos. Numa leitura imediata dos protestos, a mensagem é que a maioria dos americanos – os auto-intitulados 99% – simplesmente se recusa a pagar a conta da derrocada causada pela especulação de uma minoria. Um discurso que ganha eco facilmente, em vários idiomas, aonde quer que cheguem os impactos da crise.  

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Mas, por trás dos diferentes e criativos gritos de guerra contra os governos e Wall Street, pode-se identificar outro vilão preferencial nos protestos: as corporações, apontadas como símbolo da ambição desmesurada por lucros em detrimento dos seres humanos. As mesmas empresas que investem milhões de dólares para tornar suas marcas amadas veem-se pouco a pouco acuadas como potenciais inimigas públicas. Um editorial recente do Le Monde Diplomatique captou bem este novo viés anti corporações: "Tal como grandes animais predadores, as grandes corporações internacionais estão devastando o tecido social europeu, criando uma zona de crescente instabilidade política e colocando em risco a economia global, mas também estão criando espaços para sua contestação."

Neste sentido, em contraste com a vaga contestadora dos anos 60, que questionava sobretudo os valores e a cultura, a atual onda de descontentamento parece descender mais diretamente dos movimentos antiglobalização dos anos 90, ao colocar em cheque o modelo econômico e as corporações que o sustentam. É claro que há um paradoxo permeando tudo isto. Os manifestantes que atacam as corporações, pelo menos em Nova York e Londres, o fazem paramentados com marcas: bebericando seus cafés premium da Starbucks, textando em smartphones e vestindo Levi’s. Eles não têm proposta alternativa para o sistema que rejeitam, nem articulação política estruturada para fazer prevalecer suas posições. Mas, como recomendou recentemente a Economist, não convém ignorar as mensagens desta chamada "revolução da hashtag" para organizações e governos.
 

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 Nesta ótica, a falta de foco dos protestos, em vez de fraqueza, pode acabar se revelando uma força, já que facilita a criação de uma espécie de “frente ampla” global contra o sistema – com um alcance infinitamente maior do que era possível para os antiglobalistas nos anos 90. Por trás do folclore dos acampamentos e das criativas palavras de ordem nos cartazes, há um recado inequívoco tanto para os governos quanto para as corporações. E ele se traduz em cobrança de maior responsabilidade social.

O fenômeno Occupy Wall Street sinaliza o tamanho e a complexidade dos desafios impostos a empresas e marcas por um novo contexto não apenas econômico, mas principalmente social e político, já que eleva a capacidade de expressão da opinião pública a patamares jamais imaginados. Ele deixa definitivamente para trás o mundo em que as empresas podiam prestar contas apenas aos seus acionistas, como simbolizado numa frase do magnata americano William Vanderbilt: “O público que se dane. Eu estou trabalhando para os meus acionistas".

Hoje, organizações não têm apenas que dar lucro, elas precisam de um mandato social para existir. O que implicará ir além dos modelos tradicionais da comunicação de marca para construir, de forma colaborativa, um ecossistema de relacionamentos de valor, capaz de engajar genuinamente todos os públicos de interesse e garantir legitimidade social. O que, convenhamos, representa, além de uma mudança de paradigma, um desafio hercúleo. Como diz o consultor Daniel Domeneghetti, da DOM Strategy Partners, especialista em valoração de intangíveis e reputação, as pessoas passaram a cobrar das empresas aquilo que, até recentemente, se acreditava ser responsabilidade dos governos e das instituições sociais. Querem que elas salvem o planeta, reduzam a desigualdade e promovam, se possível, a felicidade universal.

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Selma Santa Cruz é vice-presidente de planejamento do Grupo TV1 

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