A nova geração dos templos da bola
Projetados como espaço multiuso, arenas da Copa podem representar novo marco na receita dos clubes de futebol
Projetados como espaço multiuso, arenas da Copa podem representar novo marco na receita dos clubes de futebol
Fernando Murad
8 de novembro de 2012 - 8h30
As décadas de 1960 e 1970 foram um período dourado para o futebol brasileiro. Em campo, vitórias e belos jogos. Fora deles, a inauguração de vários estádios, a maioria construída pela esfera pública, e que recebem os grandes jogos até os dias de hoje. Apesar da modernização que representaram à estrutura esportiva na época, as arenas por si só não foram suficientes para impulsionar a geração de receitas dos clubes.
Mais de 40 anos depois, o Brasil vive um cenário semelhante em termos de atualização de estrutura. Mas, se dentro das quatro linhas a qualidade do futebol pode estar deixando a desejar, do ponto de vista de negócios as perspectivas são altas em relação ao potencial de incremento de receita com a construção das arenas para a Copa do Mundo Fifa de 2014, especialmente as privadas.
Maior arrecadação com bilheteria e programas associativos, exploração de publicidade, criação de bares, restaurantes e centros de compras comercialização do nome do estádio (naming rights) e atração de eventos fora do universo do futebol são algumas das metas de Atlético Paranaense, Corinthians e Internacional, que terão os novos estádios dentro da Copa, e também de Grêmio e Palmeiras — que, apesar de estar fora da festa máxima do futebol, ganharão casa nova e com padrão Fifa.
Para Luis Paulo Rosenberg, vice-presidente de marketing do Corinthians, a passagem
do Pacaembu (estádio municipal onde manda jogos historicamente) para Itaquera será um salto qualitativo. “O estádio nasceu do marketing, e foi concebido com ótica econômica. Teremos produtos insólitos como duas mil telas em camarotes, corredores e banheiros que vão ‘estourar’ na hora do gol e depois mostrar uma marca. É a tecnologia gerando receitas. É quase uma aventura extraterrestre”, projeta.
Palco da abertura do Mundial de 2014, a casa alvinegra deve gerar receitas anuais entre R$ 120 milhões e R$ 140 milhões aos cofres corintianos. Em termos de bilheteria, a projeção é que o clube triplique a arrecadação com a exploração de camarotes (o que não acontece atualmente no Pacaembu) e a venda de carnês para todos os jogos da temporada. Já com o naming rights, a expectativa é faturar US$ 20 milhões por ano. “Não temos por que nos afobar para vender o nome. É como um apartamento. Na planta tem um preço. Pronto, outro mais caro”, compara Rosenberg. E as negociações pela propriedade devem esquentar. No mercado é dado como certo que a Globo passará a citar as marcas nos nomes de estádios a partir de 2013. A emissora, no entanto, não se pronuncia sobre o assunto.
Construído em parceria com a Odebrecht Infraestrutura, a Arena Corinthians nasce com 100% das receitas destinadas ao clube de Parque São Jorge, diferentemente dos modelos adotados por Palmeiras e WTorre e Internacional e Andrade Gutierrez. Dois anos após a inauguração, o clube começará a pagar as 12 parcelas anuais dos empréstimos. O valor das 11 primeiras será de R$ 75 milhões; a última, de R$ 35 milhões.
Multiuso
Estádio mais moderno do Brasil até então, a Arena da Baixada está sendo ampliada com recursos do próprio Atlético Paranaense, o que aumenta a expectativa dos dirigentes em relação ao retorno financeiro. “Na primeira fase a arena já era diferenciada. É o primeiro e único caso de naming rights no Brasil (entre 2005 e 2008, o espaço se chamou Arena Kyocera). Mas depois da Copa é outra coisa. Estamos nos associando a uma agência internacional que tem a visão de gestão de arena do ponto de vista de entretenimento. E vai nos ajudar na gestão dos bares, restaurantes e do museu, além de captar eventos”, aponta Mauro Holzmann, diretor executivo de marketing e comunicação do rubro-negro.
Atenta às potencialidades do mercado de shows e eventos, a WTorre, responsável pela Arena Palmeiras, fechou contrato com a norte-americana AEG, responsável por casas-referência — como Staples Center (Los Angeles) e O2 (Londres) —, para gerir o espaço. “Para montar a estrutura de um show em São Paulo hoje, gasta-se R$ 200 mil. Na arena, com um projeto que obedeceu ao plano de negócio e tem espaço destinado para esse fim, o promotor não vai gastar 10% desse valor”, garante Rogério Dezembro, diretor de novos negócios da WTorre.
Em fevereiro, a empresa participou da AEG Expo, feira promovida pela parceira nos Estados Unidos, para apresentar o novo estádio ao mercado internacional. O plano comercial, redesenhado em conjunto com a AEG, prevê 14 cotas, desde apoio até naming rights, das quais seis já estão negociadas (os nomes serão divulgados em novembro). Pelo acordo com a construtora, o Palmeiras receberá percentual crescente do faturamento da nova arena ao longo dos 30 anos de contrato com a WTorre. O montante total é estimado em US$ 1 bilhão. Além disso, o alviverde manterá a receita da bilheteria dos jogos do futebol.
