Engajamento e interrupção: uma briga de morte
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Rodrigo Leao
2 de dezembro de 2011 - 10h00
Uma vez, almoçando num dos melhores restaurantes do mundo, o Oustau de Baumanière, em Les Baux de Provence, na França, eu senti de perto o cheiro da morte. Porque a morte tem um cheiro muito específico e o cheiro dela estava estacionado atrás de mim, em uma mesa pequena, com rodinhas, completamente recoberta do que deveriam ser os melhores e mais sofisticados queijos de toda a França. A questão é que os interessantes aromas individuais de cada um desses queijos quando combinados produziam um cheiro que só pode ser comparado com as armas e banheiros químicos mais letais do planeta.
Quem entrou em propaganda como eu, nos anos 90, vive hoje um pouco essa sensação. Estávamos num negócio incomparável: um dos ramos mais bem remunerados, profissionais, interessantes, desafiadores, divertidos, cruéis e competitivos do empreendimento humano. Um mercado cinco estrelas. Eis que duas décadas depois, um cheiro de morte estacionado atrás da gente vem pra acabar com a nossa folia.
Nesse exato instante eu posso imaginar o sono visceral que está tomando conta de você agora. “Putz, esse desgraçado vai começar a falar da morte da propaganda, blá-blá-blá, buá-buá-buá. Haja saco.” Prometo que não. Mas gostaria de parar um minutinho pra examinar os elementos que estão sobre a nossa mesinha com cheiro de morte.
O primeiro odor a esmurrar nosso nariz é o da dolorosa transição entre o ofício da interrupção e o ofício do engajamento. Nosso negócio era e ainda é largamente baseado na interrupção. Éramos os caras que interrompiam o engajamento entre os consumidores e os meios trazendo notícias das marcas. Fazíamos isso do jeito mais encantador, sintético e eficiente possível, já que por definição quem nos interrompe é chato, e ninguém quer ser chato na vida.
De 1970 até o meio da década passada, a meritocracia da nossa profissão premiou os craques da interrupção. Acontece que quem é bom em interrupção não necessariamente é bom em engajamento. São talentos diferentes que requerem pessoas diferentes. Como a diferença entre escrever comédia stand-up e escrever uma novela das oito. Ou seja, todos nossos talentosos criativos, criados no certame da interrupção, sofrem quando entram na arena do engajamento. Inclusive eu. É como botar um cavalo de corrida pra puxar um arado ou um pangaré pra corre no Jockey. A função e o funcionário precisam estar alinhados.
Em segundo vem a dificuldade de engajar pessoas com marcas que nem sempre merecem ser engajadas. Ao contrário da interrupção, que é impactante como um soco na cara, a luta do engajamento é uma luta de submissão: lenta, ritmada, precisa e muitas vezes demorada. A luta do engajamento dá a oportunidade do consumidor observar e enxergar bem melhor a marca e, portanto, reagir contra ou a favor de seus estímulos. Pode se tornar um aliado ou um inimigo. Marcas mais verdadeiras em sua relação com o mercado e o mundo levam muita vantagem. A diferença que uma boa agência pode fazer para um cliente ruim já não é tanta como antigamente.
Aí vem outro cheirinho. “Ninguém mais vê anúncio”, decreta um dos meus clientes mais inteligentes enquanto eu esperneio. “Atenção custa cada vez mais caro e os meus consumidores não dão mais ela pra anúncios.” Ao contrário do meu cliente eu não acho que os anúncios andam menos eficientes. Acho que o meio revista como um todo é que anda menos eficiente porque as regras do engajamento também mudaram e os profissionais desse meio, como os da propaganda, ainda não se adaptaram. Continuam a se comportar como senhores do castelo da informação, embalando notícias velhas, repetindo fórmulas centenárias sem considerar que o principal valor dessa nova cultura é a participação do receptor e não o estilão do emissor. Estão sendo engolidos por uma geração de blogueiros e twitteiros que serão os diretores de redação das revistas do futuro. O papel é um bom suporte. Os livros que o digam. É preciso reaprender a editar. O anúncio, como depende do engajamento das revistas e jornais pra interromper, tá ferrado. Se o meio não engaja, a interrupção não acontece. Temos como alento alguns anos de expansão econômica pela frente, tempo que poderá ser usado pra mascarar a queda de eficiência do meio ou pra salvá-lo. Vai depender de quem faz.
Pra feder mesmo de vez, vamos considerar a necessidade premente de generalistas num mercado saturado de especialistas. Famosa é a história do diretor de arte que retocou todas as pintas de um morango num anúncio de sorvete até achá-las adequadas ao seu critério. Era esse tipo de compromisso com a perfeição que distinguia os grandes profissionais. Hoje o mercado precisa de criativos versado nas diversas plataformas, que saibam criar deixando espaço para o consumidor participar, com conceitos que se prestam a múltiplas aplicações em múltiplas plataformas. Mas e pra explicar pro cara que passou dez anos retocando morangos que agora aquele apuro gráfico que ele tanto buscou perdeu valor, junto com a eficiência do meio impresso. Que talvez um morango tosco resolva o problema de comunicação com mais eficiência (custo x eficácia) do que o morango perfeito? Como explicar pro redator, com seus títulos e tiradas geniais, que ele deveria gastar mais tempo criando uma complexa e divertida mecânica promocional envolvendo TV, rádio, revista, Twitter e Facebook. O cara se alistou pra ser o próximo H.L. Mencken e mandam ele virar gerente de produto da Unilever? Se você é um dos dois, aproveite este momento pra twittar alguma coisa péssima a meu respeito.
E pra azedar totalmente o mascarpone, vem a questão da grana, que como nos divórcios é o tema que realmente faz o queijo acertar o ventilador. As novas necessidades pedem novos tipos de profissionais e geram novos custos. Nosso negócio talvez não seja mais um celeiro de garanhões de sêmen mágico e sim uma fazenda cheia de vacas leiteiras. Acho que tudo aponta pra um mercado com mais gente trabalhando e menos gente ganhando bem. Os especialistas que criam roteiros de 30” de comerciais que mobilizam a nação só ganham bem enquanto a audiência é concentrada. Nos países desenvolvidos, onde 5% de share já é coisa de gente grande, a eficiência desse tipo de peça já caiu e com ela os salários. Por outro lado, os clientes precisam entender que com mais gente trabalhando, os custos vão aumentar. E vão ter de aprender a pagar pelo novo talento de juntar as peças e fazer a sua comunicação funcionar. O tempo dos santos milagreiros e boys magia da criação já era. A briga agora é feia. Os queijos estão aí. Puxe a sua faca.
Rodrigo Leão é sócio e diretor de criação da Casa Darwin
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