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Retorno ao Templo Shaolin

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Ponto de vista

Retorno ao Templo Shaolin

Após anos observando os grandes mestres ninjas da camuflagem, resolvi abrir o meu alfarrábio e revelar um conjunto de técnicas milenares.


17 de abril de 2014 - 3h22

Um texto nunca está pronto. Ele pode já ter sido publicado e fica um lamento pela repetição desnecessária, a vírgula a mais, um pensamento esquecido ao digitar as palavras. Ler textos antigos é como ouvir a sua própria voz em uma gravação. Há uma estranheza em ter que se reconhecer desafinado, dissonante, meio taquara rachada. Por respeito ao momento em que escrevemos, evitamos voltar no tempo e corrigir essa sensação de falha. Como se algum Deus da escrita pudesse nos punir por esse sacrilégio inexistente. Mesmo assim: perdão, Senhor. A tentação foi mais forte.

Quando escrevia apenas para o blog, publiquei algumas dicas para quem gosta de parecer mais ocupado. Volto a elas porque é inevitável que, no início de uma agência, você pense a fundo sobre que tipo de profissional gostaria de ter por perto. No começo, era muito simples identificar aqueles que estavam fazendo o que em um processo de trabalho. Você tinha a dupla, um diretor de criação, um atendimento e, algumas vezes, o planejamento. Com o passar do tempo, os processos ficaram inchados. E alguns malandros aproveitaram esse recurso para sumir na paisagem. Se ficha técnica fosse um gráfico pizza, tem gente que seria a azeitona. Já vi até quem seria o orégano. Entre comigo no Templo Shaolin da Camuflagem Profissional.

Após anos observando os grandes mestres ninjas da camuflagem, resolvi abrir o meu alfarrábio e revelar um conjunto de técnicas milenares. Com elas, você parecerá sempre mais ocupado que os outros usando uma porcentagem mínima da sua força. Você será um Shaolin do disfarce, um mestre do mimetismo, um Obi-Wan Kenobi da difícil arte de tirar da reta. Entrará em contato e harmonia com o melhor do ócio. Aquele que sugere que você trabalha, quando na verdade está descansando. Bruce Lee dizia: seja como água. Eu digo: seja como um cafezinho eterno da tarde.

Movimento 1: não respire, bufe. Com uma simples mudança no ato de respirar e um conjunto de pequenos barulhos, você parecerá mais tenso. E tensão sugere trabalho. Fora que criar um temor à sua volta aumenta a aura de trabalhador.

Movimento 2: um samurai não anda sem a sua espada, portanto ande sempre com algo na mão. Serve qualquer coisa. De envelope pardo a folha em branco. De notebook a prancha de apresentação velha. O importante é sugerir que você carrega um objeto importante.

Movimento 3: de manhã, antes de caminhar em direção à sua mesa, pegue um café. Isso dá a impressão que você já estava no ambiente há mais tempo que os outros. Essa técnica somada a um pequeno esporro aleatório no caminho é imbatível. Só tenha em mente que esse movimento deve ser feito sem a presença de uma mochila nas costas.

Movimento 4: no Taekwondo, o grito kiai é parte essencial da luta. Quanto mais poderoso o grito, menos frágil o lutador parece. Eleve o tom da sua voz ao confrontar um problema. Mesmo que seja um bem pequeno. Dê o seu kiai, mas tenha a certeza de estar sendo observado. Quanto mais indignado esse brado, mais ocupado você parece. Portanto, grite sempre que possível. Mesmo que seja com uma ligação por engano no celular.

Movimento 5: domine uma técnica desconhecida. Analista de stopping power, redator de serendipity, CEO de psicologia de concept. Todas essas são novas habilidades que dizem que só você pode fazer uma coisa que ninguém mais é capaz. Mesmo que essa coisa seja absolutamente nada. O movimento 5 é também conhecido como Chandler Bing, em homenagem ao personagem de Friends que ninguém sabia no que trabalhava.

Movimento 6: o kung fu é baseado em animais, a camuflagem profissional, também. Técnica hipopótamo de espalhamento. Imprima muitas cópias do seu trabalho e espalhe de modo a criar uma sensação visual de dedicação. Cubra a sua mesa, o seu computador, a janela, se possível.