No caso da Arena Porto-Alegrense, nova casa do Grêmio que será inaugurada neste ano, a palavra de ordem é o aproveitamento integral das dependências. “O projeto inaugura um novo conceito em espaço de atividades no País, com uso garantido o ano inteiro, ideal para negócios, entretenimento e também esportes. A obra integra um plano macro de urbanização que incluirá edifícios residenciais, comerciais, unidades educacionais e serviços”, ressalta Eduardo de Souza Pinto, presidente da Arena Porto-Alegrense, empresa criada por OAS e Grêmio para gerir o equipamento.
A expectativa dos gremistas é superar a marca de R$ 100 milhões de faturamento no primeiro ano de operação da estrutura. Além da bilheteria e patrocínio relativo ao futebol, o plano de negócios projeta receitas com shows de música, eventos corporativos (convenções e seminários), gastronômicos e de entretenimento, e com as áreas comerciais (restaurantes, pub, espaço kids e camarotes). A estratégia de marketing engloba, fora a cota de naming rights, a comercialização de duas cotas de official partner, quatro de sector rights e outras de patrocínio e apoio.
Pelo lado do arquirrival Internacional, o contrato com a Andrade Gutierrez estabelece que a construtora explore o novo Beira-Rio durante 20 anos. Nesse período, a Beira-Rio Holding (criada pela companhia para gerir o empreendimento) ficará com as receitas oriundas do shopping, do merchandising estático, dos naming rights, patrocínios e camarotes. A parte estabelecida ao colorado é apenas o dinheiro da bilheteria e, por isso, o clube trabalha para desenvolver novas fontes de receita.
“Com padrões modernos e qualificação dos locais, esperamos aumento de público. Na Alemanha, o incremento de público e de receita girou entre 20% e 30%. Esperamos ainda o aumento do quadro social e da venda de produtos: queremos colocar itens licenciados nas 75 lojas previstas para abrir no shopping do estádio. Também estamos trabalhando para substituir as receitas olhando para a internet e as redes sociais”, pontua Jorge André Avancini, diretor executivo de marketing do Internacional.
Aumentar a taxa de ocupação é a meta
Apesar de apaixonada, a torcida brasileira não é das mais assíduas nas arquibancadas. Segundo levantamento da Pluri Consultoria, o campeonato brasileiro tem apenas a 13ª melhor média de público entre os principais torneios nacionais do mundo. Com média de 14.897 pessoas e taxa de ocupação de 44%, o Brasileirão ficou atrás das competições de China, Estados Unidos, Japão e até da segunda divisão de Alemanha e Inglaterra.
Falta de segurança e de organização são dois fatores críticos que afugentam a torcida. “Os clubes vão ter grande oportunidade de transformar o futebol menos em guerra e mais em espetáculo. Colocar segurança privada dentro do estádio, oferecer o conforto de um estacionamento próximo a preço interessante. A mudança passa ainda pela qualidade do jogo. No Brasil, o jogo dispõe do dobro do número de faltas da Europa. Independentemente da qualidade, lá o jogo tem uma dinâmica, prende a atenção”, analisa Fernando Ferreira, sócio-diretor da Pluri.
Outro entrave ao aumento do número de espectadores é o preço do ingresso. O México, por exemplo, tem a quarta liga com melhor média de público (25.343 pagantes por jogo, com ocupação de 62% das arquibancadas) e pratica valores bem abaixo do mercado brasileiro. “O ingresso médio lá é de R$ 8 a R$ 10, e, no Brasil, se pratica preço de R$ 30 a R$ 40. O valor médio do ingresso brasileiro aumentou 14%. É um produto encalhado e ainda aumenta? Piora. Estamos falando de um país com renda média baixa. Não é tarefa fácil colocar 25 mil pessoas no estádio toda semana”, analisa Ferreira.
A inauguração do Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão (foto), no Rio de Janeiro, mostrou que não basta apenas uma arena moderna para gerar receita e aumentar o público. “O marketing e outras receitas estão atreladas a transformar o jogo num espetáculo. Quando é mais família e menos guerra, inicia um círculo virtuoso: o público consome mais. O jogo com estádio cheio é mais interessante para patrocinadores e para a televisão”, pontua.
O desafio dos clubes é encher a casa apesar dos adversários ou da própria situação no campeonato, transformando a visita ao estádio em um verdadeiro programa de entretenimento, em um espetáculo. “O torcedor está ficando insensível à situação do time, perdendo o interesse para outras opções. Os palcos, vamos ter. Mas é preciso fazer mais do que isso”, finaliza o consultor.
Reportagem publicada na edição especial Oportunidades da Copa, de Meio&Mensagem.
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