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Opinião: Parece brincadeira. Mas não é

A produção descentralizada de conteúdo é uma revolução nos hábitos de todos nós. Mas acreditar em tudo o que se vê, se lê ou se ouve é mais que ingenuidade. É preguiça


13 de agosto de 2014 - 9h03

Por Paula Nader (*)

Nas redes sociais, além de acreditar que tem um milhão de amigos, que produz pérolas de 140 caracteres e que é fotógrafo profissional, agora também tem gente achando que é documentarista da NatGeo ou correspondente de guerra.

O fato: no dia 30 de julho, no zoológico da cidade de Cascavel, no Paraná, um menino de 11 anos teve seu braço parcialmente arrancado por um ataque do tigre Hu, depois de passar alguns momentos acariciando o felino e de tentar alimentá-lo com um pedaço de frango.

O que parece brincadeira: aparentemente, o pai do menino se afastou para cuidar do filho mais novo e nenhum dos adultos que continuaram próximos tomou providências para tentar evitar o horror, porque estavam mais preocupados em filmar tudo com seus celulares.

A popularidade dos eventos com gladiadores (na antiga Roma ou nos atuais eventos de MMA) é, talvez, uma das mais famosas evidências de que humanos têm uma tendência explícita ao sadismo. O trânsito que para porque os motoristas fazem questão de passar bem devagar ao lado de acidentes com vítimas, para vê-las bem de pertinho, é outra.

Mas deixar de fazer o possível para evitar um acidente em uma situação de risco claro e iminente apenas porque isso pode te garantir um conteúdo interessante para postar na sua rede social preferida e ganhar alguns likes é o fim.

Outro fato: o episódio do blogueiro brasileiro que criou e alimentou um canal falso no YouTube por três meses, dando a entender que o governo da Coreia do Norte estava manipulando informações durante a Copa do Mundo para levar a população a acreditar que sua seleção não só estava participando da competição, como havia derrotado o Brasil na final.

O que também parece brincadeira: ainda que, logo no início, pessoas tenham alertado que havia várias falhas nos vídeos — como o sotaque sulista da apresentadora em uma dublagem quase tosca — até que a farsa fosse revelada, o canal gerou notícias em vários (alguns bons) veículos de comunicação ao redor do mundo.

Essa história de produção descentralizada de conteúdo, de que não dependemos mais de profissionais para produzir e decidir se podemos ou não ver um texto, uma ilustração, um vídeo, uma música ou uma foto é muito legal e representou uma revolução na vida e nos hábitos de todos nós.

Mas acreditar em tudo o que se vê, se lê ou se ouve é mais que ingenuidade. É preguiça. Ou, em casos mais raros, limitação intelectual.

E também é muito arriscado, porque tomar como verdade informações vindas sei lá de onde e postadas sei lá por quem com intenções também desconhecidas pode nos colocar em situações muito complicadas, pessoal e profissionalmente. Acreditar em tudo é o que permite que ditadores manipulem populações inteiras. Imagino que essa tenha sido a reflexão que o blogueiro quis provocar.

Senso crítico não se compra, mas se desenvolve. Quanto maior for o nosso repertório e o estímulo que recebemos para pensar a respeito do que estamos vendo e, se for o caso, questionar, mais vamos desenvolvê-lo. O mesmo vale para senso estético. Repertório, referências e, de novo, senso crítico são os elementos necessários para saber se algo está esteticamente bom.

Em último caso, na falta de mais elementos, que prevaleça o bom senso.

Como cidadãos, consumidores, ouvintes, leitores e espectadores, nossa responsabilidade é de pensar. De questionar. De valorizar o que é relevante e benfeito.

Como profissionais, é de colocar na rua conteúdos críveis e produzidos com cuidado. E, na era do crowdsourcing, é de aplicar nossa habilidade de curadoria para garantir que os conteúdos realmente bons (ainda que não necessariamente bem produzidos) sejam privilegiados e ganhem visibilidade, em detrimento daquilo que é simplesmente ruim.

¿Que te parece?

* Paula Nader é diretora de marca e marketing do Santander e escreve para o Meio & Mensagem mensalmente. Este artigo está publicado na edição 1622, de 11 de agosto de 2014, disponível nas versões impressa ou para tablets Apple e Android. 

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