Movimento 7: o disparo de e-mail na madrugada. Esse é um velho conhecido. Mandar e-mails em alguns horários é provar que você estava na agência enquanto todos os outros estavam em suas casas. Ao utilizar essa técnica, lembre-se de apagar o “enviado pelo iPhone”. Também muito funcional e com ampla área de acerto: a disfarçada tuitada do fim de semana. Ou o post do Facebook. Basta um título levemente irônico: vida é o que acontece lá fora. Vale uma imagem da sua mesa de trabalho com a legenda: meu fim de semana perfeito. E pronto: você consagra a sua imagem profissional.

Movimento 8: empurre com a barriga até precisar do fim de semana. Outro conjunto de habilidades com grande resultado. Porque quem trabalha no fim de semana é mais dedicado.

Movimento 9: resolva o menor dos jobs no último minuto. Isso geralmente implica uma virada de noite. Diretores de arte costumam ser mais efetivos nessa arte. Uma imagem pode ser mexida até a exaustão completa do assistente. As glórias do esforço nunca cairão no colo do coitado, naturalmente. O segredo aqui é caprichar no #lookdodiaseguinte. Faça uma cara de cansado, repita uma camisa, largue os ombros e arraste os pés. Ah, espalhe uma lenda sobre as suas viradas.

Movimento 10: o desaparecimento no grupo, uma técnica roubada dos ninjas só que sem fumaça. Simples e fácil de empregar, a base é sempre dividir o seu trabalho com muitos. E sumir no meio dele. Com isso, você consegue estar presente em diferentes projetos ao mesmo tempo em que está ausente em todos eles. Harmoniza muito bem com ficha técnica e isenção de responsabilidades durante o processo.

Movimento 11: desvio do osso. Essa técnica exige anos e anos de prática, mas pode livrá-lo do job encrenca para sempre. Consiste em ter muitas dúvidas e dificuldade nos trabalhos mais difíceis. O treinamento facial da expressão de sofrimento é fundamental. Assim como um certo ar de culpa por não ter conseguido resolver o job no prazo. Aos poucos, você será lembrado como um esforçado, que tentou de tudo, mas não conseguiu. Os grandes mestres dessa arte sabem a hora certa de usá-la. Clientes complicados, varejo e jobs que não dão Anuário, nem Cannes. Quando bem empregada, o job osso vai para as mãos de um incauto que o resolverá. E o terreno ficará livre para o filé.

Movimento 12: a melhor defesa é a fragilidade. Já que falamos de filé e osso, pense: quantas vezes você viu dor de dente aparecer na hora de um suculento steak? Os verdadeiros artistas nunca ficam doentes no job que vai dar camisa. A tosse seca, a virose, a escarlatina só aparece na encrenca. Tenha uma saúde levemente frágil. E culpe o estresse pela queda da sua imunidade. Aprenda a usar esse recurso com habilidade e descubra um mundo com menos cobrança e mais peninha.

Movimento 13: crie um personagem para interpretar. O maluquinho, o surtado, a diva, o desligado. É uma arte de longa duração, saiba disso. Sustente-a como se os corredores da empresa fossem o seu palco. Personagens ajudam a espalhar medo entre os subalternos e compreensão entre os superiores.

Movimento 14: técnica de valorização do job na mesa. Qual o segredo para você pegar menos jobs que as outras duplas? Baixa velocidade na entrega. Como fazer isso sem parecer que você é lento, mas dedicado? Aqui, entra o treino. Valorize cada passo no processo, cada reunião, cada impressão. Enriqueça a sua função com uma técnica molecular de nomeação. Escrevendo um comunicado de rádio? Não. Você está gerindo uma nova forma de pensamento de áudio. Criando um roteiro? Nada disso. Redefinindo a forma como a marca se comunica.

Movimento 15: o Kung Fu Panda tem o golpe de dedo Ushi? A publicidade tem o golpe de puxa-saco Ushi. Talvez a técnica mais antiga e a mais difundida. Quando bem empregada, é infalível.

Lembre-se: só o domínio completo dessas técnicas leva ao estado de invulnerabilidade. Kiai!

André Kassu é sócio da CP+B Brasil

 

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